“Hypotopia”: Arquitetura como um veículo de ação política

No despertar da crise financeira mundial, escândalos bancários e resgates de nações assumiram as manchetes em todo o mundo. Com uma parcela tão grande do dinheiro dos contribuintes sendo direcionada para o problemático setor financeiro, indivíduos comuns se perguntam como isso afetará suas vidas. Mas como pode uma nação inteira se levantar e fazer ouvir quando é quase impossível compreender a magnitude de tal injustiça? Na Áustria, um grupo de estudantes da Technische Universität Wien se propôs a responder essa questão e assumiu uma nova forma de protesto para tornar as consequências de um dos maiores escândalos financeiros da história recente da Europa uma realidade tangível.

Para representar a fatura de 19 bilhões de euros que a Áustria ofereceu para resgatar o banco Hypo-Alpe-Adria, os estudantes projetaram e construíra uma maquete de uma cidade fictícia chamada “Hypotopia”, uma junção do nome do banco com "utopia". Segundo Lukas Zeilbauer, "enquanto utopia se coloca como um mundo fictício ideal, 'hypo' é uma palavra grega que significa 'abaixo', 'por baixo', 'sob' - então uma mudança vinda do fundo, para o povo." Incorporando uma sociedade idealista com recursos renováveis abundantes e educação pública para as pessoas de todas as idades, o modelo de cidade teria, teoricamente, 102.574 habitantes, sendo a sexta maior cidade da Áustria.

Continue lendo para saber como uma maquete atraiu a atenção internacional e impulsionou um país inteiro a agir. 

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A inspiração para o projeto surgiu do choque que Zeilbauer e Diana Contiu sentiram ao perceber que, apesar do enorme custo do resgate, houve pouca repercussão pública, e a petição online pedindo investigações mais profundas reuniu apenas 150 mil assinaturas, menos de 2% da população austríaca. Numa tentativa de explicar a passividade pública, Zeilbauer comentou ao ArchDaily: "de algum modo essa enorme quantia de dinheiro ultrapassa o poder de imaginação humana e ninguém pode imaginar a grande perda isso representa para a Áustria."

© Armin Walcher
© Armin Walcher

Como estudante de engenharia civil, foi natural para Zeilbauer relacionar o custo de 19 bilhões de euros a edifícios. Após alguns cálculos, ele percebeu que uma cidade inteira poderia ser construída com a quantia aplicada no resgate. Então o estudante reuniu uma equipe interdisciplinar de colegas, incluindo cinco engeneiros civis, treze arquitetos, nove urbanistas e um cientista da computação, para formar o grupo "Milliardenstadt" e projetar e modelar a cidade que poderia ter sido.

Dois meses depois, a equipe conseguira projetar uma cidade fictícia inteira, com conceitos de sustentabilidade e urbanismo visionário. Cada edifício foi calculado e planejado precisamente para o número de ocupantes em cada pavimento, atingindo a cifra exata de 19 bilhões de euros. Profissionais e especialistas de diversas áreas aconselharam o grupo em sua jornada, mas eles não receberam nenhum apoio financeira nem se uniram a nenhum partido político. Durante o processo tiveram, eventualmente, a oportunidade de trazer o projeto ao público através de uma exposição. 

© Armin Walcher
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Após atrair a atenção da mídia, a estudante de arquitetura Diana Contiu percebeu que sua experiência em produzir modelos poderia ter uma aplicação muito mais ampla, permitindo ao público realmente ver o significado do trabalho da equipe. O destaque do projeto foi a construção de uma maquete na escala 1:100, produzida com a ajuda de 50 voluntários, que ficou em exposição de 15 a 30 de outubro em frente à Catedral St. Charles na Karlsplatz, em Viena. 

© Armin Walcher
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Montada a partir de 3.300 partes, a maquete continha aproximadamente 70 toneladas de concreto e madeira, que foram posteriormente incorporadas à marcha de protesto ao final da exposição. Mais de 1.200 pessoas desmantelaram a maquete e levaram as peças para o parlamento austríaco, proferindo o slogan "suportamos o peso de nosso futuro". Nesse ato, os manifestantes simbolicamente queimaram "a cidade que nunca existirá devido à incompetência política."

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Hypotopia foi desmantelada para a marcha de protesto. Imagem © Armin Walcher

Iniciando a partir da simples visão de uma estudante de arquitetura e um estudante de engenharia civil, o projeto "Hypotopia" atraiu mais de 40 mil visitantes à exposição, inclusive a visita do Presidente da Áustria, Dr. Heinz Fischer.  De acordo com Zeilbauer, com exceção dos membros de partidos de oposição, a maior parte dos políticos se recusou a visitar a a maquete e alguns se manifestaram contra o projeto. 

Manifestantes carregando pedaços da maquete de Hypotopia. Imagem © Armin Walcher
Lukas Zeilbauer e Diana Contiu na marcha de protesto. Imagem © Armin Walcher

Embora essa demonstração não apresente soluções definitivas, Zeilbauer, Contiu e os outros membros de Milliardenstadt esperam que quando os cidadãos perceberem o potencial que foi desperdiçado nesse escândalo financeiro, passarão a não mais aceitar erros semelhantes no futuro. Talvez ainda mais impressionante seja o fato disso tudo ter resultado do esforço individual de estudantes motivados a fazer a diferença, tendo como única ferramenta uma maquete arquitetônica.

Saiba mais sobre Hypotopia na página do projeto, ou através do Facebook e do Twitter.

Sobre este autor
Cita: Rawn, Evan. "“Hypotopia”: Arquitetura como um veículo de ação política" [“Hypotopia”: Architecture as a Vehicle for Political Action] 01 Dez 2014. ArchDaily Brasil. (Trad. Baratto, Romullo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/758155/hypotopia-arquitetura-como-um-veiculo-de-acao-politica> ISSN 0719-8906

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