Cidades caminháveis: como qualificar os atributos urbanos que afetam os pedestres na escala do bairro

A caminhada é a mais comum forma de transporte no mundo e é um direito humano básico. Ela nos conecta diretamente com o ambiente ao redor, não polui a cidade e apresenta inúmeros benefícios para a saúde, como a redução de doenças crônicas, da obesidade e de diabetes. É essa a mensagem que o ITDP e StreetFilms traz no filme The Right to Walk, lançado em este ano.

Se caminhar é tão bom, por que é tão difícil caminhar no ambiente urbano? O crescimento rápido das nossas cidades e o planejamento urbano focado no carro reduz cada vez mais o espaço e o respeito ao pedestre. Todo ano 1,3 milhões pessoas são vítimas fatais do trânsito, sendo metade pedestres, ciclistas ou motociclistas, e acidentes de trânsito causam entre 20 e 50 milhões de internações, sendo o principal causador de deficiências físicas em todo o mundo. Mais de 90% das mortes no trânsito ocorrem em países com renda média ou baixa como o Brasil, país com maior número de mortes de trânsito por habitante da América do Sul.

Apesar das consequências negativas de um ambiente urbano focado no carro e dos benefícios conhecidos da caminhada, a maior parte das cidades brasileiras gastam a maior fatia dos seus recursos de transporte providenciando infraestrutura para os carros, o que incentiva ainda mais o uso. Uma cidade caminhável deve ser desenhada primeiramente para pedestres, deve possuir redes de mobilidade a pé, com calçadas e travessias totalmente conectadas e que permitam rotas mais diretas que as rotas dos veículos, além do acesso direto e fácil ao transporte público, aos comércios e aos serviços da cidade.

Líderes políticos em todo o mundo estão começando a compreender a importância da caminhada para a saúde dos cidadãos e a vida nas cidades. Diversas cidades têm revitalizado centros históricos com ruas de pedestres, ciclovias e sistemas de bicicletas compartilhadas, sistemas de transporte público, e fortes restrições ao uso e estacionamento de carros em vias públicas. É preciso olhar a cidade sob a ótica do pedestre, ou seja, compreender as características do ambiente urbano que favorecem e que desincentivam a caminhada, para podermos mudar a forma de planejá-las. É justamente esse o conceito de caminhabilidade (em inglês, walkability), que vem ganhando força nas discussões sobre mobilidade, planejamento e desenho urbano entre líderes políticos, estudiosos e técnicos.

Sob essa perspectiva, o ITDP Brasil desenvolveu a segunda versão do Indice de Caminhabilidade, uma metodologia simplificada de avaliação dos aspectos do ambiente urbano que favorecem ou desestimulam a caminhada. A metodologia ressalta a importância do olhar conjunto dos elementos físicos do espaço urbano, como redes de calçadas e travessias, o uso do solo e a gestão da política urbana, elementos que contribuem para a valorização os espaços públicos, a saúde dos cidadãos e as relações sociais e econômicas na escala da rua e do bairro.

O índice é composto por quinze indicadores e um sistema equivalente de pontuação entre eles, o que permite o ranqueamento e o reconhecimento das principais qualidades e deficiências de um local. A comparação de indicadores pode ser feita na escala da calçada ou da rua, a fim de identificar os locais prioritários para intervenção e contribuir para um maior entendimento sobre redes de pedestres no bairro.

Os indicadores são distribuídos em seis diferentes categorias, de acordo com cada tema definido na ferramenta. A qualidade da calçada é um dos temas mais intuitivos, com indicadores para a avaliação da largura, superfície e manutenção do piso adequadas para os pedestres. De forma complementar, a segurança viária apresenta indicadores que visam a segurança de pedestres em relação ao tráfego de veículos motorizados, como a avaliação de travessias, da acessibilidade a pessoas com deficiência e mobilidade reduzida e das velocidades veiculares. Essa categoria tem grande importância na avaliação de condições de caminhabilidade, pois está diretamente relacionada às elevadas taxas de colisões e fatalidades em cidades brasileiras.

Bairros com uso do solo residencial, regiões comerciais e de serviços em uma distância caminhável (que pode ser de até um quilômetro) reduzem a necessidade de deslocamentos por carros, promovem o uso do espaço público em todas as horas do dia e da noite, deixam a rua viva e melhoram a segurança como um todo, atraindo mais pessoas a pé. A categoria atração é complementada pela categoria segurança pública, que avalia os atributos do ambiente construído para a melhoria da sensação de segurança e coibição de crimes e delitos, principalmente durante a noite.

Os deslocamentos dos pedestres são a base para a mobilidade urbana da cidade, e este tema é representado pela categoria mobilidade. Regiões da cidade e bairros devem ser conectados por uma rede de transporte público de qualidade que promova um sistema de mobilidade de pessoas pela cidade, legível, rápido e que acesse locais de forma eficiente, evitando o uso do carro. Os aspectos ambientais, como sombras e abrigos, permitem caminhos confortáveis e incentivam pessoas a caminharem mesmo em dias chuvosos ou quentes, sendo representados pela categoria ambiente.

A ferramenta é um importante instrumento para gestores públicos e especialistas em mobilidade urbana avaliarem as condições de espaços urbanos em diversos bairros, comparar resultados e propôr planos e projetos urbanos com foco no pedestre. A metodologia também tem apoiado professores e pesquisadores interessados em discutir a caminhabilidade nas cidades brasileiras e formar novos profissionais arquitetos, urbanistas, geógrafos, engenheiros e outros, capazes de enfrentar os desafios de reverter as cidades contemporâneas em cidades amigáveis ao pedestre.

Aplicação da ferramenta em Santo Cristo, Rio de Janeiro, e recomendações para a caminhabilidade local. Image Cortesia de ITDP Brasil

A aplicação da ferramenta em Santo Cristo, no Rio de Janeiro, apontou a relação complementar entre os temas apontados neste artigo e um ambiente totalmente adequado ao pedestre. A infraestrutura e mobiliário urbano, pertencentes aos temas calçada, segurança viária, mobilidade e ambiente (foto acima), devem ser tratados de forma conjunta com a atração do ambiente construído, ou seja, um uso do solo diverso, voltado ao pedestre e mais atrativo para a caminhada (foto abaixo). A aplicação indicou uma sequência de recomendações gerais e intervenções prioritárias a partir do desempenho dos indicadores.

Aplicação da ferramenta em Santo Cristo, Rio de Janeiro, e recomendações para a caminhabilidade local. Image Cortesia de ITDP Brasil
Sobre este autor
Cita: ITDP Brasil. "Cidades caminháveis: como qualificar os atributos urbanos que afetam os pedestres na escala do bairro" 24 Ago 2018. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/900740/cidades-caminhaveis-como-qualificar-os-atributos-urbanos-que-afetam-os-pedestres-na-escala-do-bairro> ISSN 0719-8906

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