Cinema e Arquitetura: "Minority Report"

Steven Spielberg é um renomado cineasta cujo trabalho sempre se caracterizou por mostrar um alto padrão de qualidade, não sempre perfeito, mas que confere aos seus filmes um contexto formidável em que a fantasia pode se desenrolar sem problemas e o espectador é verdadeiramente transportado a um mundo o qual quase pode tocar com a ponta dos seus dedos.

Para Minority Report, três anos antes da filmagem, Steven reuniu uma comitiva de quinze especialistas de várias áreas como arquitetura, ciência computacional e biomedicina, para que imaginassem como seria o mundo no futuro. Isso levou à criação da "bíblia de 2054", um guia completo de oitenta páginas em que se detalhou o funcionamento econômico, social e tecnológico que mais tarde se converteria no contexto do filme.

Entramos então, na cidade de Washington D.C, onde graças ao desenvolvimento da tecnologia e a manipulação genética, o departamento de justiça conseguiu prever o futuro através de uma visão premonitória nos sonhos de três jovens que são mantidos em completo êxtase graças à poderosas drogas. Tal sacrifício, mais tarde averiguaremos, é de forma obrigatória e esconde um passado tortuoso, cheio de abusos e autoritarismo.

Essa imposição ao indivíduo repete-se da mesma maneira em relação à sociedade. Ela se apresenta, à primeira vista, como um futuro brilhante, próspero, cheio de paz e com grandes comodidades ofertadas por uma atrativa tecnologia, mas na verdade, não passa de uma sociedade dominada pelo medo. Aqui as presenças ameaçadoras da sociedade já não são criminosos, mas sim a própria justiça cujos olhos acompanham todos os aspectos da vida diária dos seus cidadãos.

A sociedade mostra-se eficiente e sofisticada. O fator caos desapareceu da vida diária graças à um ambiente automatizado. Entretanto, centenas de câmeras por todos os cantos da cidades detectam cada um dos habitantes nas suas atividades, vigiando suas ações, fazendo com que perdessem qualquer intimidade que pudessem ter dentro do espaço público. É uma sociedade que para melhorar suas condições de segurança cedeu o controle das regras e leis à tecnologia, uma sociedade que aprendeu a obedecer e não questionar.

A cidade de Minority Report aparece desumanizada. É uma cidade mecanizada que vem à tona como um grande sistema inteligente, onde o homem é distanciado de muitas atividades diárias com a finalidade de aumentar a produtividade e fluidez. Dentro das lojas de departamento já não existem humanos, somente projeções holográficas que recebem o cliente; as fábricas funcionam de maneira autônoma e sem a necessidade de supervisão; pelas novas e vertiginosas rodovias, os automóveis se conduzem sozinhos e os humanos convertem-se em simples passageiros.

A tecnologia não somente possui um papel fundamental na vida diária das pessoas, mas também sua presença transformou a configuração clássica da cidade moderna. Isso pode ser visto, sobretudo, nas novas rodovias, cujo desenvolvimento é tanto vertical como horizontal, e sua extensão resulta em uma prolongação da arquitetura dos grandes arranha-céus.

Nos encontramos frente a um determinismo tecnológico. O urbanismo e a arquitetura são simples resultados da tecnologia? Minority Report nos oferece um panorama alternativo sobre o desenvolvimento humano e nos mostra o perigo de um modelo de cidade desumanizada. 

A Adaptação

O relato, de nome homônimo do filme, foi escrito pelo famoso escritor de ficção científica Phillip K. Dick em janeiro de 1956. Nele se especula sobre a predestinação e a possibilidade de alterar nosso futuro se somos capazes de conhecê-lo de antemão.

O filme é muito fiel a estrutura do relato original, entretanto, apresenta algumas diferenças quanto sua estética e contexto, que responde claramente a diferença de anos entre ambas obras. A estética do conto é a que mais diferenças apresenta, de um mundo muito menos tátil, para um mais analógico e muito menos sofisticado.

No livro original, os três PreCogs são mutantes que podem ver o futuro, no entanto são seres deformes, mentalmente atrasados que estão conectados a pesados computadores. Suas premonições são diversas e geram um grande número de futuros alternativos os quais são somados para chegar a um veredito único conhecido como "o relatório da maioria".

O personagem de Anderton difere muito da figura atlética de Tom Cruise, ao ser uma pessoa calva, gorda e velha, mas que, igualmente, possui uma grande fé no sistema e quando esse o marca como culpado, a concepção da sua realidade é questionada ao mesmo tempo em que ele foge para provar sua inocência.

CENAS CHAVE

1. Nova configuração do Panorama Urbano

O avanço da tecnologia, oferecendo um sistema de levitação magnética, altera por completo o modo de descolar-se pela cidade. A infraestrutura se fusiona com a arquitetura.

2. Determinismo Tecnológico

A tecnologia condiciona de maneira absoluta a forma da cidade? O homem é substituído pela máquina para oferecer uma rodovia limpa e sem tráfego. 

3. Novas Fronteras para o Urbanismo

A tecnologia oferece uma nova configuração de urbanismo. A rodovia sobe por grandes arranha-céus oferecendo um novo panorama no modelo de "rua fechada". (Locked Down).

4. Redesenho da Arquitetura Doméstica

Os novos meios de transporte também oferecem uma mudança de configuração dentro do lar. A garagem torna-se um simples elevador diretamente conectado a rodovia.

5. Fachadas Midiáticas 

Andar pelas ruas a meia noite tornou-se algo seguro graças ao sistema. Entretanto, os edifícios incorporam enormes telas tecnológicas que oferecem ao pedestre mensagens mercantis. 

6. Publicidade Invasiva

Dentro do espaço público, numerosos anúncios holográficos abordam o cidadão de forma personalizada. Caminhar perdeu todo seu anonimato, resultando em uma atividade agoniante. 

7. Novas Tecnologias / Computação Gestual

De uma estética atrativa, a tecnologia presente no filme serviu de inspiração para a atualidade. Grandes telas flexíveis obedecem os gestos das mãos de seus operários. 

8. Projeções Holográficas

Não somente modificaram a configuração da publicidade, mas também os espaços dentro do lar. Anderton olha com tristeza velhas recordações na solidão do seu apartamento.

9. Alta Tecnologia a serviço da Lei

Para combater uma criminalidade alarmante, a justiça é feita da tecnologia mais atual. Entretanto, ela não altera a essência do homem que é suscetível a corrupção. 

10. O Desenho de uma Utopia / LEXUS 2054

Desejosos de um futuro credível, o diretor encarregou o desenhista Harald Belker de projetar o veículo do futuro, que resultou em um desenho fantasioso com um motor elétrico e grandes sistemas de segurança.

11. Manipulação Genética

Uma vez vencidos os criminosos que mantinham a cidade sequestrada, as ruas se enchem de crianças que saem pedindo doces. O espaço público volta para as mãos dos seus verdadeiros donos.

12. A Liberdade Condicionada / Privacidade Perdida

Pequenas "aranhas" robóticas inspecionam a população dentro da privacidade do seu lar. As pessoas cedem a integridade de sua liberdade com a promessa de uma vida sem prejuízos.

13. Filtro Sépia / Ambientes Degradados

Apesar dos avanços tecnológicos, a cidade continua apresentando áreas marginalizadas, decadentes e sujas, onde a delinquência e os marginalizados se refugiam. 

14. Filtro Cinza / Ambiente Carcerário 

Anderton visita a prisão de PreCrimen em busca de respostas. Predomina o uso do concreto nos materiais com um cinza deprimente, incomodando e pressionando o espectador. 

15. Filtro Azul / Ambientes Tecnológicos

A luz natural foi substituída por completo pela artificial, da mesma maneira em que o homem foi substituído por completo nos processos de produção.

16. Filtro Branco / Ambientes Públicos

As áreas desenvolvidas da cidade são apresentadas arrumadas e seguras como uma grande zona comercial. A luz enfatiza a cor dos produtos e convida o público a comprar. 

17. Filtro Natural / Ambientes Naturais

Perseguido, Anderton foge da cidade em direção ao subúrbio. Distante da tecnologia, o panorama é mais natural e a luz solar ilumina todos espaços. 

18. Filtro Quente / Novo Amanhecer

No fim da história, os Precogs encontram paz no campo. Hoje em dia, o papel da cidade pós-moderna está sendo questionado a medida em que as pessoas procuram refúgio longe dela.

FICHA TÉCNICA

Data de Estreia: 17 de Junho 2002
Duração: 145 min.
Gênero: Ação / Ficção Científica
Diretor: Steven Spielberg
Roteiro: Scott Frank / Jon Cohen
Fotografia: Janusz Kaminski
Adaptação: Homônima / Phillip K. Dick

SINOPSE

No ano 2054, o crime foi erradicado. O futuro pode ser previsto e os culpados são condenados antes mesmo de cometer um delito. Na unidade de elite do PreCrimen todas as provas para condenar alguém são vistas pelos PreCogs, três seres psíquicos cujas visões nunca falham.

Dentro do PreCrimen ninguém trabalha com mais dedicação que John Anderton, que confia cegamente do sistema para evitar que sua tragédia pessoal se repita. Anderton não tem motivos para duvidar do sistema... até o momento em que ele mesmo se torna um suspeito de assassinato.

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Sobre este autor
Cita: Altamirano, Rafael. "Cinema e Arquitetura: "Minority Report"" [Cine y Arquitectura: "Minority Report"] 10 Out 2014. ArchDaily Brasil. (Trad. Camilla Sbeghen) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/734010/cinema-e-arquitetura-minority-report> ISSN 0719-8906

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