"Criar problemas é muito mais divertido que resolvê-los": entrevista com Liz Diller e Ricardo Scofidio

É tão revigorante ouvir algo como o que eu acabei de ouvir: “Procuramos fazer tudo de maneira diferente. Pensamos diferentemente. Podemos dizer que não fazemos parte de nenhum estilo ou grupo.” A seguir, apresentarei um resumo da minha recente conversa com Liz Diller e Ric Scofidio em seu movimentado escritório de Nova Iorque. Falamos sobre como a maioria dos arquitetos segue trabalhando segundo sistemas bastante convencionais, o que fazer para evitá-los e como reinventar-se a cada novo projeto. Na cidade de Nova Iorque encontram-se alguns dos projetos mais representativos desenvolvidos pela Scofidio + Renfro, como o popular High Line Park, a remodelação do Lincoln Center, o Columbia University Medical Center e o fantástico "The Shed", um museu totalmente dinâmico e aberto que está sendo construído no Hudson Yards para atender às crescentes demandas dos artistas contemporâneos, porque ninguém sabe (nem pretende definir) como será a arte no futuro.

Criar problemas é muito mais divertido que resolvê-los: entrevista com Liz Diller e Ricardo Scofidio - Mais Imagens+ 34

Zaryadye Park / Diller Scofidio + Renfro. Image © Maria Gonzalez

Criar problemas é muito mais divertido que resolvê-los: entrevista com Liz Diller e Ricardo Scofidio - Mais Imagens+ 34

Vladimir Belogolovsky: Vocês costumam usar a expressão “política do espaço”. O que isso significa para vocês?

Liz Diller: Isso significa que o espaço nunca é neutro. É culturalmente codificado, e nunca é igual em lugares diferentes. Existem muitas nuances, como a relação entre o que é público e o que é privado, os graus de privacidade além dos padrões de comportamento.
 

Ric Scofidio: O espaço vem sempre carregado de história, mas infelizmente a maioria dos arquitetos foram educados a eliminar tudo logo de cara - luzes, sons, cheiros, etc. Começar do zero, deixar de lado toda as infinitas camadas da realidade somente para estimular a sua própria criatividade. Nós arquitetos, somos os principais responsáveis pelos espaços que construímos, precisamos considerar todas as suas pré-existências e seus infinitos significados. Uma das principais características espaciais, a qual jamais podemos esquecer enquanto arquitetos e urbanistas, é a sua natureza política.

VB: Falando sobre o trabalho de vocês, o quanto vocês tentam se envolver com o conjunto específico de problemas de cada projeto e o quanto vocês já trazem de outras experiências anteriores?

RS: Minha maior crítica é que muitos arquitetos simplesmente aceitam as principais convenções espaciais sem nunca questioná-las, nem mesmo por um momento. Por exemplo, pense no espaço de um apartamento: isto define a maneira como as pessoas vão viver! Para mim, é sempre importante considerar, com muito cuidado, tudo aquilo que ainda não sabemos o suficiente.

LD: Desde que abrimos o nosso escritório, nos preocupamos mais em observar o dia a dia das pessoas, partindo sempre da menor escala, da esfera mais humana e doméstica, até chegar a grande escala e as relações entre o público e o privado. Desde então estamos seguindo a mesma linha de raciocínio. Estamos sempre questionando o status quo e aquilo que teoricamente é definitivo. Ao mesmo tempo, encaramos cada novo projeto como uma oportunidade única de experimentação e exploração de caminhos diferentes. Muitos de nossos edifícios, ainda que possuam programas muito semelhantes, como os museus de Boston e Los Angeles, são projetos completamente distintos.

Institute of Contemporary Art / Diller Scofidio + Renfro. Image © Iwan Baan

VB: Liz, em uma de suas entrevistas você disse: “Nós sempre procuramos correr por fora. Para o mundo da arte, queremos ser vistos como arquitetos e, para o mundo da arquitetura, queremos parecer mais artistas que qualquer outra coisa”. O que os motiva a pensar desta forma?

LD: Bem, trata-se de jogar inteligentemente de acordo com as cartas da mesa e de certa forma, procuramos criar um afastamento entre nós e o sistema. A partir deste ponto, basicamente estamos livres para inverter tudo aquilo que queremos. Isso quer dizer que tentamos não submeter os nossos projetos à apenas aquilo que esperam de nós. Atualmente estamos trabalhando com instituições que desejam crescer junto conosco, que compartilham as mesmas ideias. Pode parecer que estar alinhados com os nossos clientes significa fazer parte do establishment, mas ainda assim conseguimos fazer as nossas próprias regras quando se trata de um projeto de arquitetura. Procurando o traçado diferente da pista, somos obrigados a pensar de maneira diferente para manter-se nela. Isso faz toda a diferença. E ainda podemos dizer que não pertencemos a nenhum grupo, pois ninguém está fazendo aquilo que estamos fazendo, pelo menos não da mesma maneira.

RS: Tentamos evitar os rótulos e não levamos a sério nenhum limite que nos seja imposto. Isso é o que nos permite questionar e criticar tudo aquilo que fazemos. Somos conscientes de que não somos arquitetos fazendo arte nem artistas fazendo arquitetura. Trabalhamos com uma disciplina que nos permite explorar continuamente e não aproveitar ao máximo esta oportunidade seria algo muito triste. Michelangelo foi um artista ou um arquiteto? No passado, aceitava-se com mais facilidade os generalistas, mas já faz um bom tempo que estamos caminhando em direção à especialidade absoluta. Nós estamos tentando resistir a isso, nos envolvendo com todo e qualquer aspecto de nossos projetos.

VB: Como arquitetos, vocês seriam capazes de explicar isso que vocês estão fazendo, para profissionais que nunca experimentaram o exercício da arquitetura contemporânea sem nenhum compromisso, e que não sabem nada sobre isso?

RS: Bem, acho que seria bem difícil ...

VB: E porquê?

RS: Porque não podemos apontar para um detalhe específico e dizer - nós fizemos isso por isso ou por aquilo. Mas me parece mais plausível que a própria arquitetura já tenha estabelecido seu próprio diálogo.

© Beat Widmer, Courtesy of Diller Scofidio + Renfro. ImageBlur Building / Diller Scofidio + Renfro

VB: Isso significa que a arquitetura não precisa de explicação?

RS: Bem, ela é como uma cebola. A primeira camada é apenas a superfície, se alguém quiser se aprofundar, há muitas outras para serem descobertas.

LD: Ainda assim, procuramos falar de nossa arquitetura em termos bastante simples ... As mudanças em nossa sociedade nunca foram tão rápidas como hoje em dia. Tudo está constantemente sendo repensado; A tecnologia está mudando nossas vidas em todos os sentidos. No entanto, a arquitetura não vem acompanhando estas mudanças sem certo atraso. Assim, em nossa prática profissional, pensamos de forma crítica a relevância de um projeto de arquitetura, porque tudo muda o tempo todo. Este é um dos motivos que nos levam a crer que a maioria das convenções da nossa disciplina precisam ser questionadas.

Pense no projeto do High Line por exemplo - é a formulação da ideia de criar um espaço para não fazer nada! Isso parecia tão estranho para a cidade de Nova Iorque, tão exótico. Não dá pra fazer nada naquele lugar - não se pode jogar bola, andar de bicicleta, nem levar o cachorro ... O sucesso do High Line deve-se em grande parte ao simples fato de que questionamos a convenção tradicional de espaço público, e porque não?

The High Line / Diller Scofidio + Renfro. Image © Iwan Baan

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RS: O projeto do High Line está diretamente conectado com a maneira de estabelecer a nossa relação com a cidade. Normalmente, as pessoas ficam completamente perdidas quando saem do metrô, sem saber exatamente para onde estão indo. No High Line, é muito fácil orientar-se. É possível caminhar acima das ruas do centro da cidade, isso é tão incrível e inspirador.

VB: O que vocês procuram alcançar através da arquitetura?

LD: A democratização dos espaços urbanos e espaços culturais em geral, tornando-os acessíveis. Aproximar tudo aquilo que é diferente, romper as barreiras culturais e tecnológicas.

RS: Além disso, somos muito críticos em relação a todos os problemas envolvidos em um projeto e procuramos resolvê-los através de nossa arquitetura. Nos apaixonamos por certas ideias e depois tentamos encontrar soluções para viabilizá-las, o que muitas vezes nos leva à ter de inventar novas tecnologias e programas.

VB: Você disse uma vez: “Nós gostamos de flertar com a paisagem e nos apropriamos dela de forma a produzir novos efeitos.” Me faz pensar no projeto "Dancing Trees" de 2008 desenvolvido para a Bienal de Liverpool. Por que vocês gostariam que as árvores dançassem?

LD: [risos] Por que não? As árvores deveriam dançar!

RS: As árvores são mais felizes quando estão dançando.

VB: Isso foi uma instalação temporária ou elas continuam dançando?

RS: Era pra ser temporária, mas acontece que todo mundo adorou a ideia e então decidiram manter elas dançando por mais um tempo. Nós estávamos brisando com a idéia de que árvores pudessem se levantar e sair caminhando por aí. São dezesseis árvores no total, três das quais "dançam". Então, quando olhamos para elas, de repente parece haver um certo tipo de movimento. Emprestamos a ideia dos contos dos Irmãos Grimm, nos quais as árvores saem pra passear à noite e batem nas suas janelas. Árvores também podem ser bonitas e assustadoras. Somos fascinados por este lado sobrenatural da natureza.

LD: Além disso, as árvores crescem muito lentamente e a ideia era dar uma acelerada na maneira como elas se comunicam. Por outro lado, imagine que você adora a sombra que uma árvore projeta em uma determinada paisagem. Mas a medida que o sol se move a sombra se transforma. Então, por que não mover a árvore para que a sombra permaneça no mesmo lugar? Porque só o sol se move e as árvores não?

RS: A propósito, as árvores adorariam se mexer, porque assim seria mais fácil receber o sol de maneira mais uniforme. E parece que as pessoas também estão gostando da ideia de árvores que se mexem.

LD: A natureza é fascinante. Acreditar de que algo é "natural" é uma idéia fora de moda. Não existe quase mais nada "natural". O que é natural? O que pode ser mais estranho do que plantar grama e árvores no High Line? E veja como essa estranheza natural é perfeitamente aceita agora. Eu te pergunto onde está o limite entre o que é construído e o que é natural?

© Iwan Baan

VB: Cedric Price certa vez disse: “A arquitetura deve criar novos apetites, novas fomes - e não apenas resolver problemas; a arquitetura é muito lenta para resolver problemas.” O que vocês acham da arquitetura ser apenas uma ferramenta para resolver problemas?

RS: Acho que apenas resolver problemas é algo tão pragmático que acabaria por sufocar a própria arquitetura, porque para nós, ela é algo mais próximo do questionamento. E talvez a primeira pergunta que devemos fazer é se o problema em questão deve ser resolvido? Para mim, resolver problemas não é o suficiente, não é interessante. Arquitetura nunca se prestou apenas à resolver problemas.

VB: Alvaro Siza me disse recentemente: “Eu não resolvo problemas. Eu fico dando voltas ao redor deles.

LD: [Risos]. Criar problemas é mais divertido; resolver problemas é muito fácil. Toda vez que recebemos um novo programa, nós o desmembramos e o questionamos o tempo tempo. Nada é definitivo.

RS: Se o objetivo é resolver problemas, significa que você já sabe quais são os problemas. Nós estamos mais preocupados em explorar novos territórios. Isso significa que algumas coisas são devidamente resolvidas, mas que outras permanecem abertas ao questionamento. Isso se traduz em um vocabulário mais rico para a arquitetura que está sendo desenvolvida.

VB: Aqui eu selecionei alguns dos temas que vocês estão constantemente explorando: tecnologia, visão, público/privado, cotidiano, domesticidade, comportamento das coisas, mundo mediado, interferência, visão projetada, vigilância, teatralidade, transformação de pontos de vista, vivacidade, normalidade. E se vocês tivessem que definir o seu trabalho com apenas uma palavra, qual seria?

LD: Desconforto e felicidade.

RS: Eu acabaria com os rótulos!

The Broad Museum / Diller Scofidio + Renfro. Image © Iwan Baan

VLADIMIR BELOGOLOVSKY é o fundador do Curatorial Project, uma organização sem fins lucrativos com sede em Nova Iorque. Formado arquiteto pela Cooper Union, ele escreveu cinco livros, incluindo Conversations with Architects in the Age of Celebrity (DOM, 2015), Harry Seidler: LIFEWORK (Rizzoli, 2014) e Soviet Modernism: 1955-1985 (TATLIN, 2010). Entre suas numerosas exposições: Anthony Ames: Object-Type Landscapes at Casa Curutchet, La Plata, Argentina (2015); Colombia: Transformed (American Tour, 2013-15); Harry Seidler: Painting Toward Architecture (em turnê mundial desde 2012); e Chess Game for Russian Pavilion at the 11th Venice Architecture Biennale (2008). Belogolovsky é o correspondente americano da revista de arquitetura SPEECH, com sede em Berlim, além de lecionar em distintas universidades e museus em mais de 20 países.

A coluna de Belogolovsky, City of Ideas, apresenta aos leitores do ArchDaily suas conversas mais recentes com alguns dos arquitetos mais inovadores ao redor do mundo. Essas discussões fazem parte da próxima exposição homônima organizada pelo autor, originalmente apresentada na Universidade de Sydney em junho de 2016. A exposição The City of Ideas visitará cidades do mundo todo para apresentar um exclusivo conteúdo e design em constante evolução.

Sobre este autor
Cita: Belogolovsky, Vladimir. ""Criar problemas é muito mais divertido que resolvê-los": entrevista com Liz Diller e Ricardo Scofidio" ["Making Problems is More Fun; Solving Problems is Too Easy": Liz Diller and Ricardo Scofidio of Diller Scofidio + Renfro] 20 Set 2018. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/902132/criar-problemas-e-muito-mais-divertido-que-resolve-los-entrevista-com-liz-diller-e-ricardo-scofidio> ISSN 0719-8906

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