Importantes jardins brasileiros pouco conhecidos

Pelas diferentes épocas, os projetos paisagísticos supriram uma gama de necessidades e desejos – do status dos jardins clássicos, marcados pela simetria e topiaria às praças secas, no período moderno, atendendo a necessidades dos espaços cívicos. Contanto, se a priori, o paisagismo estava intimamente ligado ao prestígio socioeconômico, a partir do século XX, o quadro paisagístico mundial foi alterado em prol da racionalidade decorrente das transformações modernas.

A era de grandes transformações urbanas, políticas e sociais, vislumbrou a iniciação do que seria a conformação do paisagismo contemporâneo, considerando novas demandas e o desenho de espaços livres condizentes ao fluxo na cidade moderna.

No quadro da arquitetura paisagística brasileira, a partir de meados de 1950, o projeto paisagístico passa ser pautado do entendimento de novos usos e, portanto, a organização dos espaços livres – públicos e privados, junto a uma gama de atividades (passeio, permanência, recreação, esportivo, etc.).

No país, com a diversidade de espécies vegetais, precursores como Roberto Burle Marx e Rosa Grena Kliass foram os primeiros a pontuarem novas espécies, conformações e ainda, mostrarem a importância do paisagismo nos espaços públicos e urbanos. O paisagismo, portanto, abandona a “cara” cenográfica clássica e passa atribuir um senso funcionalista.

Confira a seguir uma seleção de importantes jardins brasileiros pouco conhecidos.

CETENCO Plaza

Paisagista: Luciano Fiaschi
Arquitetos responsáveis: Rubens Carneiro Vianna e Ricardo Sievers
Ano: 1980
Endereço: Av. Paulista, 1842, São Paulo, SP 01310-923

Em um complexo comercial junto a duas torres idealizadas por Rubens Carneiro Vianna e Ricardo Sievers na década de 1980 – período de transformações no quadro econômico paulistano, tendo a arquitetura como referência aos novos polos comerciais – o projeto em questão dispõe a primeira torre com frente à Avenida Paulista e a segunda posicionada ao fundo do lote, com lateral aberta à Alameda Ministro Rocha Azevedo, organizando os volume em torno de um suntuoso jardim projetado pelo arquiteto paisagista Luciano Fiaschi. Com forrações em diferentes espécies vegetais e tons de verde, conforma um extenso tapete vegetal retangular com desenhos numa harmoniosa combinação de linhas retas e curvas, remetendo-nos à imagens antropofágicas, quando visto de cima. Junto ao quadrilátero, uma grande fonte é instalada ao centro, garantindo frescor.

CETENCO Plaza. Image via Google Maps

A ausência de árvores e plantas pode parecer incomum em um primeiro momento, mas, devido a grande área sombreada decorrente do volume vertical, a forração por si só já garante o resultado, dispensando a implementação de árvores à garantia de sombra.

Além do quadrante vegetal principal, outros perímetros verdes são dispostos – um contornando a rampa de acesso ao estacionamento e um segundo, mais ao fundo. Dezenas de bancos são distribuídos ao redor, permitindo contemplação dos pedestres e funcionários dos edifícios comerciais, que metaforicamente, parecem estar analisando uma obra de arte, neste caso, viva.

A variedade de praças permite que a quadra aberta além dos dois principais eixos (frontal e lateral) ainda permita uma circulação ao fundo com acesso à Rua Frei Caneca.

Até o início deste ano, o jardim semi-público permitia a livre circulação do público em geral, que segundo Fiaschi “se isso acontecesse mais em São Paulo, ganharíamos muitos recantos tão agradáveis como este” [1]. No entanto, infelizmente, agora, o mesmo conta com muros de vidro que impedem a passagem e apenas visualizá-lo a partir da calçada.

Brascan Century Plaza

Paisagista: Benedito Abbud
Arquitetos responsáveis: Jorge Konigsberger e Gianfranco Vannucchi / Konigsberger Vannucchi Arquitetos Associados
Ano: 2000
Endereço: Rua Joaquim Floriano, 466 - Itaim Bibi, São Paulo - SP, 04534-002

Três torres elegantemente dispostas ao longo de um lote conformado pelas ruas Bandeira Paulista, Joaquim Floriano e Professor Tamandaré Tolêdo, resguardam um harmonioso espaço livre projetado por Benedito Abbud e que sistematiza notável integração entre arquitetura e paisagismo pela ordenação da vegetação, espelhos d'água e esculturas.

Brascan Century Plaza. Image via Google Maps

Com edifícios híbridos, a franca relação da quadra aberta aos pedestres garante que o espaço possa ser compartilhado como um shopping urbano ao ar livre. Cinema, comércios e praça de alimentação circundam o jardim, que se torna apoio à permanência.

Dos elementos dispostos, o bom uso dos componentes vegetais, diferentes pisos, áreas molhadas e construídas, garantem o sucesso da apropriação e preservação.

Indo na contramão dos edifícios comerciais dos anos 2000, o projeto construído exatamente no início do milênio parece garantir recursos espaciais em função da escala humana e não apenas da massificação e enclausuramento espacial. Abbud ainda exemplifica a apropriação:

“A Praça Brascan Century Plaza é frequentada por diferentes perfis de usuários ao longo do dia. De manhã, podem ser vistas babás com carrinhos de bebês, aproveitando o sol matinal. No meio do dia, há muita gente almoçando e saindo do ambiente fechado do escritório para desfrutar da sensação agradável do espaço aberto. Já no final da tarde, é o momento do happy hour, enquanto à noite o local é ocupado por aqueles que vão jantar. [...] Projetos paisagísticos como estes reavivam o conceito das praças abertas, trazendo de volta espaços de tranquilidade e área verde aos agitados bairros de grandes metrópoles, como São Paulo”. [2]

 Fundação Ema Klabin

Paisagista: Roberto Burle Marx
Arquiteto responsável: Alfredo Ernesto Becker
Ano: 1978
Endereço: Rua Portugal, 43 - Jardim Europa, São Paulo - SP, 01446-020

Inaugurada na década de 1970, a Fundação Ema Klabin contrapõe-se estilisticamente à construção vizinha, oposta do outro lado da Avenida – o Museu Brasileiro da Escultura (MuBE). Projetada em 1948 como moradia da artista plástica Ema Gordon Klabin, hoje conecta-nos à historia de sua obra. Com jardins minuciosamente desenhados e concebidos por Roberto Burle Marx, permite conhecer uma variedade de espécies botânicas. Seu prestígio era tão grande que todos os cômodos da casa voltam-se a ele, propiciando estratégicas visadas pela janelas da construção em estilo eclético.

Fundação Ema Klabin. Image via Google Maps

Junto às árvores, plantas e flores são dispostas ao longo de 1500 metros quadrados, além de um lago e orquidário.

 Praça Euclides da Cunha

Paisagista: Roberto Burle Marx
Ano: 1935
Endereço: Rua Benfica, Madalena, Recife, Pernambuco – PE

Popularmente conhecida como Praça do Internacional pelos pernambucanos, dada a posição frente ao Clube Internacional de Recife, a praça organiza dezenas de espécies botânica da Caatinga, principalmente na variação de cactos, em homenagem à obra literária de Euclides da Cunha, Os Sertões.

Praça Euclides da Cunha. Image via Google Maps

Com área caminhável assentada em pedras, o paisagista distribuiu ao centro do perímetro orgânico dois canteiros com os cactos maiores e circunda-os com outros dois canteiros lineares menores, que por sua vez, eram resguardados por uma terceira linha vegetal que delimitava a praça, evidenciando a ordenação frequentemente atribuída ao trabalho de Burle Marx.

Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), passou por um intenso processo de restauro entre 2003 e 2004 pela Universidade Federal de Pernambuco [3], após falta de preservação e descaracterização do projeto original.

 Praça da República do Pernambuco

Paisagista: Roberto Burle Marx
Ano: 1937
Endereço: Praça da República - Santo Antônio, Recife - PE

Frente ao Palácio do Campo das Princesas, o jardim neste caso, assim como outros importantes projetos paisagísticos ao longo de construções palacianas pelo mundo ou mesmo no Brasil, como é o caso do Museu do Ipiranga em São Paulo e Liceu de Artes e Ofícios no Rio de Janeiro, representa a força e beleza em conjunto à arquitetura.

Praça da República do Pernambuco. Image via Google Maps

Após convite em 1935 à tarefa de Diretor do Setor de Parques e Jardins do estado do Pernambuco pelo governador Carlos de Lima Cavalcanti, Burle Marx começa então, criar planos de ajardinamentos junto ao desenvolvimento urbano.  Entre os projetos, é responsável pelo restauro da Praça da República e jardim do Palácio do Campo das Princesas. Com um desenho simétrico, conservando os eixos originais do projeto (circulação principal e secundária) dispõe diferentes espécies botânicas na conformação e sensorialiedade do mesmo àqueles que transitassem-no.

Eixos também são delimitados por um conjunto de coqueiros e palmeiras dispostos linearmente garantindo o visual.

Praça Comandante Linneu Gomes / Edifício Garagem do Aeroporto de Congonhas

Paisagistas: Luciano Fiaschi e Rosa Grena Kliass
Ano: 2007
Endereço: Praça Comandante Linneu Gomes - Vila Congonhas, São Paulo - SP

Na cobertura do Edifício Garagem do aeroporto de Congonhas, a área que poderia ser inutilizada passa a incorporar um dos cinco cânones defendido por Le Corbusier – o terraço jardim – incorporando uma praça pública e área de lazer.

Praça Comandante Linneu Gomes. Image via Google Maps

Com pisos secos e ajardinados, une harmoniosamente diferentes materiais e tipos de vegetação. Placas de granito são elevadas da laje, permitindo um eficiente sistema de drenagem e facilidade à manutenção da rede de sistemas; pedras portuguesas marrom são colocadas soltas junto às áreas gramadas em desenhos sinuosos; Palmeiras de médio porte são dispostas dentro de vasos também desenhados pelos paisagistas.

Apesar da área não permeável restringir o uso de espécies vegetais de grande porte como árvores, as diferentes forrações garantem um agradável ambiente.

 Colégio Cataguases

Paisagista: Roberto Burle Marx
Arquiteto responsável: Oscar Niemeyer
Ano: 1949

No pequeno município localizado no estado de Minas Gerais, com cerca de 70 mil habitantes, a cidade de Cataguases é um exímio exemplo da reunião de significativas obras arquitetônicas como símbolo do potencial patrimônio moderno brasileiro.

Colégio Cataguases. Image via Google Maps

Das obras que ajudaram a construir seu legado, o Colégio Cataguases, fruto do desenho de Oscar Niemeyer, finalizado pouco depois do término do Conjunto da Pampulha em Belo Horizonte, denota o paisagismo como integrador das áreas púbicas e privadas.

Ao projeto escolar, o paisagismo e sua conformação são utilizados a fim de gerar planos arquitetônicos vegetais: árvores como planos de cobertura, garantindo sombra; e forrações, gramas e pisos secos delimitando áreas pisoteáveis e não pisoteáveis.

 Parque do Abaeté

Paisagista: Rosa Grena Kliass
Ano: 1992
Endereço: Itapuã, Salvador - BA, 41301-110

Com destaque pelo papel na inclusão social cultural, o Parque do Abaeté, em Salvador, foi criado como resgate à memória. No local, lavadeiras utilizavam os cursos d’água para lavar suas roupas – importante tradição local. No partido projetual, Rosa optou por criar a Casa das Lavadeiras, tanques destinados às lavadeiras de longa data e que a priori, a Prefeitura gostaria de retirá-las do local.

Parque do Abaeté. Image via Google Maps

 Edifício Parque Cultural Paulista

Paisagista: Roberto Burle Marx
Arquiteto responsável: Júlio Neves
Ano: 1991
Endereço: Alameda Santos, 74 - Cerqueira César, São Paulo - SP, 01419-000

Ao fundo da icônica Casa das Rosas junto a seus belos jardins floridos, o edifício com seus 21 pavimentos faz com que quem flane por seu térreo observe os poéticos muros concebidos pelo mestre do paisagismo brasileiro, Roberto Burle Marx. Com entrada pela Alameda Santos, os muros que delimitam o lote são transformados em verdadeiras obras de arte pelos painéis com os tradicionais desenhos quase antropofágicos do paisagista, que combinados à hibridez de pedras portuguesas numa variação de cores (branca, preta e marrom) junto a jardineiras de concreto, revelam que seu trabalho não restringe-se apenas à elementos vegetais, mas também artísticos.

Edifício Parque Cultural Paulista. Image via Google Street View

Os pisos na mesma pedra também criam desenhos de Burle Marx. Os painéis opostos um ao outro se encontram bem preservados.

Notas
[1] (FIASCHI, 2012).
[2] (ABBUD).
[3] (MAGALHÃES, 2012, p.126).

Referências Bibliográficas
ABBUD, Benedito. Disponível em: <http://www.beneditoabbud.com.br/comunicacao_assessoria_conteudo_2.asp?id=5>. Acesso em: 08 Jan 2018.

BURLE MARX, Roberto. Disponível em: <http://burlemarx.com.br/inicio/>. Acesso em 10 Jan 2018.

FIASCHI, Luciano. Teaser - 8 Visões da Paisagem. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?time_continue=59&v=nuSyp14Do8A>. Acesso em 08 Jan 2018.

KLIASS, Rosa. Rosa Kliass: Desenhando paisagens, moldando uma profissão. São Paulo: SENAC, 2006.

MAGALHÃES, Cristiane Maria. De Jardim em Jardim: Itinerário histórico pelas paisagens culturais brasileiras. p.126. Disponível em: https://publicacoes.unifal-mg.edu.br/revistas/index.php/cultura_historica_patrimonio/article/view/08_v1n1_ChP/11. Acesso em 10 Jan 2018.

PEREIRA, Matheus; PEDROTTI, Gabriel. Rosa Kliass: Poeta da paisagem. Archdaily Brasil. Acessado 10 Jan 2018.

Sobre este autor
Cita: Matheus Pereira. "Importantes jardins brasileiros pouco conhecidos" 24 Out 2019. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/887545/importantes-jardins-brasileiros-pouco-conhecidos> ISSN 0719-8906

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