Alejandro Aravena: "A necessidade mais básica e urgente é como um template que elimina o irrelevante"

Alejandro Aravena esteve em Florianópolis na última semana, convidado pelo NCD Summit 2019 para palestrar sobre Arquitetura Social. Fundador do "do tank" ELEMENTAL, o Prêmio Pritzker de 2016 deu um panorama geral de sua obra, passando pelas mais distintas tipologias de projeto, sempre evidenciando os processos que levaram às soluções adotadas. Antes da palestra, Aravena concedeu uma entrevista exclusiva ao ArchDaily Brasil. Confira a entrevista a seguir:

ADBR - Os projetos do ELEMENTAL geralmente buscam não apenas resolver os problemas dados, mas dar um passo atrás e compreender todas as condicionantes e tudo que influencia na obra em si. Como é o processo projetual do escritório?

AA – Não é um método, é uma aproximação que nos tem resultado eficiente para capturar a complexidade da pergunta. Partimos por um "x=?", sendo x a forma e sendo a interrogação o fato de não querer saber, a propósito, que forma tem que ter um projeto antes de ter entendido quais são as forças em jogo, qual é a equação, qual é a pergunta que se deve responder. Portanto, dedicamos uma quantidade de tempo para identificar qual é a pergunta.

Não há nada pior do que responder bem a uma pergunta equivocada.

Nos interessa ser cuidadosos em identificar com precisão qual é a pergunta. O que você descreve como este passo atrás é real, no sentido que o encargo ou requerimento que é feito a você pode ser uma parte da pergunta, mas não necessariamente toda a pergunta. Há outras questões que, de fato, implicam num determinado problema, que o cliente não tem por que sabê-lo. É trabalho do profissional encarregar-se de todas as outras dimensões deste “menu”, com o qual de fato vem um determinado possível projeto. Este processo de interação da pergunta é um processo constante, não é que uma vez que alguém a define, isso pára.

Cortesia de Elemental

Durante uma certa quantidade de tempo não queremos parar antecipadamente. Portanto propomos chegar em uma forma rapidamente, mas não muito; depois de algumas semanas talvez. Então esta informação se ordena na chave da proposta e nos arriscamos a fazer um desenho para começar a testar a capacidade de ter sintetizado essas forças identificadas. Mas não é linear o processo de que se há um desenho que dá conta de tudo isso; ter um desenho com sua própria lógica -e o papel da intuição aqui é fundamental -, eventualmente modifica a pergunta. Ou quando você forma uma equação, há termos que são elevados ao quadrado ou ao cubo e outros que se dividem à metade. Não é que não têm, mas é que perdem relevância ou não são a prioridade, e este é um processo que vai e vem até que em um ponto no meio se encontrem a pergunta e a resposta.

ADBR – Ao menos no Brasil, nós ainda estamos aprendendo a envolver a sociedade nos processos decisórios e nos projetos. Como é a experiência do escritório em torná-los parte do processo, buscando engajamento e apropriação?

AA - O caso mais evidente, e que nasce de uma questão puramente pragmática, é na habitação social, porque a evidência mostrava que de fato nós só iríamos conseguir construir a metade dos metros quadrados. No que é o melhor dos casos de um fundo público, e que eles não poderiam fazer, era uma parte de uma casa de classe média, mas não toda. Não se tinha a possibilidade econômica de fazê-lo. Portanto nós poderíamos fazer como se estivéssemos entregando uma casa, que era o que fazia o mercado, ou assumindo o fato de que é a metade dos metros quadrados que vão ser feitos, de uma forma que não quiséssemos, pela própria família.

Cortesia de Elemental

E no momento que nos inserimos, isso que de fato deveria ocorrer nos era mais lógico: sentar à mesa com esse grupo de famílias/construtores para dividir tarefas, o que nós vamos fazer e o que eles vão fazer. O que está atrás de tudo isso é que frente a certa escassez, que pode ser de dinheiro e/ou tempo - porque foi o caso na reconstrução por terremotos e tsunamis; não era só o dinheiro, mas também o tempo -, é que se substitui a escassez pela incrementabilidade. Se não se tem tempo nem dinheiro para fazer tudo “agora”, acredito que seja o mais difícil, que é garantir certos cuidados de bem comum e deixar que um sistema aberto se complete no tempo. Esse sistema aberto incremental para substituir a escassez parecia racional frente às condições da pergunta. Uma vez que se faz assim, as famílias esperam voltar à habitação social para depois querer ampliar quase todo o projeto que estamos desenvolvendo no momento.

O desenho participativo não é entregar para a família um lápis ou o mouse para que desenhem - não estudaram para isso -, esse é um conhecimento que nós como profissionais temos, eles sabem outras coisas.

Cortesia de Elemental

Por exemplo: frente à escassez, substituída por esse sistema aberto incremental, é fundamental estabelecer prioridades: o que vem primeiro e o que vem depois? E se alguém sabe como fazer um uso eficiente, como estabelecer prioridades de maneira eficiente, são pessoas que viveram toda a sua vida não podendo ter tudo, tendo que saber o que é mais fundamental e o que seria opcional. Essa sabedoria é algo que nos interessa ter em um projeto, inclusive algo que, frente a alternativas econômicas equivalentes, eu não tenho porque preferir de uma maneira ou de outra, são eles que nos podem orientar a fazer esse exercício de ordenar do mais prioritário ao menos prioritário o que fazer. Há questões que não são negociáveis porque fazem parte da nossa responsabilidade profissional fazê-las, e não estão abertas à negociação. Não é um processo de participação populista, é uma confluência de saberes dado que a pergunta é muito difícil. Isso em um contexto como a Habitação Social é caso de dinheiro, ou desastre natural, é caso de tempo; é algo que se deve fazer cada vez que um quer identificar com precisão a pergunta. Em quase todos, ou senão em todos, os projetos em que estamos trabalhando, nossa impressão de tempo inicial está em testar com quem nos fez o encargo se estamos respondendo a pergunta correta. Portanto o primeiro passo em um processo de participação não é esperar que essas pessoas participem da resposta, é identificar com precisão a pergunta. E isso é algo que é válido também onde não há escassez de algum tipo. Aquilo que você estava fazendo é juntar as necessidades e os desejos - porque não são só as necessidades e não são só os desejos.

© Nico Saieh

O que termina finalmente construindo um projeto é a capacidade de responder às necessidades que existiam, mas se você só responde às necessidades, perde a oportunidade de ter elevado as coisas a esse estado potencial que seria o desejável, o fazer parte. Se contentar só com os desejos pode levar a uma certa arbitrariedade, a necessidade mais básica e urgente funciona como uma espécie de template que elimina o irrelevante. Portanto, esse equilíbrio entre necessidade e desejo, construídos em conjunto com quem finalmente vai usar o edifício, ou um bairro, ou um espaço público, ou um determinado projeto de infraestrutura, parece ser algo sempre desejado.

© Cristobal Palma

ADBR – O Elemental muda um pouco a figura do arquiteto como um Deus que desenha a partir de sua prancheta e tem a resposta para tudo. Observa-se uma posição um pouco mais conciliadora entre todos os agentes que estão envolvidos no projeto - e mais do que tudo evidenciando todas as condicionantes e dificuldades durante o processo. O que tem para falar sobre isso?

AA – Bom, eu acredito que primeiro seria importante não cair nesse clichê porque essa aproximação há vezes que é mais forte que em outras, ou que é mais pertinente que em outras. Porque há vezes que a resposta para um determinado problema é uma arquitetura icônica. Nem todas as arquiteturas são, por assim dizer, um puro serviço público. Muitas vezes o que um projeto tem que fazer é capturar um intangível coletivo. Portanto o icônico é pertinente nesse caso, mas não sempre. E quando funciona, mas vem no extremo icônico do espectro da resposta, é provável que a sua necessidade de controle sobre os objetos seja maior ou mais parecida a como nos treinaram na arquitetura ou a como tem sido a tradição da arquitetura, das belas artes. Mas outras vezes, é não ter entendido a verdade na natureza das forças em jogo. Eu acredito que não haja um só projeto onde a dimensão estética para a qual provavelmente este nível mais convencional de controle seja necessária. Por muitas vezes as respostas são processos, são inícios de conversas, gatilhos de algo que vai ser terminado por outros, não por nós mesmos. E nesses casos, o que se faz é canalizar, mais do que controlar as forças em jogo, e isso requer provavelmente uma certa ferramenta, uma certa habilidade para as quais fomos menos treinados. E o que nos tem feito entrar nisso é a própria natureza da prática profissional.

© Nico Saieh

ADBR – Na sua opinião, o ensino da arquitetura nas faculdades continua muito preso ao objeto arquitetônico e negligencia as outras condicionantes presentes nas obras? 

AA – A forma em si mesma não é um problema, eu acredito que a arquitetura não é outra coisa senão dar forma ao lugar que as pessoas vivem. Nada mais complicado que isso, nem nada mais fácil que isso. "Dar a forma ao lugar onde as pessoas vivem". Quando você clica duas vezes nos três componentes da frase “dar forma aos lugares onde se vivem” então começam os problemas. Dar forma é tradução à matéria e espaço de forças que não são só aquelas com a que fomos treinados, ou que não respondem a um único sistema de regras que são as da composição da estética. É condição necessária, mas não suficiente. Outras forças que informam à forma do projeto são o meio ambiente, a construção, a gravidade, os terremotos, a economia, as leis.

Se você entende que a chave é identificar aquilo que informa à forma, então este formalismo ou a forma como algo negativo deixa de sê-lo e começa a ser o que creio que está no coração da arquitetura, que se algum poder tem, é o poder de síntese.

Cortesia de Elemental

Quando a pergunta é complexa e você tem que responder este conjunto de variáveis, então é necessária a síntese, esse algo tem a forma que é sintética, ou deveria ser. Os lugares têm um espectro que vão desde a casa, a habitação, a infraestrutura, os edifícios, os escritórios, os colégios, os parques, as ruas, as calçadas, além das calçadas, no alto, com as árvores... Há uma infinidade de decisões a tomar na forma desses lugares, porque no fim essa forma é inevitável. Podemos ser mais conscientes ou menos conscientes, porém inevitavelmente isso tem que ter uma forma e alguém a tem que dar e aí está a importância então de ser criativo, rigoroso, racional e intuitivo, em saber que aquilo terá que informar essa forma do lugar. E por último está: para quê? porque é onde vivemos. E o que é viver? Claro, da mesma forma entre necessidades e desejos, porque para viver em conjunto, uma coisa muito simples, a coisa tem que funcionar, temos que ter resolvido questões muito básicas, muito fundamentais, como um telhado, segurança, frio, calor... Mas isso, de novo, é condição necessária mas não suficiente.

No outro extremo estão - e o que finalmente nos move - os desejos, individuais e coletivos, e então esse conjunto de coisas, se formos capazes de fazer da forma correta, então teremos sido bastante exitosos. Não sei se a maneira que estamos treinando em traduzir a forma de tudo isso pode responder a um único sistema que é específico da disciplina, e o que a sociedade tende a identificar mais, que é o estético. Isso não significa formar na faculdade de arquitetura economistas, políticos, sociólogos, ambientalistas, construtores. Temos que falar suas línguas, mas é nosso dever traduzir à forma, o trabalho então se parece mais com estudar idiomas por um lado, e então a intuição tem que poder traduzir tudo isso sinteticamente em uma proposta. Eu creio que se o artístico fosse algo, a princípio seria isso: a capacidade de com pouca informação e com informação parcial, poder ordenar a informação em forma de proposta.

Cortesia de Elemental

ADBR – Você acredita que a arquitetura, por si só, pode ser um instrumento de mudança e de acesso à cidade, ou ela sempre necessita de outras áreas para atingir isso?

AA – Um pouco do que conversávamos até agora... A resposta é sim e não. Não porque não é que uma pessoa acorda um dia e decide construir um edifício; precisa haver a necessidade. O ponto de partida está fora de nós mesmos, e este fora não é só como origem do projeto, mas também nos tipos do conhecimento, da maneira a verificar se está fazendo melhor ou pior que todos aqueles que estão fora; não só de nós mesmos, mas também da própria arquitetura. Está em outros campos, onde qualquer pessoa tem algo a dizer, não tem que ser expert para poder opinar. Ao mesmo tempo, poucas profissões têm no seu núcleo a ferramenta que foram treinados os arquitetos, que é o projeto. Portanto acredito que seria muito ruim se nós tirássemos da sociedade esta ferramenta valiosa de síntese que é o projeto, sobretudo dada a complexidade das perguntas que a sociedade está tendo que enfrentar no entorno construído. porque não é qualquer coisa, estamos falando de que, no fim, temos que viver em um lugar e que neste lugar, alguém tem que dar a forma. Eventualmente os projetos podem informar as políticas públicas, não é só que alguém cria uma regra e depois nós da arquitetura traduzimos. Os projetos podem ser iluminadores para corrigir essas regras do jogo ao passo que estão produzindo maus resultados. Mas creio que nossa obrigação é não nos ausentarmos das discussões que estão fora de nosso âmbito e entrar nessas discussões inespecíficas com o conhecimento específico do arquiteto que é traduzir aquilo que influencia na forma.

* Transcrição de Susanna Moreira

Sobre este autor
Cita: Eduardo Souza. "Alejandro Aravena: "A necessidade mais básica e urgente é como um template que elimina o irrelevante"" 09 Set 2019. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/924455/alejandro-aravena-a-necessidade-mais-basica-e-urgente-e-como-um-template-que-elimina-o-irrelevante> ISSN 0719-8906

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