Rem Koolhaas e seu filho Tomas falam sobre o longo processo de filmagem de "REM"

O ArchDaily teve a chance de conversar com Rem Koolhaas e seu filho, Tomas Koolhaas, quando se encontraram para um final de semana em Los Angeles. Em sua primeira entrevista juntos, após o lançamento online de “REM”, conversamos com os dois sobre o documentário que levou quatro anos para ser produzido. No filme, Tomas seguiu seu pai do deserto ao oceano e à Bienal de Veneza de 2014, assim como a vários projetos do OMA ao redor do mundo, como a Biblioteca Central de Seattle nos Estados Unidos e a Maison à Bordeaux na França.

A dupla revela como é a relação entre pai e filho, como as profissões de arquiteto e cineasta se relacionam, e lança luz sobre os desafios de filmar um membro da família muito conhecido. Além disso, o que apareceu com bastante força ao longo da conversa foi o respeito que eles têm pelo ofício um do outro e sua gratidão pela oportunidade de trabalhar tão intimamente como pai e filho.

ArchDaily: Eu sei que sempre foi muito difícil para a mídia retratar o Rem. Como você propôs a ideia ao seu pai?

Tomas: Se você é um cineasta e seu pai é o Rem, é meio óbvio que as pessoas sugiram constantemente que você faça um filme sobre ele. Foi quando descobri uma abordagem que realmente mostrava coisas novas que me senti confortável o suficiente para propor ao Rem. Assim também passou a valer a pena para ele dedicar o pouco tempo que dispõe para fazer um filme como este.

AD: O que um cineasta deve considerar ao fazer um documentário sobre um membro da família?

Tomas: É uma faca de dois gumes trabalhar com alguém que você conhece tão bem. Por um lado, há um lado do Rem que ninguém mais pode capturar.

Mas com a minha experiência como diretor de fotografia por 15 anos, sei que às vezes isso pode dar muito errado e causar muitos problemas. Quando algo assim acontece em um set de filmagem em que você foi contratado, você pode simplesmente ir embora, mas quando é com um membro da família, isso pode realmente causar tensão em um relacionamento importante. Sempre que você está combinando negócios e um relacionamento familiar super próximo, você precisa levar isso em consideração.

AD: Rem, você teve hesitações no começo?

Rem: Sim, definitivamente eu tive — não por qualquer ceticismo sobre as habilidades dele, mas por simplesmente não saber se eu seria interessante o bastante para protagonizar o filme todo. Isso foi uma grande hesitação. A outra consideração era se eu queria me expor além do que eu já me expus antes.

Cortesia de Tomas Koolhaas

AD: Houveram filmes feitos sobre o seu trabalho antes. Rem, o que torna esse diferente?

Rem: Uma das principais coisas sobre o filme todo é que eu me entreguei totalmente ao que Tomas queria e não interferi em nada, não durante as filmagens, não depois das filmagens, e espero que não agora. E isso foi, de certo modo, muito interessante, fazer algo sem qualquer imposição da minha parte.

AD: Tomas, você era o único a segui-lo por todos os lugares?

Tomas: Você verá no fim do filme que há um longo crédito que atravessa toda a tela, mas eu basicamente fiz a coisa toda sozinho.

AD: E tenho certeza que isso ajudou também.

Rem: Ajudou muito. Era conveniente, mesmo que um pouco estranho, e uma situação extremamente íntima. É impressionante, quando você faz um filme, o quão íntima a experiência pode ser.

AD: Você se sente mais próximo do Tomas?

Rem: Quando ele estava crescendo, passávamos muito tempo juntos, então não foi uma intimidade repentina, mas foi mais interessante ter essa intimidade com o Tomas enquanto adulto.

© Alyson Lim

AD: Depois que você se mudou, esse foi o maior tempo que vocês passaram juntos?

Rem: Sim, absolutamente, sem dúvida.

AD: Houve conflitos que surgiram? Posso imaginar que, quando alguém vai para a faculdade e, em seguida, volta para casa, muitas vezes é necessário que tanto os pais quanto o filho renegociem seus termos de interação. Quais foram as coisas que vocês aprenderam um com o outro ao passar todo esse tempo juntos enquanto adultos?

Rem: Não foi que de repente eu descobri um filho diferente, eu senti que pude estabelecer uma total confiança em alguém que conheço muito bem, e descobri que havia toda uma dimensão profissional em nosso relacionamento. Foi uma situação duplamente maravilhosa: a confiança nele como ser humano e a confiança nele como cineasta.

Tomas: É quase impossível pensar nesses termos sobre um ser humano que você conhece tão bem, mas eu vou dizer que mesmo que Rem e eu não tenhamos tido o mesmo relacionamento rígido e tradicional entre pai e filho que algumas pessoas têm, eu acho que isso é uma coisa positiva em geral. Porque há sempre imposições nesse tipo de relacionamento, em termos de, por exemplo, disciplina, estoicismo, onde você não consegue ver todos os lados de alguém pelo desempenho de um determinado papel.

Rem: Mmhmm. Aham.

Tomas: Com isso, pude vê-lo de maneiras muito diferentes das que eu teria visto organicamente em uma situação regular de pai e filho.

AD: Você poderia citar exemplos disso?

Tomas: Pegue a natação como exemplo. Eu normalmente não iria assistir o Rem nadar, mas como você vê no filme, ele fala sobre como é ver alguém na água, como eles se movem, e você realmente aprende algo com eles através de sua linguagem corporal. Porque eu podia vê-lo fazendo algo que eu normalmente não faria parte, eu pude aprender coisas sobre ele apenas olhando para ele.

Rem: Eu também acho que há outra coisa. Ele basicamente me seguiu para uma enorme quantidade de situações profissionais, basicamente eu trabalhando, trabalhando sozinho, trabalhando nas obras, em locais congelantes, em locais extremamente quentes, e também testemunhou talvez o momento mais público da minha vida, quando eu fui o diretor da Bienal, que foi algo realmente excepcional em termos de exposição e pela obrigação de me comunicar e confrontar a imprensa. Ele realmente assistiu momentos de crise e foi realmente muito bom ter a sensação de que alguém estava junto comigo.

Cortesia de Tomas Koolhaas

AD: Qual é a semelhança entre arquitetura e cinema para você?

Rem: Para mim, a semelhança é que o arquiteto, assim como um cineasta, está juntando episódios ou fragmentos para criar um todo maior. A descoberta da montagem, na cinematografia, eu quase literalmente aplico à arquitetura; é como em casos de arquitetura em que podem haver mudanças bruscas de ambiência ou de escala. Então, eu diria que minha arquitetura depende, até certo ponto, de vários dispositivos e procedimentos que são aprendidos no cinema.

Tomas: Eu diria que arquitetura e cinema são duas das poucas profissões em que você cria experiências humanas. Portanto, não só existem elementos narrativos e de montagem, mas quando você entra nos edifícios de Rem, você pode vê-los e compará-los, observando como uma condição transita para outra. Às vezes é suave, como um fade no filme, às vezes é de propósito abrupta a justaposição, como um corte repentino no filme. Eu acho que definitivamente existe essa semelhança, mas eu acho que a engenharia de experiências ou sentimentos humanos é importante para ambos porque significa que você precisa entender muitos campos diferentes para poder fazer o que você faz efetivamente.

Rem: Tem que entrar em ressonância.

Cortesia de Tomas Koolhaas

AD: Como as pessoas reagiram ao filme, e essa reação é diferente nas duas profissões?

Rem: Eu tenho que admitir que não assisti a tantas exibições, e basicamente depois das exibições, é difícil ter uma noção íntima de como foi a resposta.  É uma resposta no escuro, o que é muito interessante. No escuro você sente emoções, sente-se chocado, sente alívio. Então, em outras palavras, a resposta não foi muito verbal para mim, foi bem emocional.

Tomas: Eu não quero fazer parecer que a única resposta foi positiva, mas geralmente as respostas foram super positivas. Eu realmente esperava que as pessoas sentissem um estranhamento pela estrutura incomum, mas elas não sentiram, e essa é uma sensação muito agradável.

Rem: Para mim, sempre foi muito interessante porque muitas pessoas respondem ao nosso trabalho e a mim como pessoa, como se eu estivesse constantemente envolvido em uma polêmica colossal, e sempre tentando ser escandaloso, ou realmente  muito reservado em termos do meu racionalismo. O que é surpreendente para mim neste filme é que nada disso foi muito evidente no tipo de respostas até agora. Eu acho que, basicamente, há uma grande diferença entre a resposta a mim como arquiteto e a mim como sujeito do filme, e isso em si foi algo muito surpreendente, muito interessante.

Cortesia de Tomas Koolhaas

AD: Vocês passaram muito tempo juntos para realizar este filme, então tenho certeza que essa é uma pergunta difícil, mas vocês têm uma parte favorita? Há algo que vocês experimentaram em conjunto, na realização do filme, pelo qual vocês são gratos?

Rem: Uma coisa muito legal era ter uma comunicação regular e extensiva sobre basicamente tudo. O filme, a vida no trabalho, etc. Foi a experiência de uma comunicação sistemática durante muito tempo que foi maravilhosa; e eu realmente recomendo para qualquer pai e filho, porque de repente coloca sua comunicação num nível muito diferente depois.

Tomas: Mesmo que você não tenha um papel tradicional e não-familiar um com o outro, ainda há um espectro no qual suas conversas e experiências se encaixam. Mas quando você está em Doha e está no deserto e no meio do nada, e começa a ter uma conversa filosófica sobre o nada e como isso se relaciona com o seu trabalho, isso rompe rapidamente a comunicação comum que você geralmente teria.

Cortesia de Tomas Koolhaas

AD: E como você se sente quando assiste ao filme agora?

Tomas: Eu tenho que dizer que a primeira vez que o Rem viu o filme foi quando ele foi exibido ao público no Festival de Veneza.

Rem: Isso me permitiu não olhar como se o filme fosse sobre mim, mas como se fosse sobre um arquiteto. Foi surpreendentemente simpático e reconhecível. [risos]

AD: E eu só quero entender - onde você está agora? Você está em Los Angeles? Você costuma visitar LA frequentemente?

Rem: Eu tinha um compromisso nos Estados Unidos e, portanto, fui ver meu filho, e isso é algo que fazemos com frequência, sempre que podemos.

AD: O que você gostam de fazer juntos quando se encontram?

Tomas: Caminhar, eu diria. Há uma parte do filme em que Rem fala sobre movimento, e eu acho que isso é algo que eu definitivamente herdei. Isso define nosso relacionamento — muita da nossa interação e nosso relacionamento é feito em movimento.

Rem: E muitas das nossas reuniões acontecem ao ar livre.

Tomas: Eu odeio estar dentro de lugares fechados.

Rem: Eu sou claustrofóbico.

Tomas: [risos]

Rem: E agora que penso nisso, isso é meio estranho.

AD: Você acha estranho você se sentir claustrofóbico?

Rem: Não, a claustrofobia é muito comum, mas explica o amor de estar ao ar livre, a necessidade disso mesmo quando somos intelectuais.

Tomas: [risos] Sério?!

AD: Como vocês irão passar o resto do dia hoje?

Rem: Está quase no fim.

Tomas: Nós só vamos sair e ficar um pouco na natureza.

AD: Então, antes de deixar vocês irem, tenho uma última pergunta. Há algum conselho que vocês realmente gostariam de dizer um para o outro? Há algo que você quer dizer ao seu filho, ao seu pai, algo que já veio à mente antes, mas que talvez ainda não tenha sido dito?

Rem: Eu acho que felizmente temos um relacionamento que há muito poucas coisas que temos dificuldade em dizer um para o outro.

Tomas: [risos]

Rem: Há um conselho que sempre dei: não se preocupar em perder tempo. É, em certas condições, crucial perseguir outras coisas que não sejam diretamente seu objetivo, e às vezes você deve passar por todos os tipos de desvios. Em outras palavras, não ser muito linear em todas as suas atividades.

Tomas: E esse conselho aparece no filme. Eu não estava tentando criar algo linear no sentido óbvio, só queria mostrar o que era interessante de uma forma que atingisse um nível diferente, e deixar os espectadores interpretassem da forma que quisessem.

REM agora está disponível em determinadas regiões no iTunes, Amazon, Google Play e Vimeo.

Sobre este autor
Cita: Badalge, Keshia. "Rem Koolhaas e seu filho Tomas falam sobre o longo processo de filmagem de "REM"" [Rem Koolhaas and Son Tomas Talk About The Years-Long Process of Shooting “REM”] 14 Jun 2018. ArchDaily Brasil. (Trad. Moreira Cavalcante, Lis) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/895970/rem-koolhaas-e-seu-filho-tomas-falam-sobre-o-longo-processo-de-filmagem-de-rem> ISSN 0719-8906

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