Programas e séries televisivas sobre reformas são sedutoras. Sentimentos uma ansiedade em ver aquele lar remodelado de uma forma inimaginável, proporcionando uma reconexão da família com o novo espaço. As lágrimas no final, o apresentador-arquiteto-empreiteiro satisfeito com o resultado, os pisos intactos de madeira, eletrodomésticos brilhantes, banheiras novas prontas para serem estreadas. Não é à toa que esses programas estão ganhando cada mais público e, consequentemente, inspirando muitas transformações nas casas alheias.
Mas, se por um lado, eles fomentam a vontade de mudança nos espectadores, mostrando as infinitas possibilidades ao transformar e melhorar um espaço, por outro, eles podem reproduzir conceitos equivocados sobre a arquitetura, principalmente em relação ao processo de concepção e execução.
A forma como o projeto e a obra se desenvolvem nos programas de reforma faz parecer que se trata de um processo linear, ágil e objetivo. Entretanto, a realidade não é bem assim. Quem está inserido no meio sabe que cada projeto retratado em 40 minutos na vida real leva em média 6 meses para ser finalizado. Ou seja, antes da primeira marretada na parede, muita coisa já aconteceu. Foram inúmeras reuniões entre arquiteto e cliente para a definição do projeto, pesquisas sobre legislação, critérios legais de aprovação de projeto, busca por mão-de-obra qualificada, análise dos materiais disponíveis, etc. E cada uma dessas etapas pode resultar na criação de outras condicionantes que afetam a concepção do projeto, gerando muitas vezes revisões e modificações de desenho.
Somando a isso, longe dos roteiros prontos e das falas ensaiadas, os arquitetos da vida real nem sempre têm todas as respostas e soluções na ponta da língua, muitas vezes é preciso parar e rever o projeto com calma para que seja tomada uma decisão plausível. Outra questão ainda é que dificilmente o arquiteto, o empreiteiro, o designer de interiores e decorador serão a mesma pessoa, são disciplinas separadas e responsabilidades muito diferentes. Essa confusão leva ao ocultamento de uma tarefa importante que é a gestão e alinhamento da equipe, o que demanda tempo e requer muito trabalho e organização.
Pelo desconhecimento desses e outros aspectos, muitos clientes procuram os arquitetos com uma ideia deturpadoa em relação ao tempo da obra, baseado nos programas de reforma. Muitos imaginam que sua obra será realizada em um piscar de olhos, calculando tempos de resposta tão rápidos quanto os dos reality shows. Além disso, impressionam-se quando percebem que – salvo raras exceções – não haverá esse momento da revelação no qual o cliente diz “uau” e chora. Isso porque o arquiteto os manterá envolvidos e atualizados durante todo o processo de projeto e construção, sempre alinhando as expectativas e novas demandas que possam vir a ocorrer. Afinal, o cliente está pagando por isso.
Outra questão dos programas de reforma que contrasta com a vida real são os custos de obra. Primeiramente, é importante considerar quando (ano) e onde (país) o projeto foi construído. No entanto, não é apenas isso que está em jogo. Mesmo nos Estados Unidos, onde a maioria dos programas mais populares é filmada, muitos arquitetos já relataram a discrepância em relação à vida real, pois os produtores de televisão geralmente evitam as casas mais caras, visando um mercado relativamente barato, o que também afeta todos os outros custos. Além disso, dos três fatores que mais influenciam no orçamento – preparação, material e mão de obra – o primeiro, que diz respeito a inspeções técnicas e estruturais, licenças dos órgãos públicos etc., raramente é incluso na apresentação final. Já no caso dos materiais e mão de obra, uma das vantagens da parceria com uma emissora também inclui bons negócios com fornecedores de materiais – geralmente são utilizados elementos de marcas patrocinadoras ou, ainda, marcas genéricas que permitem uma instalação rápida e barata. Da mesma forma, as despesas para mão de obra são drasticamente reduzidas pelas tarifas especiais feitas para a televisão em troca da publicidade nacional. Em suma, os preços vistos nos programas têm pouca ou nenhuma relação com a realidade.
E, para finalizar, além da questão do tempo e do orçamento, quando importados para outros países, esses programas de reforma acabam se tornando referências estéticas e conceituais. Contudo, muitas vezes a linguagem, os materiais e as técnicas utilizadas não são compatíveis com a realidade desses novos lugares. Nesse momento entra em pauta o jogo de cintura e a criatividade que o arquiteto precisa ter ao considerar as preferências estéticas do cliente e, ao mesmo tempo, respeitar o contexto no qual a obra está inserida.
Como qualquer outro programa de televisão, os realities de reforma fazem parte da indústria do entretenimento e devem ser encarados como tal. Qualquer tradução deles para a esfera profissional precisa ser feita com cautela. Embora possam ser uma grande fonte de inspiração e motivação, muitas vezes ajudando a valorizar o trabalho dos arquitetos ao enfatizar a melhoria nos espaços, também tendem a propagar informações distorcidas da realidade de uma reforma, tornando-a uma experiência reveladora para os clientes — nem sempre no bom sentido.