Experiência como estagiário do OMA / Felipe SS Rodrigues

Poucos arquitetos, principalmente, estudantes de arquitetura, buscam grandes práticas profissionais com a ambição de enriquecerem seu repertório prático e intelectual, enquanto muitos almejam apenas rechear o seu currículo com nomes e logos; nos interessa apenas informar aos primeiros. Digo isso, não para excluir os últimos, mas porque, para eles, será mais difícil competir por uma vaga diante dos  verdadeiramente determinados, genuinamente motivados. Pouco nos interessa  também  aqueles que trabalham num escritório e noutro ao sabor das oportunidades, mas aqueles que lapidam sua trajetória ancorando-se nos personagens que compartilham sua visão, independente de qual ela seja, que buscam em cada trabalho, acadêmico ou profissional, uma oportunidade de manifestação de sua concepção arquitetônica. Faço das palavras de um arquiteto sênior que retive na memória as minhas, e eis a razão.

Já devem ter observado os requisitos básicos para novos colaboradores do OMA: enorme talento projetual e gráfico, grande habilidade nos instrumentos e softwares de arquitetura, muita experiência profissional – sempre antecedido por um superlativo intimidador. De fato, não estão escarnecendo, querem os melhores colaboradores que as faculdades mentais permitirem – como toda boa prática deveria perseguir. Contudo, a estratégia não está em selecionar estes super-arquitetos ou super-estudantes, muitas vezes inexistentes, mas fazer a triagem somente daqueles que se sentirem confiantes na sua própria capacidade, com auto-estima capaz de ignorar qualquer deficiência que sua formação possa apresentar, e inscrever-se no programa convicto. A seleção por auto-estima, fica quase evidente sob o requisito Confiança para trabalhar em um ambiente complexo e internacional, à principio, uma capacidade que todos supõem possuir. A mesma auto-estima petulante, subliminarmente demandada no processo de seleção, será necessária na manutenção do programa ao ingressar.

© Felipe SS Rodrigues

"Para falar mais diretamente sobre o tipo de ambiente que Rem [Koolhaas] criou e outorgou; criou uma situação em que a inspiração pode surgir de qualquer lugar. Criou o espaço para que os outros sejam inspirados. Este tipo de ambiente é completamente diferente de qualquer outro tipo de studio que eu tenha testemunhado. E é diferente porque, primeiramente, é horizontal. Pessoas não familiarizadas com este processo, por exemplo quando chegam novos estudantes e arquitetos, a primeira percepção é de que se trata de um ambiente muito agressivo. No instante em que se sugere algo, imediatamente encontra-se muita resistência e muito ataque. E muitas vezes levam para o pessoal. Com o tempo percebem que o processo não é sobre atacar pessoas. Se for válida uma reação, vamos reagir, e vamos reagir com força, e a reação será para tentar desconstruir a ideia, para ver se há validade". O depoimento, do ex-OMA, Joshua Prince-Ramus, no filme Rem Koolhaas: A kind of Architect, se aproxima na explicação do ambiente complexo e internacional no qual será inserido o novo colaborador; uma vez que o candidato avançou no processo, composto por uma ou duas avaliações de portfólio e entrevistas por skype – normalmente com dois arquitetos experientes presentes.

São muitas as dúvidas no modo como criar um portfólio adequado, especialmente para o OMA. Embora compreensíveis, não deveriam ser motivo de angústia. O portfólio nada mais é do que a coleção dos trabalhos realizados até a presente data. Para tristeza daqueles que cabularam as aulas de projeto na faculdade, um portfólio consiste de projetos, das ideias que eles contêm. E no recorte para a apresentação, basta apenas que a ideia, que o ato de concepção, se sobressaia. Tendo convivido com estes examinadores, é possível afirmar que são ocupados e têm pouco tempo para ler, analisar profundamente, ou interpretar malabarismos. Excelentes arquitetos e ávidos pesquisadores, na velocidade de uma página por segundo, saberão pausar se houver razão para isso. No caso deste escritório, o conteúdo do portfólio se sobrepõe à estética do documento; o Projeto de Portfólio jamais deveria se sobrepor ao Projeto de Arquitetura. Faça-o invisível.

© Felipe SS Rodrigues

Enquanto no Brasil, o estágio é concomitante aos estudos acadêmicos, na Europa, boa parte dos cursos universitários reserva o ano posterior ao bacharelado – muitas vezes no intervalo de uma seqüência natural de mestrado profissional – para a atividade prática. Esta diferença entre os cursos faz com que o estudante brasileiro seja um dos mais jovens da equipe, ao mesmo tempo que dispute por uma vaga com outros mais experientes.

Em um escritório com algumas centenas de pessoas, seria indevido descrever um tipo de liderança padrão. Como em um grande ateliê de projeto, em que cada professor lidera um grupo de alunos, no OMA, cada arquiteto-líder conduz, sob seus auspícios, um grupo de trabalho. Dentro destes grupos, divididos e correlacionados pelo país de intervenção, não há, como afirmado por Prince-Ramus uma hierarquia definida; há sim, a responsabilidade do líder com o cronograma e o fluxo de atividades – prova disso, é de que naquele momento circulava a informação que o esquema inicial para a Biblioteca Nacional do Qatar havia sido a sugestão casual de um dos interns (estagiário). Mesmo nas reuniões com Koolhaas, quando a equipe era questionada, Rem – na condição de mestre e observador externo – aguardava a análise de cada membro do time antes de proferir a sua própria; a figura do estagiário sendo apenas contratual, quando se espera na verdade, a participação integral e indistinta. Se porventura, o trabalho a ser executado dependa de uma das habilidades que lhe faltou na seleção, será convidado a atualizar-se imediatamente, e da maneira mais eficiente. Não saber é um estado temporário e inaceitável.

© Felipe SS Rodrigues

Cada projeto de arquitetura, também é um projeto de pesquisa. No OMA, apenas a partir da compreensão integral do que existe é que se propõe novas abordagens. O AMO foi criado, justamente, para nomear um processo de pesquisa que notou-se ser elementar na proposição de edifícios. Na ocasião, elaborávamos o projeto urbano e arquitetônico para condensar toda a mídia e televisão de um país dos Emirados Árabes em um único novo sítio. 70%, dos seis meses daquele projeto, foi dedicado à compreender o funcionamento de uma rede de televisão, dos escritórios e studios; 20% foi dedicado à elaboração de um esquema de arquitetura, e 10% à sua execução. Sem a compreensão plena de como havia sido, e mais ainda, de quais eram as últimas estratégias, tanto espacial quanto econômica, das maiores empresas de televisão do mundo até a data, não teria sido possível elaborar um esquema de arquitetura pertinente e de vanguarda – marca registrada do escritório. Parte desta segurança propositiva é garantida também pela diversidade na composição das equipes. Koolhaas espera – e afirmou algumas vezes – que pelo menos um dos integrantes da equipe seja do país objeto da intervenção e que os demais sejam de países diferentes, preferencialmente de continentes distintos; cada membro, é de certa maneira, correspondente arquitetônico de seu país de origem.

Por último, destaco a cultivação do método contra-intuitivo e da estética do estranhamente familiar. O OMA é o lugar de encontro dos insatisfeitos com o convencional, insaciados pela plástica perfeita e circunstância de conforto; são décadas de trabalho, vacinadas contra discursos da moda e narrativas passageiras - do coolness, do falso ambiental, do falso social, do falso político. De dentro é possível averiguar que o termo starchitect, ingenuamente cunhado, ignora por completo o trabalho e determinação de longa data destes arquitetos, em uma tentativa de minimizá-los em sua empreitada sem paralelos. Da cultura de trabalho proposta pelo Office for Metropolitan Architecture, às vezes internamente desviada e substituída pela "crença na própria cultura", pode-se esperar a tradição em pensar - tradition in thinking! - como disse algumas vezes o diretor do OMA de Nova Iorque, Shohei Shigematsu. Certamente, esta experiência profissional entra no hall daquelas experiências pessoais transformadoras, para o bem e para o mal. A "quebra do ídolo" pode representar um ponto de inflexão na trajetória de um arquiteto; este poderá seguir fortalecido da nova experiência, ou fazer sentir saudade da imagem projetada e fantasiada da figura pública de Rem Koolhaas e do OMA.

Felipe SS Rodrigues é mestrando (FAU Mackenzie, 2017) e estagiário docente na mesma instituição, no curso Arquitetura no Brasil II; com estudos complementares na New Jersey Institute of Technology (2012) e no Pratt Institute em Nova Iorque (2013). Colaborou com o arquiteto Isay Weinfeld (2011) e com Rem Koolhaas no OMA de Roterdão (2013).

Sobre este autor
Cita: Felipe SS Rodrigues. "Experiência como estagiário do OMA / Felipe SS Rodrigues" 28 Jun 2017. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/874569/experiencia-como-estagiario-do-oma-felipe-ss-rodrigues> ISSN 0719-8906

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