O Ato Crítico / Igor Fracalossi e Ruth Verde Zein

«À determinada altura tudo coincide e se identifica: as ideias do filósofo, as obras do artista e as boas ações.» —Friedrich Nietzsche

O labor do critico e sua condição podem ser precisadas através de uma distinção. O critico diferencia-se do historiador em virtude de âmbitos de consciência: o critico é consciente da impossibilidade de objetividade, em consequência sabe que seu produto é subjetivo, e portanto recusa sua própria subjetividade por uma busca impossível de objetividade. Por outro lado, o historiador também é consciente da subjetividade de seu produto, no entanto crê possível chegar à objetividade. O critico está submerso num problema de vontade; o historiador, num problema de crença. Eu quero; eu creio. Eu faço porque quero; eu faço porque sim. A busca é essencialmente idêntica, a objetividade, porém uma é consciente de sua condição limitada, e a recusa; a outra é crente de seu destino ilimitado, e o aceita. Trata-se de uma diferença de tons e timbres, mas não de notas. Além disso, ambos os ofícios distinguem-se pelo fenômeno que buscam se aproximar. O critico aproxima-se aos produtos materiais dos homens apesar deles, ou seja, abordam os fatos da arquitetura como se fossem coisas existentes desde sempre no mundo. O que interessa ao crítico é saber o que são e especular como chegaram a ser tal como são. O historiador, por sua vez, aproxima-se aos produtos dos homens, sejam materiais ou imateriais, e suas ações, ou seja, o homem mesmo está envolvido nas aproximações do historiador. Interessa-lhe saber por que as coisas são como são. Em síntese, sustentamos que a aproximação do crítico é de cunho espacial, sendo o fator tempo subordinado ao fator espaço –aborda as coisas no mundo–, enquanto que a aproximação histórica é de cunho temporal, sendo o fator espaço subordinado ao fator tempo.

O ato crítico

Descreveremos exploratoriamente o ato inverso levado a cabo pelo crítico a partir dos produtos deixados pelo labor do arquiteto. O ato crítico é o conjunto de ações entrelaçadas no tempo e no espaço e que determinam a obra de crítica. Assim, o labor do crítico cria um conjunto de ações sobrepostas às do arquiteto. Elas podem ser entendidas como dois eixos de desenvolvimento. Não obstante, o caráter inverso que se produz sobre o ato arquitetônico não implica a mera inversão do sentido do desenvolvimento cronológico, senão que é outro desenvolvimento com outras interações e interferências espaço-temporais, ainda que unidas e desencadeadas, isso sim, pela vontade e pelas ações empreendidas pelo crítico. No entanto, não nos deteremos nessas ações, senão naquelas que já conhecemos (ler O Ato Arquitetônico), e que conformam a busca do crítico. Desse modo, o que descreveremos aqui é a evolução das ações fundamentais a partir da aproximação a seus produtos. Em outras palavras, descrevemos como ressurgem e se reconstroem as ações do arquiteto a partir e através das aproximações do crítico. Embora as ações não sejam propriamente do crítico, a evolução permitida a elas é decorrente de suas ações sobre os produtos existentes. O ato crítico é então a revolução do ato arquitetônico empreendida pelo crítico.

Desse modo, ao início quando t = 0 temos que U = P’ + R.

O ato crítico, parte 1

De modo similar ao feito com a descrição do ato arquitetônico, não tomaremos como referência o caso normal do labor do crítico. De maneira pontual: não há estado da arte; o que interessa são os fatos. Logo, a primeira fase do labor do crítico é a aproximação aos produtos materiais da arquitetura: ao edifício e ao projeto. Aqui, os produtos são os catalisadores da reação; a vontade do crítico é o reativo. O edifício e o projeto interpelam-lhe, já não no sentido universal de uma casa, senão de algo singular e preciso: esta casa. O crítico atua e avança sobre essa condição de singularidade. A interpelação ativa a reação interna do crítico, que começa a entrever as ações que geraram aqueles produtos. Vontade, mas não só ela é necessário ter como reativo, senão também sensibilidade e fidelidade. A empatia é necessária. Mas a abstração também, em similar proporção. O crítico leva consigo a dualidade em seu labor: ver desde dentro, ver desde fora, ao mesmo tempo que seu próprio labor é determinado por um duplo eixo de ações.

Assim temos que quando t = -1, P’ → (C ∪ P ∪ E) | (C ∪ P ∪ E) ⊃ P’, R → (C ∪ P ∪ E) | (C ∪ P ∪ E) ⊃ R.

Com as ações investidas pelo crítico, a tríada concepção-projeção-edificação começa a hipertrofiar, enquanto seus produtos se reduzem. Reduzem até voltar a ser a interseção de suas ações. E logo, no momento de máxima empatia da aproximação, os produtos deixam de ter importância e desaparecem para o crítico.

Assim temos que quando t = -2, P’ = (C ∩ P ∩ E), R = (C ∩ P ∩ E). E quando t = -3, U = 2(C ∩ P ∩ E).

As ações então se fundem numa só tríada. A concepção começa a hipotrofiar: seus produtos, os conceitos, são inacessíveis, e logo perdem interesse. Hipotrofia e desaparece assim como o edifício e o projeto.

Assim temos que quando t = -4, C ⊃ (P ∪ E). E quando t = -5, U = P ∪ E.

Esse é o momento em que volta à cena o edifício imaginário, que irrompe fragmentado em dois. A revolução da projeção permite entrever uma parte dele. A revolução da edificação, outra parte. Os fragmentos desenvolvem-se e unem-se na interseção entre ambas as ações. Em seguida, o edifício imaginário em formação hipertrofia e ganha preponderância até o ponto em que a projeção e a edificação voltam a fazer parte do seu interior como seus núcleos.

Assim temos que quando t = -6, P → I1, E → I2. Quando t = -7, (I1 ∪ I2) → I. E quando t = -8, U = I | I ⊂ (P ∪ E).

O ato crítico, parte 2

O edifício imaginário torna-se o sistema inteiro: cobrou razão de ser. Sua formação virtual está quase completa. O crítico registrou todo seu percurso entre aproximações, entrevistas, empatias e assimilações. Foi duplo, para ser capaz de atuar e registrar a ação. No momento em que o edifício imaginário está em sua fase final de formação, o edifício real retoma importância e empreende sua aproximação comparativa. O edifício real começa a alimentar a formação do edifício imaginário concebido pelo crítico. Porém, simultaneamente, talvez imperceptivelmente, o edifício imaginário começa a retroalimentar o edifício real. Ambos hipertrofiam segundo um duo dinâmico. Logo se entrelaçam.

Assim temos que quando t = -9, U = I ∪ R.

Finalmente, o edifício imaginário surgido das ações investidas pelo crítico sobre os produtos do arquiteto e o próprio edifício real criam um vínculo cada vez mais forte que os une indissoluvelmente. No auge da união, edifício imaginário e edifício real tornam-se um mesmo fato.

Assim temos que quando t = -10, I ≡ R.

Este é o fim da crítica.

A obra

A obra de arquitetura somete existe quando a aproximação a um dos produtos leva à presença da tríada de ações que o geraram. Em outras palavras, para que exista a obra de arquitetura é necessária a ciência das três ações através de um ou mais produtos do labor do arquiteto. Estando as três ações presentes latentemente em cada um dos três produtos, a obra de arquitetura pode fazer-se presente através de cada um deles isoladamente. É por tal peculiaridade que a demolição de um edifício jamais põe um ponto final em sua existência, senão que a transpassa a outro âmbito de realidade, o que implica outros meios de aproximação. É por tal peculiaridade, também, que um edifício jamais construído, ou inclusive jamais concebido para ser materializado, pode ser tão frutífero como base para a criação de outro edifício: porque se entrevê através dele as ações que o geraram. No extremo, é por tal peculiaridade que uma sinfonia pode fazer surgir conceitos tão inspiradores para uma criação material em arquitetura.

Em síntese, a obra de arquitetura existe quando existe aproximação, quando existe entrevista, quando existe assimilação. Logo, a obra de arquitetura existe quando está presente a obra de crítica. A obra de crítica é a fusão entre o edifício real e o edifício imaginário. A obra de arquitetura é a experiência e noção dessa fusão. Ambas são incomensuráveis.

Temos finalmente que quando t = x, OC → OA ∵ OA → OC, quando t = x - 1.

O edifício imaginário da obra de crítica é o edifício real da obra de arquitetura.

A tríada arquitetônica

Referência:
Igor Fracalossi e Ruth Verde Zein, La Paradoja de la Puesta del Sol: una Inútil Aproximación a la Obra de Arquitectura (extrato: parte 3 de 3), Atas Digitais do I International Conference on Architectural Design & Criticism, Critic|All Press, Madri, 2014, pp. 442-448 (pp. 446-448).

* Leia as partes anteriores do ensaio:

A Obra

O Ato Arquitetônico / Igor Fracalossi e Ruth Verde Zein

Sobre este autor
Cita: Igor Fracalossi. "O Ato Crítico / Igor Fracalossi e Ruth Verde Zein" 17 Jul 2014. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/624080/o-ato-critico-igor-fracalossi-e-ruth-verde-zein> ISSN 0719-8906

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