Pare de falar Kanye: Chega de defesas para Kanye West

Desde que publicamos o artigo "Continue Falando Kanye: Uma defesa de um arquiteto para Kanye West", involuntariamente me tornei seu defensor. Porém, mesmo que eu queira apresenta-lo como um grande "gênio da criatividade", ele sempre e muito rapidamente, me faz mudar de idéia, seja e suas entrevistas ou tuitando alguma coisa sem muito critério. Invariavelmente, no dia que segue uma de suas cotidianas "tuitadas", minha caixa de e-mails parece que vai explodir com um turbilhão de mensagens com títulos parecidos, "só para irrita-lo" ou "você viu isso?". Minha resposta é sempre a mesma, exatamente como aquela de Michael Che no Saturday Night Live quando indagado a respeito da última grande besteira proclamada por Kanye: “A escravidão foi uma escolha”. Ainda que eu não tenha comentários para esta infeliz colocação, sou obrigado a intervir mais uma vez depois de outra polêmica, agora se referindo ao mundo da arquitetura através do novo empreendimento de sua empresa Yeezy, chamado de "Yeezy Home".

Eu continuo a defender a minha posição, “continue falando Kanye”. Para mim, utilizar seu status de celebridade para fazer com que a arquitetura chegue à um público mais amplo é ótimo para a nossa profissão, especialmente devido à capacidade que uma "persona" como você tem de alcançar às minorias sub-representadas. Essa pode ser uma solução para a falta de diversidade, rentabilidade e relevância cultural da arquitetura em um universo mais abrangente. No entanto, há um abismo enorme entre atuar politicamente em defesa dos arquitetos negros e apenas vender camisetas marrons de US$ 120 e calças de moletom por US$ 260.

Acredito que as primeiras intenções de Kanye eram boas, por exemplo, quando ele decidiu se reunir com os líderes da União Africana de Estudantes da Harvard Gratuate School of Design em 2013. Imaginei que aquele poderia ser um primeiro passo para ampliar o numero de estudantes negros e latinos nas faculdades de arquitetura, através de programas de financiamento educacional, investindo no desenvolvimento e potencialmente criando projetos nos quais, esses jovens designers e arquitetos pudessem ser envolvidos. A excitação e a esperança daquele momento rapidamente se dissiparam. Embora aquele evento tenha gerado alguns esclarecimentos além do frenesi das mídias sociais, a reunião em si não teve nenhum resultado efetivo, além de tornar pública a frustração pessoal de Kanye por não ser levado a sério como um designer. Digam o que quiserem, eu volto a afirmar que sou o primeiro em reconhecer que a comunidade da arquitetura está inclinada ao racismo estrutural e ao elitismo institucional, no entanto, Kanye ainda não fez o suficiente para se distinguir da maioria absoluta de nossos colegas designers e das demais celebridades. Até agora, nenhum de seus projetos parece ter sido concebido para colaborar com qualquer tipo de grupo de pessoas carentes ou sub-representadas; muito pelo contrário, são exclusivamente voltados para homens ricos e brancos (um grupo sem necessidade alguma de qualquer tipo de suporte) ou para massagear ainda mais seu ego já inflado.

Kanye West at the Harvard Graduate School of Design in 2013. Image via Instagram User dvirnm

Inevitavelmente, nossos caminhos permaneceram conectados depois daquele primeiro momento. Para Kanye, tudo isso trouxe à tona seu antigo desejo, inicialmente ridicularizado, de ser reconhecido pelos outros profissionais da nossa disciplina. Não foi por acaso que ele "escolheu" se encontrar com os alunos da Harvard. Para mim, este foi um recomeço de uma longa jornada na qual eu já vinha trabalhando há algum tempo, desde meados da década de 1990 e sobre um tópico que há muito tempo considerava explorar mais profundamente: "Arquitetura Hip-Hop". Embora outros pesquisadores tenham se aprofundado no tema das conexões entre celebridades e o mundo da arquitetura, o meu trabalho desenvolvido nestes últimos cinco anos procura consolidar uma outra narrativa através de experimentos com estudantes, acadêmicos e profissionais da arquitetura. O resultado disso será o tema de uma nova exposição no Centro de Arquitetura AIANY, no segundo semestre deste ano, intitulado “Close to the Edge: The Birth of Hip-Hop Architecture.”. As questões centrais desta exposição - O que é Arquitetura Hip-hop? Quem está trabalhando com isso? Como ela se parece? - poderiam ser diretamente utilizadas por Kanye em seu mais novo empreendimento. Um artista popular que decide criar uma empresa de design que contrata arquitetos para desenvolver projetos para si e para seus colegas, seria isso suficiente para chamarmos de Arquitetura Hip-Hop? Para responder a essas perguntas, organizei o conteúdo da exposição em três categorias: identidade, processo e imagem. Uma parte do conteúdo desenvolvido pelos curadores da exposição foi extraído e está apresentado abaixo para facilitar a sua compreensão:

Identidade

"A identidade é a estrutura fundamental da cultura hip-hop. Privados de suas histórias ou nomes, de suas linguagens e de toda e qualquer liberdade como os escravos africanos, imigrantes caribenhos ou a carência de serviços públicos (moradia, escolas, prisões). Os pioneiros do hip-hop inventaram uma nova identidade tão agressiva, desafiadora e extravagante jamais vistas em toda a história da cidade de Nova York. Para os precursores da cultura hip-hop, ela se define através da prática de um de seus quatro elementos originais ou adotando o estilo hip-hop como parte de sua identidade pessoal. Nesta categoria podemos incluir os trabalhos de <a, ambos criados na cidade de Oakland.

Processo

"Cada um dos quatro elementos fundamentais do hip-hop [DJing, MCing, b-boying e graffiti-writing] se expressa através de um conjunto único de técnicas, métodos e processos. DJs samplam, improvisam e misturam elementos do cenário da música contemporâneas com artistas completamente desconhecidos e canções que já foram esquecidas há muito tempo. Os MCs constroem suas rimas sobre a estrutura de uma batida musical, fundindo-se com ela ou quebrando sua sincronia de maneira criativa e inteligente. Os B-boys dançam desafiando a gravidade em inúmeros movimentos de breakdance em seus mais variados estilos, os quais seguem uma hierarquia pré-estabelecida de movimentos "up-rock", "down-rock", "power move" e "freeze".Os Grafiteiros são aqueles que transformam as superfícies do sub-mundo, lugares esquecidos, desconsiderados ou inacessíveis. Sobrepondo imagens, ícones e textos, o graffiti marca o cenário urbano de nossas cidades em cada metro quadrado acessível de parede. Os trabalhos apresentados nesta categoria chamada de "processo" são principalmente teses acadêmicas, especulações profissionais ou resultado dos cursos de arquitetura hip-hop ministrados por Stephen Slaughter na Universidade de Cincinnati e Chris Cornelius na Universidade de Wisconsin Milwaukee, refletindo sobre um ou mais processos específicos que recorrem aos quatro elementos originais ou sobre os processos criados a partir da cultura hip-hop de uma maneira mais ampla".

Imagem

"A imagem da cultura hip-hop foi estampada em centenas de capas de álbuns ao longo das últimas décadas. Os videoclipes, a moda e a fotografia foram responsáveis por documentar o nascimento e a explosão da cultura hip-hop, presente em cada fachada de periferia ou em vagões de trens abandonados, nas correntes pesadas penduradas no pescoço ou nas bandanas pretas que cobrem as suas cabeças. A Adidas explorou a imagem da cultura hip-hop como um mercado em expansão, incorporando a imagem do movimento à consciência coletiva global. Embora não exista de fato uma imagem que represente a totalidade da cultura hip-hop, esta categoria investiga aquilo que poderia ser uma linguagem arquitetônica facilmente identificada como o hip-hop. O trabalho do artista visual Olalekan Jeyifous, apresentado efusivamente no programa da exposição, é possivelmente a melhor imagem apropriável pela arquitetura enquanto pretende construir uma conexão convincente entre as cultura Afro-Futurista e Hip-Hop".

Existem uma série de outros profissionais, como Amanda Williams, Lauren Halsey, James Garrett Jr. e Craig Wilkins, que têm trabalhado diligentemente para produzir espaços e construir narrativas que revelam a complexa relação entre a cultura hip-hop e a arquitetura. O que cada um deles tem feito será apresentado, debatido e reconhecido durante os três meses de duração da exposição, no simpósio que estamos organizando e na futura publicação do conteúdo que estamos recebendo. Enquanto isso, Kanye aparece cada vez mais distante desses designers que parecem muito mais comprometidos com o hip-hop do que aquele que acaba de anunciar um projeto subordinado à pratica elitista e patrões ricos.

Kanye West, com seus milhões de fãs e seguidores, poderia chamar à atenção de um público muito mais amplo para uma série de questões importantíssimas dentro de nossa disciplina. Em vez disso, ele acabou ofuscando todo o seu potencial pelo desejo insaciável de auto-promoção. Suas declarações, catalisadoras de um trabalho frutífero no passado, tornaram-se apenas mais uma distração besta e sem conteúdo. 

Kanye West's New Architecture Venture: Who, What, Why and... Really?

Sobre este autor
Cita: Cooke, Sekou. "Pare de falar Kanye: Chega de defesas para Kanye West" [Stop Talking Kanye: No More Defense for Kanye West] 02 Jun 2018. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/895154/pare-de-falar-kanye-chega-de-defesas-para-kanye-west> ISSN 0719-8906

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