Arquitetura de qualidade não se produz rejeitando a história - tampouco replicando-a

Arquitetura de qualidade não se produz rejeitando a história - tampouco replicando-a

Este artigo foi originalmente publicado pela Common Edge como "Architecture Ignores History At Its Own Peril".

A gravidade é inegável. Ficamos de pé, erguemos objetos, estremecemos quando vemos nosso peso na balança. Para os arquitetos, a gravidade tem um significado especial: é a força essencial a ser trabalhada. Clima, energia e materiais também são importantes — mas esses têm características específicas à sua localização.

A gravidade é a constante eterna. Mas há outro elemento universal no ato de projetar: a história, o papel de todas as coisas que passaram da ideia para a realidade, em todos os lugares. Se existem “razões” para um edifício ser feito ou finalizado de uma certa maneira, a história é a lente inegável que faz sempre parte de como os projetistas pensam sobre o que deve ser construído.

Há uma ruptura na arquitetura: lidar com a história é um pouco como comer. Todos nós temos que comer, mas para alguns comer carne é insalubre e imoral; matar outro animal quando as plantas estão disponíveis para fornecer as calorias necessárias torna-se muito difícil. Para outros, um hambúrguer não é diferente do pão que o envolve.

Arquitetura é similarmente bipolar. Ou a história é totalmente rejeitada, como a visão vegana de qualquer alimento de origem animal, ou a história é a base do projeto, como a carne é a proteína essencial na dieta dos carnívoros.

Essas duas abordagens fundamentais não reconhecem verdades essenciais.

A perda da história no projeto arquitetônico é pior do que esses exemplos simplistas. A história é uma constante, não uma estética "antes” e “depois” pré-século 20 e pós-contemporâneo. A história e o tempo são inevitáveis. Não importa quão sedutora seja uma imagem nova, os arquitetos não congelam o tempo. Nós não controlamos a história futura.

É hora de acabar com o pensamento mágico. Os arquitetos não criam e moldam a história, nós respondemos a ela assim como reagimos à gravidade.

É fácil para os arquitetos usarem a história como uma muleta ou um bode expiatório, e evitar a dura verdade de que nenhum edifício é criado no vácuo do tempo. Edifícios são da nossa cultura, nem sem precedentes nem replicados. Nenhuma imitação do passado faz dos edifícios novos não serem novos. Nenhuma estética abstrata pode efetivamente negar o mundo que a rodeia.

O advento da Inteligência Artificial acontecerá em breve, e o único valor legítimo que a arquitetura pode oferecer além da estética à nossa cultura será a criatividade humana que nenhuma tecnologia pode imitar, independentemente do estilo.

A tecnologia muda as edificações, não importa que pensamento mágico de racionalização de estilos que usamos. Ninguém disse: "Precisamos de prédios mais altos, vamos inventar o aço". O aço aconteceu e os arranha-céus resultaram dele. Esse fato histórico mudou tudo: aquecimento central, fachadas, eletricidade, elevadores. Toda mudança tecnológica cria uma mudança estética, porque uma vez usada, ela tem realidades visuais e funcionais.

Meu palpite é que a revolução tecnológica deste século irá se desviar da IA. Nesta época em que nossa alfabetização cultural muitas vezes recai na profundidade de uma guerra no Twitter, a única maneira pela qual a criatividade humana é inegavelmente importante é na verdade de sua realidade na história. Isso significa que os arquitetos, a mídia arquitetônica e a academia poderiam se beneficiar de uma pausa em seus rituais defensivos e olhar para a situação como um todo.

A amplitude da arquitetura no ensino, na prática e nas publicações precisa ser tão diversa quanto a história, não tão autossuficiente e exclusiva quanto qualquer polêmica de um projeto individual. Isso significa pôr fim à atual seleção consciente dos estilos que são celebrados e ensinados.

Existem maneiras específicas de pensar sobre arquitetura que simplesmente não estão interagindo na cultura atual. Essas distinções são evidentes nas instituições que estão mais expostas à mídia, que elogiam o ensino da mentalidade bipolar da expressão arquitetônica.Mas websites e revistas publicam uma estética muito consistente, então por que não abrir políticas editoriais para divulgações de cada "tipo"?Nos lugares em que estive e nas pessoas que conheço há geralmente hipocrisia, mas uma orientação estética para uma das duas maneiras de lidar com a história (amor e ódio). Portanto, as escolas precisam explorar a diversidade estética e contratar projetistas como professores, representantes das mais variadas perspectivas — de abstratas a etnocêntricas, de históricas a tecnocráticas — e tudo mais que existir no meio.

Estou certo de que há aqueles que declaram em voz alta que temos diversidade agora, que as distinções são simplesmente divergências de preferência, mas pegue uma revista, leia um blog ou participe de uma banca de projeto em uma faculdade. A segregação de abordagens entre o culto à história e a negação dela é bastante nítida entre essas instituições. A própria história não faz referência a si mesma ou se nega:porque a história é o que toda a nossa cultura é, não apenas as partes que preferimos. Acho que ou abrimos nossa mente para refletir toda a arquitetura em nosso ensino, no compartilhamento e na criação de edifícios, ou o próximo código de IA fará escolhas para nós: como as rotas predeterminadas em nosso GPS.

Não há respostas fáceis para um momento em que a mudança será radical e generalizada. Sabemos o suficiente para saber o que ainda não sabemos. Os arquitetos mais antigos não podem saber quais serão as questões na fusão inevitável da próxima geração com a Inteligência Artificial, mas esse arquiteto mais antigo pode perceber como nosso impulso natural de criar "estilos" como um mecanismo de defesa é um dinossauro do nosso tempo.

Atributos de perspectiva e da criatividade podem se tornar mudos e invisíveis na próxima onda.Se nos ativermos ao que é tão fácil quanto nosso GPS, deixamos de ver a paisagem da história e não sabemos para onde estamos indo — simplesmente porque não precisamos. Se passamos a confiar apenas no que é fornecido pela tecnologia, ignoramos intencionalmente a criatividade vital que é a essência de nossa história.

Esquecer a história seria como esquecer a gravidade. Os arquitetos não podem se esconder dos fatos que a história fornece. A visão de Le Corbusier para Paris não se tornou o futuro urbano da cidade. As novas residências universitárias de Yale não são antigas. A história é uma parte de tudo, porque é a verdade, não um estilo. Na arquitetura, tendemos a usar a estética superficial observada no passado como forma de justificar a destruição ou a reprodução da história. Mas o novo não existe para simplesmente invalidar ou replicar o antigo. Ritmo e melodia têm que trabalhar juntos, ou não há música.

Duo Dickinson é arquiteto há mais de 30 anos. Autor de oito livros, ele é o crítico de arquitetura para o New Haven Register, escreve sobre design e cultura para o Hartford Courant e está no corpo docente do Building Beauty Program no Instituto Sant'Anna em Sorrento, Itália.

Sobre este autor
Cita: Dickinson, Duo. "Arquitetura de qualidade não se produz rejeitando a história - tampouco replicando-a" [Good Architecture Is Not Produced by Rejecting History—Or by Replicating it, Either] 09 Mai 2018. ArchDaily Brasil. (Trad. Moreira Cavalcante, Lis) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/893810/arquitetura-de-qualidade-nao-se-produz-rejeitando-a-historia-tampouco-replicando-a> ISSN 0719-8906

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