Vale a pena investir em uma boa arquitetura? O caso do 'Iceberg' em Aarhus, Dinamarca

Muitas vezes se escuta que a arquitetura somente encarece os projetos. Que os arquitetos agregam uma série de complexidades - arbitrárias e caprichosas - que poderiam se evitadas a fim de diminuir os custos e que o projeto continuaria funcionando exatamente igual sem todas elas. Isso acontece em todos os casos? Mesmo que possivelmente mais rentáveis desde o ponto de vista econômico, os seres humanos não parecem ser felizes habitando frias 'caixas' de concreto; sem receber a luz solar ou a brisa do vento quando necessário; ou em bairros inseguros onde não existe a possibilidade de reunir-se com amigos e familiares ao ar livre. A qualidade na arquitetura é um valor que, cedo ou tarde, devolverá algo em troca.

A chave está no equilíbrio e um bom desenho nunca será completo se não for eficiente para além do ponto de vista econômico. Como, então, alcançar esse ideal? Revisamos o processo de desenho do 'Iceberg' em Aarhus, Dinamarca: um projeto que conseguiu convencer as autoridades e investidores ao propor um desenho de alto impacto e um orçamento limitado, que em sua forma procura responder totalmente o objetivo de garantir a qualidade de vida dos seus usuários e vizinhos.

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Convidados por The Architecture Project, visitamos a cidade de Aarhus com o objetivo de conhecer uma série de desenvolvimentos e projetos, em grande escala, que estão respondendo ao seu rápido crescimento demográfico. Nos últimos dez anos, a cidade tem recebido 15.000 novos residentes; situação que obrigou o seu município a tomar medidas para ampliar a oferta de moradias e para potencializar a construção de novos edifícios, instalações e espaços públicos.

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A cidade de Aarhus. Imagem © José Tomás Franco

Desde 2012, o Município desenvolveu uma ambiciosa política oficial que respeita a arquitetura nos projetos públicos com o objetivo de que a cidade seja "internacionalmente reconhecida por sua arquitetura e qualidade dos seus entornos urbanos", segundo as palavras de Stephen D. Willacy, arquiteto do município. "Acreditamos que quando o planejamento e a arquitetura são tratados holisticamente, as dimensões estéticas e os fatores de habitabilidade são mutuamente interdependentes e de mais alta consideração", afirma.

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Aarhus Ø / Bairro Aarhus docklands. Imagem © José Tomás Franco

Apesar de serem obrigados a seguir os processos estabelecidos pela União Europeia, onde o preço é um parâmetro muito importante na escolha dos projetos relacionados à Prefeitura (a oferta mais alta para adquirir um local com desenho de projeto ou o menor preço por uma comissão de construção), a prefeitura de Aarhus adotou uma série de vias de licitação de projetos públicos caracterizadas por incorporar sempre a competição entre propostas de diferentes escritórios de arquitetura; em sua maioria, equipes pré-qualificadas. Em alguns casos, são feitas alianças diretas entre estes escritórios e os investidores/construtoras e em outros, apesar de se escolher somente uma das propostas apresentadas, todas elas são incorporadas no projeto final.

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O Iceberg / CEBRA + JDS + SeARCH + Louis Paillard Architects. Imagem © José Tomás Franco

"Independentemente do meio de aquisição escolhido, as qualidades de desenho e as ambições de cada projeto são detalhados no edital de cada concurso, junto com outros documentos que especificam seus requisitos e critérios. Reconhecidos arquitetos, incluindo o 'arquiteto chefe da cidade', são convidados a fazerem parte dos processos de avaliação, sempre que seja possível, e suas avaliações são apresentadas às autoridades municipais que tomam a decisão final sobre a escolha da proposta", assegura Willacy.

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O Iceberg / CEBRA + JDS + SeARCH + Louis Paillard Architects. Imagem © José Tomás Franco

O ICEBERG

Com 22.000 m2 e 208 apartamentos, o projeto desenvolvido por CEBRA, JDS, SeARCH e Louis Paillard Architects, apresenta um processo de desenho relevante no contexto de crescimento da cidade de Aarhus, já que expõe um caso no qual a colaboração entre todos estes atores parece ser bastante exitosa.

Neste caso, o projeto foi feito sobre um terreno público localizado no novo bairro de Aarhus Ø, competindo com outras propostas apresentadas por diferentes escritórios de arquitetura e seus investidores associados. A diferença está no momento em que seus arquitetos não se contentaram em desenvolver um projeto correto, segundo as normas existentes, mas se atreveram a defender o melhor projeto possível segundo todas as variáveis que o condicionavam, a fim de gerar maiores benefícios para todos os envolvidos.

Revisaremos a seguir 5 ações chave que definiram este processo. 

1. Questionar o Plano Diretor local

'O Iceberg' foi desenvolvido originalmente para Tækker e Brabrand Housing Association, através de um concurso por convite. Dirigido a um grupo variado de residentes, incluindo estudantes e outros grupos de baixa renda, é um projeto que desde sua concepção questiona as regras do jogo, a fim de realizar as operações necessárias e entregar um resultado de alta qualidade. 

Em vez de seguir o plano diretor, dominado por blocos de construção fechados, o projeto se estabelece em quatro alas em forma de L, abrindo os 'espaços de rua' para a água. A fim de garantir condições de iluminação e vistas para a baía, os volumes do edifício são cortados através de linhas irregulares. [1]

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Fachada

2. 'Brincar' com a normativa

Para alcançar a densidade estabelecida para o projeto, a equipe de arquitetos teve de negociar com a normativa imposta pelo plano de desenvolvimento local, já que este somente permitia a construção de edifícios de uma altura máxima de 6 e 7 pavimentos, em certas áreas. O complexo aumenta a altura máxima a 12 pavimentos, mas garante que a altura média cumpra com as restrições do plano diretor. 

Os metros quadrados desejados estavam em conflito com as restrições especificadas da altura do terreno e as intenções de criar vistas ao oceano e boas condições de iluminação diurna. 'O Iceberg' negocia essa problemática, permanecendo muito abaixo das alturas máximas em alguns pontos e emergindo sobre a linha pontilhada em outros momentos. [2]

3. Variedade de tipologias = Variedade de habitantes

Desde sua concepção, o projeto passou por 3 clientes: Jørn Tækker, PensionDenmark e atualmente, NREP. Seguindo o requerimento do cliente original, o projeto aproveita sua forma única para misturar diferentes tamanhos e tipos de apartamentos, que vão desde unidades simples de dois dormitórios até moradias urbanas e coberturas exclusivas. Nestes momentos, o NREP está vendendo os apartamentos, um por um, fazendo com que o 'Iceberg' passe a ser propriedade de um grande número de pessoas; seus proprietários e vizinhos. 

A variedade de residências, com diferentes varandas, formas e orientações, criam entornos urbanos e sociais diversos que formam uma comunidade local animada: o complexo de edifícios se torna um bairro, em vez de um simples bloco de moradia.[1]

4. Diálogo com as autoridades

Para alcançar todos os objetivos explicados anteriormente, a equipe teve de sentar-se e conversar com as autoridades envolvidas. As operações planejadas, ao garantir uma série de benefícios concretos para seus futuros habitantes, convenceram o município a flexibilizar as regras que, a princípio, obrigavam a criar um conjunto de moradias bastante tradicional. 

O fato de mudar o bloco perimetral proposto por um grupo de pequenas montanhas, traduzindo-se em uma melhora para os futuros habitantes - tanto no interior quanto em volta do local - fez toda a diferença. Assim, a segunda fileira de edifícios recebe vistas generosas para a baía, entre os picos do nosso esquema irregular. Desta maneira, o município se convenceu de que ao escolher nosso desenho, garantiriam melhores moradias para os futuros residentes. [1]

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Mikkel Frost, Sócio Fundador de CEBRA, explicando 'O Iceberg' durante o Tour de Imprensa do The Architecture Project. Imagem © José Tomás Franco

5. Marcar a diferença, evitando um custo excessivo

Apesar de parecer um projeto caro e pensado exclusivamente para chamar atenção, seus arquitetos garantem que o 'Iceberg' "é resultado de uma série de soluções pragmáticas e nunca foi pensado para ser um edifício icônico". Entretanto, hoje em dia, o projeto tornou-se uma imagem marcante para Aarhus, e um atrativo turístico obrigatório para as pessoas que visitam a cidade. Benefícios que não são consequência direta de um orçamento generoso.

Não foi um projeto extremamente custoso, mesmo que assim pareça. Utiliza técnicas e elementos de construção tradicionais e além de tudo, foi construído durante a crise, quando as construtoras estavam 'esfomeadas' de novos empregos. Pode-se dizer que o estado do mercado foi uma vantagem para o projeto. 

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Aarhus Ø / Bairro Aarhus docklands. Imagem © José Tomás Franco

Confira o projeto, em detalhes, na nossa publicação anterior.

[1] Memorial Oficial do projeto, disponível aqui.
[3] Memorial do projeto, disponível no site de JDS.

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Sobre este autor
Cita: Franco, José Tomás. "Vale a pena investir em uma boa arquitetura? O caso do 'Iceberg' em Aarhus, Dinamarca" [¿Vale la pena invertir en buena arquitectura? El caso del 'Iceberg' en Aarhus, Dinamarca] 11 Mar 2017. ArchDaily Brasil. (Trad. Sbeghen Ghisleni, Camila) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/806665/vale-a-pena-investir-em-uma-boa-arquitetura-o-caso-do-iceberg-em-aarhus-dinamarca> ISSN 0719-8906

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