O que significa construir sem preconceitos: questionando o papel do gênero na arquitetura

O que é mais masculino: um estádio ou uma enfermaria? Hannah Rozenberg, arquiteta recém graduada no Royal College of Art (Londres), afirma ser o primeiro e apresenta um algoritmo para comprovar sua opinião.

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Intitulado Building without Bias: An architectural language for the post-binary ("Construindo sem parcialidade: uma linguagem arquitetônica pós-binária"), a tese de Hannah Rozenberg gira em torno da noção de que a arquitetura pode, em seu desenho, ter um gênero. Para ilustrar esse ponto, Rozenberg cita St. James, um exclusivo bairro londrino que abriga dezenas de clubes sociais. "As mulheres, ou são proibidas de entrar nos clubes, ou precisam seguir diferentes regras", comenta a arquiteta ao ArchDaily. "Por exemplo, um desses clubes é o Boodle's, onde as mulheres devem entrar pela porta traseira", explica.

© Hannah Rozenberg

Alguém poderia argumentar que desde a fundação dos clubes sociais em St. James nos séculos XVIII e XIX, a arquitetura abertamente reduziu sua predisposição ao gênero. Rozenberg argumenta o contrário: na sua pesquisa explica que inclusive agora, que a tecnologia se tornou cada vez mais relevante na forma como a arquitetura é desenhada e construída, nela persiste a questão do gênero. Por que? Porque o gênero está presente na tecnologia que usamos diariamente. 

Tomamos como exemplo o Google Translate, um programa que segundo Rozenberg revela que a diferença de gênero persiste na tecnologia. Se traduzirmos, por exemplo, "ela é uma líder" (she is a leader) do inglês ao estoniano e logo voltarmos a traduzir para inglês, o programa automaticamente mudará o sujeito para dizer "ele é um líder" (he is a leader). O mesmo acontece se escrevermos "ele é um assistente" (he is an assistant): Google Translate o converterá em "ela é uma assistente" (she is an assistant), baseado nas associações linguísticas inerentes ao seu algoritmo. "Como a arquitetura é meu meio", disse Rozenberg, "decidi usá-la como uma forma de destacar a problemática e tratar de revertê-la".

Print Screen de um edifício -without-bias.co.uk

Com esse objetivo em mente, Rozenberg contactou um amigo programador. Juntos desenvolveram um site que utiliza um algoritmo similar ao do Google Translate para medir uma palavra e o gênero o qual se associa comumente. O programa quantifica essas associações linguísticas na unidade de medida denominada gender units (GU), onde os indicadores positivos expressam mais palavras femininas e os negativos, mais masculinas. Segundo Rozenberg, por meio da análise de texto proveniente do Google News, "a máquina aprende que um homem é um rei e uma mulher é uma rainha". Quando isso é aplicado ao termos arquitetônicos e de desenho, aprende que o concreto, o aço e a madeira são associados ao homem; enquanto o encaixe, o vidro e a habitação são associados a mulher.

© Hannah Rozenberg
© Hannah Rozenberg

Para interromper esses binários linguísticos - e, por extensão, arquitetônicos - Rozenberg desenhou uma série de espaços dentro e fora dos clubes sociais do bairro de St. Janes que interrompem a hiper-masculinidade da região. Rozenberg mediu os elementos arquitetônicos desses espaços na sua escala GU e se assegurou que o produto final apresentasse como resultado zero. Esses espaços, "um banco, uma marquise, uma escada, uma parede, duas janelas, uma porta, uma balaustrada e uma rampa equivalem a zero" afirma Rozenberg, "dessa forma, se uma máquina fosse capaz de ler essa imagem e etiquetá-la, todas essas características poderiam chegar a zero", o que significa que o registro espacial do lugar não é nem masculino, nem feminino. Rozenberg é clara, isso sim, em enfatizar que como esses espaços foram gerados por ela mesma, não são absolutamente imparciais. "Não posso dizer que sejam neutros em suas estéticas", adverte. "Algo que poderia ser visto como muito masculino para alguns poderia ser muito feminino para outros", afirma. Em vez disso, as imagens estão pensadas para serem vistas sem gênero por uma máquina, como IBM Watson, o sofisticado software de reconhecimento de imagens. Rozenberg articulou este processo como uma forma de treinar novamente a máquina - o que nós percebemos como neutro - para ser também na prática.

© Hannah Rozenberg

Do mesmo modo, os espaços desenhados por Rozenberg estão destinados a permitir o novo treinamento da linguagem. "A linguagem tendenciosa leva a tecnologia tendenciosa o que desemboca em um entorno tendencioso". Para chegar aos problemas como a tendência de gênero no desenho arquitetônico, ela afirma que: "o primeiro que precisa ser modificado é a linguagem". As imagens 3D mostram uma biblioteca, um teatro, um cinema, uma série de bancas e escritórios. Todos eles representam formas nas quais a gente se comunica com os outros. A ideia desses espaços teóricos, afirma Rozenberg, "é que as pessoas vejam os espaços e repensem a forma como eles usam a linguagem e o preconceito que se abriga neles".

© Hannah Rozenberg
© Hannah Rozenberg

A metodologia de Rozenberg é complexa, porém sua mensagem é simples: ao corrigir as máquinas na medida em que começam a ter uma maior participação no desenho dos edifícios do futuro - e auto-corrigir nossas próprias tendências de gênero - poderíamos desenhar espaços que funcionem melhor para todos. 

Nota do editor: esse artigo foi publicado originalmente em 13 de setembro de 2018 e republicado em março de 2020.

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Sobre este autor
Cita: Comberg, Ella. "O que significa construir sem preconceitos: questionando o papel do gênero na arquitetura" [What it Means to Build Without Bias: Questioning the Role of Gender in Architecture ] 09 Abr 2020. ArchDaily Brasil. (Trad. Sbeghen Ghisleni, Camila) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/937152/o-que-significa-construir-sem-preconceitos-questionando-o-papel-do-genero-na-arquitetura> ISSN 0719-8906

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