Para onde o esgoto vai?

Quando a água escorre pelo ralo ou puxamos a descarga do vaso sanitário, geralmente não nos preocupamos onde isso irá parar. De fato, isso não deveria ser uma preocupação, principalmente se toda a população tivesse um saneamento básico adequado. A humanidade já levou o homem ao espaço, planeja colonizar Marte, mas falha em prover condições básicas de vida para boa parte de sua população. Um estudo abrangente estima que 48% da produção global de águas residuais é lançada no meio ambiente sem tratamento. A ONU, por sua vez, apresenta um número bem menos animador, de que 80% do esgoto do mundo é liberado sem tratamento. Mas voltando à pergunta do título, há basicamente dois destinos para o esgoto se ele não estiver sendo lançado in natura no meio ambiente: tratamento local, por fossas sépticas, ou ligação da rede de esgoto a uma estação de tratamento de esgoto, que devolverá a água tratada à natureza após uma série de processos.

O esgoto é um problema para a humanidade desde que ela deixou de ser nômade e as cidades começaram a se formar. Estima-se que as primeiras instalações de esgoto apareceram há cerca de 6 mil anos, na Babilônia. Tratava-se de um simples fosso para concentrar os excrementos. Mas os babilônios chegaram a desenvolver sistemas hidráulicos para transportar água através de canos de barro. A história dos sistemas de saneamento é rica e, até meados do século 20, os esgotos de praticamente todos os centros urbanos eram descarregados sem tratamento em um corpo de água, como um córrego, rio, lago, baía ou oceano. Essa era a regra, e não a exceção. Mas essa continua sendo a realidade para muitos, o que desencadeia enormes problemas de saúde pública. A questão é tão crucial que a Bill & Melinda Gates Foundation, instituição filantrópica criada por Bill e Melinda Gates, dedica grande parte dos esforços para “permitir o uso generalizado de serviços de saneamento sustentáveis e gerenciados de forma segura que contribuam para resultados positivos de saúde, economia e igualdade de gênero para as pessoas mais pobres do mundo”.

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Sewage Treatment Plant of San Claudio / Padilla Nicás Arquitectos. Image Cortesia de Padilla Nicás Arquitectos

Os sistemas de saneamento têm como objetivo proteger a saúde humana, proporcionando um ambiente limpo que possa evitar a transmissão de doenças, especialmente por meio da via fecal-oral. Água residual, ou esgoto, significa água usada, o que inclui fezes, restos de comida, produtos de limpeza, sabão, gordura, e inclusive esgoto industrial, em alguns casos, entre muitos outros. O tratamento visa retirar os contaminantes das águas residuais e convertê-la em um efluente que possa ser devolvido ao ciclo da água. 

Se a localidade não conta com um sistema público de esgoto, a forma mais comum de tratá-lo é através de fossas sépticas, que fazem um tratamento primário do esgoto doméstico. A fossa séptica é um reservatório construído para armazenar as águas residuais por um certo período de tempo, de forma que os sólidos decantam no fundo e a gordura fica retida na superfície. A água que permanece no meio,  geralmente é direcionada a um segundo tanque, chamado de filtro anaeróbico.  Este consiste em um recipiente fechado, contendo um material de enchimento (como brita, por exemplo). Ali ocorre a fixação e o desenvolvimento de microrganismos, que auxiliará na limpeza dos líquidos e proporciona maior eficiência na filtragem do esgoto, que deverá sair com uma qualidade satisfatória para ser devolvida ao meio ambiente através de um sumidouro, infiltrando no solo. Para que a fossa opere adequadamente, é importante fazer limpezas cotidianas e observar se está funcionando normalmente. 

Quando a preocupação dos proprietários é o de devolver a água mais limpa possível à natureza, um sistema natural extremamente eficiente é o de zona de raízes. Basicamente, ele recebe as águas escoadas da fossa séptica, e elas passarão por um trajeto contendo diferentes espécies de plantas macrófitas, que filtrarão as impurezas através de suas raízes. Ou seja, utiliza-se da incrível capacidade da natureza de se auto limpar. Uma outra opção é se utilizar o biodigestor, que também é um tanque fechado que trabalha na ausência de oxigênio para acelerar o processo de decomposição da matéria orgânica. Geralmente, o biodigestor somente receberá as chamadas águas negras (que possui matéria fecal e urina). Neste caso, as bactérias presentes no recipiente farão uma espécie de digestão, e o produto da decomposição pode ser utilizado como biofertilizantes e biogás.

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Sewage Treatment Plant of San Claudio / Padilla Nicás Arquitectos. Image © Mariela Apollonio

Mas se a cidade possuir uma rede de esgoto, o proprietário da edificação deverá ligar o seu encanamento à mesma. Diversos ramais de ruas e bairros vão se juntando ao sistema, que chegará a uma Estação de Tratamento. Tratam-se de um conjunto de grandes tanques (geralmente) circulares, cada qual desempenhando uma função. Comumente, se divide o processo em 3 etapas principais para o tratamento dos esgotos. 

O tratamento primário inicia-se através de grades para filtrar os componentes sólidos que não poderão entrar no sistema, como gravetos, resíduos sólidos, entulhos, entre muitos outros, que são separados e destinados ao aterro sanitário. O esgoto, então, é direcionado a tanques de decantação, onde o lodo se assenta no fundo e uma espuma é formada na superfície. Somente a água que permanece no meio passa à próxima etapa, o secundário.

O tratamento secundário de águas residuais utiliza bactérias para digerir os poluentes restantes, com a presença do oxigênio. A água é, então, levada a outros tanques de decantação, onde, ao final, ela apresenta um grau de limpeza de cerca de 95%. Muitos sistemas já finalizam aí e devolvem a água à natureza. Há outros, mais completos, em que a água ainda passará por um filtro de areia, para remover poluentes adicionais. 

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Sewage Treatment Plant of San Claudio / Padilla Nicás Arquitectos. Image © Mariela Apollonio

O tratamento terciário, que nem sempre é utilizado, remove poluentes específicos através de técnicas físico-químicas ou biológicas, com a água sendo desinfetada com cloro, ozônio ou luz ultravioleta, para remover os patógenos, garantindo que a água seja segura para retomar ao sistema de abastecimento.

Na maioria das vezes, as instalações de tratamento de águas residuais são pouco convidativas, ainda que desempenhem um papel vital para as cidades. Mas há exemplos de arquiteturas que transformam essa abordagem. No Sechelt Water Resource Centre, de PUBLIC, no Canadá, “em vez de encapsular esse serviço essencial atrás de uma cerca de arame, a instalação revela sistemas mecânicos e biológicos que limpam as águas residuais, incentivando o público a testemunhar seu papel no ciclo hidrológico. O Centro captura recursos (biossólidos, calor e água) para a indústria, parques e agricultura.”

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Sechelt Water Resource Centre / PUBLIC. Image © Martin Tessler

No projeto LOTT Clean Water Alliance Regional Services Center, desenvolvido por Miller Hull Partnership, a abordagem é semelhante. “LOTT envolve ativamente o público. A água recuperada é a que já foi esgoto e depois limpa com altos padrões de qualidade para que pudesse ser devolvida à comunidade para irrigação, descarga de vasos sanitários, indústria e muitos outros usos. Os benefícios incluem gestão de águas residuais, abastecimento de água e melhoria ambiental, bem como o uso de água recuperada para restauração de pântanos e aumento do fluxo de rios.” "A nova instalação é um exemplo tangível dos princípios sustentáveis que orientam a organização LOTT e alimentam suas operações eficientes e programas de educação", disse Scott Wolf, sócio da Miller Hull.

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LOTT Clean Water Alliance Regional Services Center / Miller Hull Partnership. Image Cortesia de Miller Hull Partnership

Já temos disponíveis diversas tecnologias para melhorar a relação com os esgotos e com o saneamento básico. Ao termos consciência dos processos e das dificuldades dos sistemas que nos rodeiam,  também entendemos as possibilidades e somos capazes de vislumbrar melhorias.

Conheça mais alguns bons exemplos de arquiteturas de equipamentos de infraestrutura nesta pasta do My ArchDaily.

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Sobre este autor
Cita: Eduardo Souza. "Para onde o esgoto vai?" 24 Jul 2021. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/964529/para-onde-o-esgoto-vai> ISSN 0719-8906

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