Arquitetura como prática heterogênea: como é ser arquiteto em várias partes do mundo

Embora a arquitetura em si seja universal, a prática do dia-a-dia ainda varia em todo o mundo influenciada por uma ampla gama de fatores, desde os requisitos profissionais e responsabilidades de um arquiteto, o ambiente local, história e costumes de construção, às prioridades locais e desafios. Em um mundo hiperconectado, onde a arquitetura parece se tornar mais uniforme, como os contextos e características locais moldam o ambiente construído? Este artigo explora as semelhanças e diferenças dentro da profissão de arquiteto.

Compartilhando uma formação educacional semelhante e as ferramentas para compreender o contexto cultural, histórico e geográfico em que operam, os arquitetos trabalham em todas as partes do mundo, produzindo arquitetura exemplar em contextos altamente diversos. A globalização e a rápida disseminação de informações tornaram a arquitetura cada vez mais internacional. No entanto, a diversidade de contextos e ambientes construídos contribui para uma prática de arquitetura heterogênea, onde os desafios globais são tratados de maneiras particulares no nível local, e os arquitetos enfrentam diferentes prioridades. Aqui no ArchDaily, nossos editores e colaboradores estão espalhados por todo o mundo, e as seguintes respostas a uma série de perguntas representam sua visão sobre a profissão de arquiteto nos países em que residem.

A formação educacional e a profissão

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MAD Architects Studio. Imagem © Marc Goodwin

Arquitetos de todo o mundo compartilham uma formação semelhante, marcada pelas mesmas referências e valores, com um grau de variação entre um enfoque teórico ou um enfoque técnico. Embora os requisitos profissionais difiram de país para país, um aspecto comum no ensino de arquitetura é a discrepância entre a academia e a prática, lamentada pelos leitores, equipe editorial do Archdaily e arquitetos renomados. Na Europa, assim como no mundo da arte, o ensino de arquitetura se concentra na história e no desenvolvimento do Ocidente, subestimando as figuras significativas fora dessa faixa. Um mercado de construção integrado e o aumento da força de trabalho e da mobilidade estudantil entre os países, bem como as medidas tomadas pela UE em direção à padronização, estão moldando uma experiência compartilhada no ensino de arquitetura e na prática, com o Conselho de Arquitetos da Europa periodicamente apresentando uma análise abrangente da profissão em toda a Europa.

Qual é o foco principal da educação em arquitetura em seu país e quais são as responsabilidades dos arquitetos?

Antonia (Chile): A arquitetura no Chile costumava ser uma profissão muito elitista e, em algumas instituições, o foco da educação ainda é projetar uma arquitetura extraordinária sem levar em conta os recursos.
Fernanda (Chile): Acho que estamos diante de um momento em que mais pessoas estão cientes de que a arquitetura vai além da construção e que existem muitas formas de produzir e entregar arquitetura. Quinze anos atrás, o arquiteto era ensinado principalmente a ser um pensador conceitual. Ainda assim, a educação atual em arquitetura também está focada em como um arquiteto pode contribuir para a sociedade na política, nos meios de comunicação, na educação e no empreendedorismo.

Christele (Líbano): A educação em arquitetura no Líbano é bastante diversa, na minha opinião, embora não cubra todos os aspectos contemporâneos e atuais da área. Inspirada inicialmente nos ensinamentos da École des Beaux-Arts francesa, a profissão enfrentou muitos obstáculos ao longo dos anos.
Hana (Líbano): [no caso do arquiteto como projetista] Infelizmente, em muitos casos, não são realizadas visitas e inspeções suficientes ao local, deixando para o Gestor de Projeto ou Construtor procederem com as especificações dos materiais.

Kaley (EUA): [escolher um plano de carreira específico] cria uma grande lacuna entre a academia e a prática da arquitetura. Após a formatura, os alunos muitas vezes se surpreendem com o que o trabalho do dia-a-dia envolve.

Eduardo (Brasil): O arquiteto está restrito a um pequeno público, trabalhando principalmente em projetos residenciais ou corporativos. E como os honorários são baixos, o arquiteto costuma desenvolver um projeto executivo muito pouco detalhado. Os construtores ou engenheiros geralmente são os que dirigem o canteiro de obras.

Fabian (Argentina): Em geral, há uma tendência de se focar mais no desenho da forma, com um olhar crítico e não tão restritivo com as resoluções técnicas. Há uma grande lacuna entre a academia e o mundo profissional.

Os desafios locais

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Morro Do Papagaio, Belo Horizonte. Imagem © Johnny Miller

Os arquitetos enfrentam desafios globais como a rápida urbanização, as mudanças climáticas e a desigualdade. No entanto, cada região aborda essas questões globais e outras locais de uma forma específica que decorre de uma história ou desenvolvimento econômico particular. Em toda a Europa, as diferentes origens culturais e níveis de desenvolvimento econômico criaram uma enorme lacuna na maneira como os países abordam e priorizam as mudanças climáticas; portanto, a iniciativa The New European Bauhaus visa criar uma abordagem unificada e fornecer a todos os países da UE os meios para implementar a neutralidade de carbono. Na Europa Oriental, a arquitetura em grande escala da era socialista e os espaços urbanos ainda constituem um legado desafiador, em desacordo com os ambientes urbanos contemporâneos e os valores que moldam as cidades hoje.

Qual questão urgente relacionada ao ambiente construído é frequentemente discutida em seu país? Como os arquitetos estão lidando com isso?

Antonia (Chile): No Chile, está relacionada ao planejamento urbano e às regulamentações de mercado, envolvendo diferentes desafios como limitar a expansão urbana. Hoje, os arquitetos estão se envolvendo mais na discussão pública motivada pelo clima político atual.
Fernanda (Chile): Discutimos a qualidade (e dignidade) da habitação social, a densidade dos edifícios do centro da cidade e a falta de espaços públicos e parques. Em 2019, um grupo de jovens arquitetos tornou visível a questão da habitação social com uma interessante intervenção no centro das manifestações sociais, desenhando em escala 1: 1 as plantas dos diferentes “microapartamentos” que têm sido muito polêmicos devido ao seu elevado preço e falta de dignidade.

Christele (Líbano): A ideia de contexto é muito importante, especialmente no caso do Líbano. As leis de construção geraram estruturas típicas e idênticas que não consideram integração, local ou tecido. Não são flexíveis e padronizadas para o país, elas não diferenciam entre o rural e o urbano, ou entre o histórico e o contemporâneo etc. Juntamente com a completa ausência de planos diretores e visões e com direitos sagrados de desenvolvimento, elas são as principais responsáveis pela destruição de joias arquitetônicas, erradicando os tecidos urbanos e sociais tradicionais.

Kaley (EUA): Existem duas grandes pressões que enfrentamos atualmente. Uma tem a ver com como podemos projetar cidades mais equitativas e criar projetos que ofereçam oportunidades para comunidades menos assistidas, e a outra é como podemos projetar de uma forma que reduza nossa emissão de carbono e mitigue nosso impacto nas mudanças climáticas.

Dima (Suiça): Definitivamente, energia renovável. É um assunto de abrangência nacional que está sendo abordado em todos os tipos de projetos. A maioria das empresas tem um plano de se tornar 100% sustentável até 2050.

Eduardo (Brasil): Muito se tem falado sobre a assistência técnica às famílias de baixa renda. Ou seja, o governo pode pagar ao arquiteto para projetar uma reforma ou uma nova habitação para uma família necessitada. Ou seja, o principal é aumentar o campo de ação.

Fabian
(Argentina):
O acesso à moradia e a urbanização de assentamentos informais estão sempre no foco das discussões, sendo abordados principalmente a partir da academia e muitas vezes usados como promessa em campanhas políticas. Em todo caso, o debate ultimamente está se voltando para outros aspectos dos desafios globais da crise econômica e ambiental.

Como o contexto local molda a arquitetura

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Wall House por Anupama Kundoo. Imagem © Javier Callejas

Por mais universal que seja a linguagem da arquitetura contemporânea, o ambiente, a cultura e a história locais ainda desempenham um papel crucial na forma construída. O passado socialista dos países do leste europeu deixou para trás uma falta de investimento em edifícios públicos e espaços urbanos, o que restringiu o trabalho dos arquitetos a projetos habitacionais e empreendimentos comerciais. No entanto, uma série de concursos e projetos aclamados internacionalmente está abrindo novas possibilidades para os arquitetos locais.

Qual característica local desempenha um papel importante na formação da arquitetura em seu país?

Antonia (Chile): Provavelmente, a diversidade de paisagens do Chile é o fator mais importante de sua arquitetura mundialmente famosa.

Christele (Líbano): Herança cultural, história, know-how local e modos de vida da sociedade desempenham um papel essencial na formação do ambiente construído libanês. Essas características (com muitas outras) devem ser incorporadas em todo processo arquitetônico conceitual para gerar uma arquitetura integrada que se pareça com seu povo, conte suas histórias, reaja ao entorno e faça parte da narrativa.
Hana (Líbano): Existem muitas restrições espaciais e regulatórias que tendem a moldar a arquitetura no Líbano. Infelizmente, a necessidade de utilizar o máximo de espaço possível está se tornando uma tendência recorrente na cidade. Ainda assim, alguns empreendimentos muito interessantes centram-se na reabilitação e restauração de edifícios históricos e casas de pedra.

Kaley (EUA): É interessante porque não existe um estilo "americano"; somos historicamente um país que tomou emprestado de outros e reutilizou exatamente como é ou o inventou de uma nova maneira. No momento, estamos interessados em construir melhor, mais alto e mais rápido, e isso criou uma proliferação de arranha-céus gigantes (pelo menos em Nova York) porque muitos projetos são financiados de forma privada por investidores.

Dima (Suíça): Linhas limpas são o estilo preferido. Cada vila define suas próprias regras e requisitos de arquitetura, para que os arquitetos não criem projetos exagerados ou façam experiências com a geometria. Se eu fosse descrever brevemente a arquitetura suíça, diria que a funcionalidade e as necessidades humanas vêm em primeiro lugar.

Eduardo (Brasil): O Brasil é tão grande que é difícil generalizar qualquer coisa. Temos um predomínio da chamada Escola Paulista quando vemos alguns concursos públicos de projeto ou construções maiores.

Fabian (Argentina): O regulamento historicamente teve um papel fundamental na formação da arquitetura da Argentina, que deu origem a cidades ordenadas como La Plata, ou o caso da atual cidade de Buenos Aires, que está entre as 20 cidades mais populosas do mundo.

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Sobre este autor
Cita: Cutieru, Andreea. "Arquitetura como prática heterogênea: como é ser arquiteto em várias partes do mundo" [Architecture as a Heterogenous Practice: What is to be an Architect Around the World] 02 Jun 2021. ArchDaily Brasil. (Trad. Sbeghen Ghisleni, Camila) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/961206/arquitetura-como-pratica-heterogenea-como-e-ser-arquiteto-em-varias-partes-do-mundo> ISSN 0719-8906

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