Quem foram os artistas-arquitetos que defendiam uma arquitetura psicodélica capaz de promover a longevidade?

Este artigo foi originalmente publicado pela Metropolis Magazine como "These Architects Sought to Solve the Ultimate Human Design Flaw—Death."

Shusaku Arakawa e Madeline Gins - artistas visuais, escritores conceituais e arquitetos autodidatas - acreditavam que, através de uma transformação radical da arquitetura, os seres humanos poderiam resolver a grande falha do projeto humano: evitar a morte. (Sua vez, Norman Foster.)

Arakawa e Gins desenvolveram apenas cinco projetos ao longo de suas vidas - três no Japão e dois nos Estados Unidos - porém, taxá-los de não-convencionais seria subestimar grosseiramente o seu trabalho. Uma viagem lisérgica em meio a um parque; um edifício de apartamentos extremamente colorido como se tivesse saído de uma animação da Pixar; ou lofts sem portas com pisos irregulares que reproduzem uma geografia acidentada. Não é por capricho ou para causar estranheza, o mote da dupla - apelidado de Destino Reversível - tinha um objetivo sério em promover a longevidade do ser humano, através de projetos que ativassem e estimulassem o corpo e a mente das pessoas.

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Arakawa and Madeline Gins Perspectival view showing entrance to "Bridge of Reversible Destiny," 1989. Image © Estate of Madeline Gins/ Nicholas Knight / Columbia GSAPP

"Eles acreditavam que a morte era um processo contínuo que o corpo está constantemente tentando combater", diz ST Luk, gerente de projetos na Fundação Revesible Destiny de Arakawa e Gins localizada em Nova Iorque. “Nossos corpos são condicionados pelo ambiente que nos cerca e também por nossa arquitetura, adaptando-se naturalmente a qualquer espaço que tenhamos que habitar. Uma vez confortáveis, nossos corpos começam a se deteriorar. A sua ideia de arquitetura, basicamente, procurava evitar que as pessoas se adaptem completamente a ela”.

Com certeza a grande maioria dos arquitetos nunca ouviu falar de Arakawa e Gins. Eles não fazem parte de nenhuma escola e sue envolvimento com a arquitetura é apenas uma pequena parte de suas carreiras artísticas ao longo dos últimos 50 anos, injustamente negligenciada e fora do cânones tradicionais. Em outras palavras, os estudantes de arquitetura raramente irão se deparar com estes nomes pouco usuais. Pode até parecer ironia do destino que a Escola de Pós-Graduação em Arquitetura, Planejamento e Preservação da Universidade da Columbia (GSAPP) esteja agua apresentando uma "reintrodução" à obra dos artistas recém falecidos.

Arakawa e Madeline Gins: Eternal Gradient é uma mostra bastante compacta, refrescante e estimulante que esteve em exibição na Arthur Ross Architecture Gallery da Columbia University até o último dia 16 de junho. Cobrindo a carreira dos artistas entre 1983 a 1991, ela apresenta a transição de Arakawa e Gins das artes visuais para a arquitetura através de ilustrações inéditas, pinturas / plantas e textos conceituais. No conjunto da obra, a exposição é um registro único de uma prática artística completamente fora dos padrões que estamos acostumados a ver.

Arakawa and Madeline Gins Drawing for "Container of Perceiving," 1984. Image © Estate of Madeline Gins/ Nicholas Knight / Columbia GSAPP

"É interessante o diálogo proposto entre a arquitetura e outras disciplinas, as quais normalmente não são consideradas pelos arquitetos", diz a curadora Irene Sunwoo, que também dirige as exposições no GSAPP. “Você já ouviu falar de um poeta e um pintor trabalhando juntos em um projeto de arquitetura?”

Arakawa já era um renomado artista conceitual no Japão quando se mudou para Nova Iorque em 1961. Dois anos depois, conheceu Gins, uma nova-iorquina nativa cinco anos mais nova que ele, quando frequentava o Brooklyn Museum Art School. Sua linguagem era a escrita - poesia experimental e, mais tarde, publicou livros como WORD RAIN: Or, a Discursive Introduction to the Philosophical Investigation of G,R,E,T,A, G,A,R,B,O, It Says (1969) que desafiaram os conceitos e idéias dos leitores sobre linguagem e forma. Eles logo se casaram e se tornaram parceiros inseparáveis.

Praticamente desde o início, o trabalho da dupla é físico e espacial. O profícuo The Mechanism of Meaning, iniciado em 1963 e repetido inúmeras vezes ao longo das décadas, aponta para os conceitos, práticas e filosofias que definiam a sua prática artística. Originalmente concebida com 80 painéis, cada um medindo 90 x 66 polegadas (2,28 x 1,67 m), o conjunto transporta os espectadores através de diferentes experiências com textos e diferentes mídias, forçando um encontro intelectual e sensorial com as palavras, os objetos e outras questões filosóficas.

Installation view of Arakawa and Madeline Gins: Eternal Gradient at Columbia’s GSAPP. Image Courtesy of James Ewing

Arakawa e Gins desenvolveram sua obra de arte monumental e de tendência estritamente arquitetônica ao longo de duas décadas, começando com Sculpting II (1971), uma "planta de palavras", até a obra espacial-textual chamada de Waiting Voice (1976). Arakawa também trabalhou em projetos expográficos para instalações em galerias: rampas que obrigavam os visitantes a transitar ou se arrastar para ver pinturas, imagens impressas em pisos ou em uma passarela móvel.

“Como artistas, poderíamos dizer que estes projetos eram arquitetônicos em sua escala”, diz Stephen Hepworth, diretor do acervo da Fundação Reversible Destiny. "Em certo sentido, podemos falar sobre a obra de Arakawa como aquela que sempre força o corpo para dentro da experiência do espaço construído".

Inevitavelmente, isso acabou o levando diretamente à arquitetura. Eternal Gradient fez com que 1983 se tornasse o ponto chave de suas carreiras, quando Arakawa e Gins foram selecionados para desenvolver um projeto para a ilha Madonna del Monte, em plena lagoa de Veneza. Se tivesse sido construído, Container for Mind-Blank-Body teria sido uma experiência épica, em múltiplos estágios, que empregaria material pré-fabricado como o arame junto a formações naturais de modo a estimular a auto-reflexão e a autodescoberta. No entanto, apenas desenvolver o conceito para aquelas possíveis experiências físicas e psicológicas para a ilha veneziana, foi fundamental para a continuidade de sua obra.

Reversible Destiny Office (Interior), Site of Reversible Destiny, Yoro Park, Gifu, Japan (1997). Image © 1997 Estate of Madeline Gins. Reproduced with permission of the Estate of Madeline Gins; Courtesy the Site of Reversible Destiny Yoro Park

De 1985 a 1987, Arakawa desenvolveu o 24 Screen-Valves, contêineres verticais que se assemelham a uma espécie de cápsulas de arame (exibidas pela primeira vez na Galeria da Columbia University), as quais questionam o espaço arquitetônico que as cerca. Os artistas acreditavam que estas cápsulas de arame poderiam eventualmente substituir paredes, pisos, portas e até mesmo, nossos corpos - um conceito que acabou se transformando em outro trabalho da dupla, The Process in Question/Bridge of Reversible Destiny. Concebido em 1987, a "Ponte do destino reversível" tinha o objetivo de atravessar um rio em Epinal, na França, e incluindo contêineres com paisagens desconhecidas, “projetadas para desencadear respostas perceptuais e corporais desconhecidas”, escreve Sunwoo. Um modelo em escala, com 12 metros de comprimento foi exibido em Nova Iorque em 1990 e um modelo muito menor foi incluído na exposição Eternal Gradient. A ponte em escala real, infelizmente, também nunca foi construída.

Ainda assim, a experiência deste trabalho fez com que a dupla mudasse de rumo permanente, agora em direção à arquitetura. Gins publicou seu terceiro livro, Helen Keller or Arakawa, em 1994, enquanto a atenção de Arakawa estava totalmente voltada para a construção de coisas. "Ele praticamente enterrou sua carreira artística e tudo aquilo que havia conquistado, sem se importar com o que isso poderia significar, e é por isso que desde então, nunca se ouviu falar do artista contemporâneo Arakawa", diz Hepworth.

Luk acrescenta: "Acredito que este movimento em direção à novos horizontes, fez com que eles se sentissem como se já estivessem vivendo no futuro".

Em 1994, finalmente Arakawa e Gins realizaram um projeto por primeira vez. O Ubiquitous Site * Nagi’s Ryoanji * Architectural Body foi apresentado no Museu de Arte Contemporânea de Nagi em Okayama, no Japão, e com certeza, esta experiência deixaria Lewis Carroll muito satisfeito. Ao entrar no local a partir de uma escada escura, os visitantes se vêm dentro de um tubo inclinado para a luz, inclinado para a física, onde o banco e a gangorra são espelhados no teto e as paredes são réplicas do histórico jardim de pedras do Templo de Ryoanji.

Reversible Destiny Lofts – In Memory of Helen Keller (interior: Kitchen and Sphere room), Tokyo (2005). Image © 2005 Estate of Madeline Gins. Reproduced with permission of the Estate of Madeline Gins; Courtesy Masataka Nakano

A brincadeira, a dissonância cognitiva e os desconfortos físicos encontrados no museu de Nagi se revelam ainda mais maduros nos projetos subseqüentes realizados pelos artistas: um parque de paisagem lisérgica de mais de 18.000 metros quadrados, “Site of Reversible Destiny — Yoro” (1995), localizado na prefeitura de Gifu, que leva a experiência espacial à um nível tão extremo que as crianças precisam usar  capacetes para brincar no parque; os "Reversible Destiny Lofts MITAKA de Tóquio - em memória de Helen Keller" (2005); o “Bioscleave House” (2008), em East Hampton, NY; e a “Escada Rolante de Escala Biotopológica” (2013), instalada no espaço do Comme des Garçons do Rei Kawakubo, na Dover Street Market de Nova Iorque.

"Nenhum dos projetos os deixou completamente satisfeitos", diz Luk. "Mas pelo menos, Madeline costuma dizer que aquele primeiro, realizado em Nagi, chegou a um 90%".

De qualquer maneira, os projetos residenciais construídos na seqüência, representam a mais completa realização do Revesible Destiny. Os pisos irregulares assemelham-se a uma planície nublada e infestada de cães; os pé direitos são baixos onde deveriam ser altos; os acessos estão em lugares incomuns, dentro do móvel da cozinha por exemplo; e comodidades comuns, como as portas do banheiro, não existem.

Mesmo que os críticos mais rigorosos de arquitetura estivessem rindo em silêncio, e com certeza o fizeram, Arakawa e Gins afirmaram repetidamente que esses aspectos arquitetônicos poderiam promover a “resistência à morte” ou a longevidade, enquanto exigiam uma interação incomum e desconfortável com o espaço. Quando realizamos um projeto, precisamos refletir - e muito - sobre como as pessoas vão se relacionar com o espaço construído.

Arakawa and Gins's Bioscleave House (Lifespan Extending Villa), in East Hampton, New York (2008). Image © 2008 Estate of Madeline Gins. Reproduced with permission of the Estate of Madeline Gins; Courtesy Dimitris Yeros

"Na maioria das vezes, quando ouvimos a frase "destino reversível", poderíamos compreender "vida eterna", mas acredito que não é exatamente o que eles estavam procurando", diz Sunwoo. “Para mim, é mais uma maneira de chamar à atenção para a longevidade, para entender as necessidades do nosso corpo, como ele interage com o mundo nas mais diversas esferas da vida: através dos seus sentidos, da sua mente e como a sua mente se relaciona com mundo ao seu redor. E ao fazê-lo, é possível experimentar a vida de forma muito mais intensa do que podemos imaginar”.

O casal deixou alguns projetos incríveis e inacabados - "Isle of Reversible Destiny", uma cidade conceitual na Baía de Tóquio; “The Reversible Destiny Healing Fun House” - quando os artistas morreram: Arakawa em 2010, aos 73 anos, Gins em 2014, aos 72 anos. Ainda que eles não pudessem prolongar suas vidas, seu trabalho está começando a se mostrar muito resiliente. Além da Eternal Gradient, outros modelos e desenhos foram incluídos no programa da exposição internacional Shonky: The Aesthetics of Awkwardness e The Future Starts Here, a qual foi inaugurada este mês no Victoria & Albert Museum de Londres. A Fundação Reversible Destiny também está trabalhando com a Gagosian Gallery, representante da propriedade intelectual e artística de Gins, em uma exposição e publicação para a próxima primavera.

Tudo isso representa um boom para a obra de Arakawa e Gins, artistas conceituais e arquitetos excepcionais que desafiam os cânones da disciplina. Mas, na era do Instagram, o mundo pode ter finalmente alcançado seu maior potencial imagético - seja através do texto, do desenho ou através dos espaços incomuns que construímos.

"Há uma frase que ambos repetiam cotidianamente, e é "se puder escolher, escolha tudo'", diz Sunwoo. "Isso é incrível, poder alcançar essa liberdade de não estar preso à nenhuma identidade profissional para apenas ser capaz de mudar de ideia constantemente".

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Sobre este autor
Cita: Ciampaglia, Dante. "Quem foram os artistas-arquitetos que defendiam uma arquitetura psicodélica capaz de promover a longevidade?" [The Artist-Architects Who Believed Their Psychedelic Designs Would Promote "Death Resistance"] 25 Jun 2018. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/896657/quem-foram-os-artistas-arquitetos-que-defendiam-uma-arquitetura-psicodelica-capaz-de-promover-a-longevidade> ISSN 0719-8906

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