O Espelho e o Manto: ajuste e desajuste no corpo arquitetônico / Fernando Pérez Oyarzun

I O Corpo e sua dupla distância

A experiência do nosso corpo tem a particularidade de que nos aparece simultaneamente cercana e longínqua. Efetivamente, o corpo apresenta-se a nós, em primeiro lugar, em nossa experiência de vinculação com o mundo, sem que sua própria contextura física apareça demasiado evidentemente. Fazendo um símil arquitetônico, podemos pensar na realidade de uma janela que não aparece em primeira instância referida a si mesma senão mais bem à paisagem sobre a qual se abre. Nesse contexto, podemos falar de um primeiro corpo quase invisível; de uma presença transparente.

No entanto, o corpo também é perceptível a nossos próprios sentidos como parte desse mundo, e é precisamente essa experiência, a que nos permite contemplar a nós mesmos, de maneira similar a como poderíamos perceber um edifício.

A percepção de nosso corpo exige então, desde a origem, uma dupla distância de compreensão.[1]

Essa relação complexa exigida por nossa compreensão do corpo humano marca fortemente a condição do corpo arquitetônico, com que está intimamente ligado. É verdade que essa conexão não se fez sempre presente nem da mesma maneira nem com a mesma força. De fato, houve momentos nos quais desapareceu todo o interesse no tema.[2] No entanto, sua reaparição na cena da discussão arquitetônica, ainda quando seja a partir de pontos de vista muito diversos, faz presente a profundidade e a permanência dessa relação.

A maneira em que a complexidade da experiência do corpo humano se transmite à realidade do corpo arquitetônico, pode ser sintetizada afirmando que o corpo arquitetônico já figura, já se adequa, às possibilidades do corpo humano. Solo e muro, suporte e figura, essa peculiar relação entre corpo humano e corpo arquitetônico consiste em que o edifício simultaneamente o contém e o enfrenta.

Por outro lado, o corpo humano não é uma realidade estática e uniforme senão mais bem fluente e cambiante, como tampouco é idêntica a percepção que desse corpo vamos tendo ao longo da história. Em seu crescer ou declinar, em sua contextura cambiante, em seu mover-se e gesticular, falar do corpo é falar de uma multiplicidade de corpos e multiplicidade de compreensões e representações suas. Assim, podemos chegar a pensar que há em cada corpo arquitetônico um corpo humano escondido; um corpo que simultaneamente abriga e representa.

Este trabalho quer perguntar-se sobre essa dupla condição do corpo arquitetônico e sobre as relações de ajuste que ele estabelece com o corpo humano.

II O Espelho e o Manto: um corpo para o corpo

Ao mesmo tempo permanente e cambiante, a referência do corpo arquitetônico ao corpo humano parece se mover em torno a dois polos fundamentais. Eles podem ser remetidos às figuras do espelho e do manto.

Na primeira delas, o edifício visto como espelho, se apresenta erguido frente a um corpo humano ao que olha, e no qual se olha. O edifício desempenha então o papel de um outro frente a nós. Um outro que aspira simultaneamente à equivalência e à autonomia. Que quer ser igual em compostura, em beleza e até em vitalidade. Que quis aparecer alegre ou sofrido; feminino ou masculino; agressivo ou convidativo. O corpo humano surge nesse contexto como o supremo paradigma da arquitetura e é frequentemente a mediação da geometria que se solicita para fazer o papel de interface entre a realidade da anatomia e a do corpo construído.[3]

Todos os intentos de conceber antropomorficamente a arquitetura; desde a mais literal à mais abstrata; desde a mais parcial, por exemplo referida puramente à coluna, até aquela que sonha com fazer um corpo de todo o edifício, reconstroem essa situação frontal de um sujeito frente a um espelho. A arquitetura aparece então como uma cena habitada por personagens construídos. Uma paragem habitada pela própria arquitetura, que se oferece a ser explorada por um expectador indiscreto.[4]

No segundo caso, o edifício como manto, nos envolve numa experiência tão próxima como o corpo mesmo, e por tanto igualmente invisível. Assume assim uma condição de corpo sobre o corpo, quase de segunda pele, que qualifica, abriga, intermedia. Desde o sensualismo à antropometria, desde o olho de Ledoux até o Modulor de Le Corbusier, aparece uma arquitetura que, em versões mais ou menos ajustadas, faz um corpo sobre o corpo: um sarcófago ou um vestido.

Historicamente, parece produzir-se uma alternância, segundo a qual a atenção a uma ou outra condição do corpo arquitetônico resulta ser especialmente destacada. Na tradição da tratadística clássica, incluindo o Renascimento, é a percepção do corpo humano como modelo complexo da arquitetura, a que assume o papel preponderante e a que aparece como uma poética viva. Durante o século XVIII, em câmbio, os assim chamados arquitetos revolucionários perderam a fé nessa condição paradigmática do corpo, para passar a considerá-lo uma sorte de determinante categórica do projeto. Com variantes, um fenômeno similar ocorre com os arquitetos do movimento moderno, para quem qualquer adesão explícita a um modelo antropomórfico resultava inaceitável, e em câmbio, como ocorre com o Modulor de Le Corbusier, as possibilidades de ação do corpo chegam a ser concebidas como geratrizes do projeto. No entanto, apesar de todas essas oscilações históricas, ou talvez precisamente por causa delas, parece impossível eliminar completamente uma das concepções do corpo arquitetônico em favor da outra. Mais ainda, ambas parecem estar intimamente vinculadas entre si.

É possível então conceber um espaço arquitetônico no qual a presença do espelho e do manto sejam simultaneamente pensadas? Onde a figura da arquitetura esteja à vez presente e ausente?

Por outro lado, aceita essa íntima conexão entre arquitetura e corpo, qual é, por assim dizer, o grau de ajuste que ambos admitem? É possível conceber um espelho que replique exatamente o corpo, ou um manto à medida?

III Desajuste geométrico em Leonardo

O desenho da academia de Leonardo é sem dúvida alguma uma das interpretações mais originais e sensíveis da passagem do Livro III de Vitrúvio onde se propõem as relações fundamentais entre o corpo humano e o edifício dos templos.[5] O desenho por si mesmo belo, sensível, preciso, parece representar um corpo concreto[6] e não um genérico como a maioria dos outros intentos por ilustrar a mesma passagem. No entanto, sua originalidade maior se encontra no intento por representar em uma só figura a dupla referência de Vitrúvio ao quadrado e ao círculo. Cesariano e Perrault o fizeram através de dois desenhos independentes. Para conseguir essa expressão sintética, Leonardo não recorre ao expediente de dividir o corpo verticalmente em duas metades como faria posteriormente Scamozzi, sem prestar demasiada atenção nem às proporções e nem à complexidade anatômica do corpo. Leonardo, em câmbio, deixando imóvel o tronco, produz um ligeiro deslocamento de pés e mãos para ajustar-se ao círculo. Sendo um, o corpo alude a uma multiplicidade gestual; a suas possibilidades de movimento.

Levando a cabo esse intento, Leonardo propõe uma muito especial relação entre quadrado e círculo. Se se olha com atenção a figura, se poderia comprovar que o quadrado não está nem exatamente inscrito nem circunscrito no círculo. Mais ainda, as observações de Leonardo parecem indicar que para verificar a afirmação de Vitrúvio é necessário que o quadrado exceda ligeiramente ao círculo no ponto de encontro deste e das mãos, provocando um ligeiro desajuste entre ambos.

Esse desajuste, que parece ser um detalhe muito menor no desenho da academia, começa a aparecer como relativamente constante se observarmos as ilustrações desenhadas pelo próprio Leonardo para De Divina Proportione de Luca Paccioli. Elas vão estabelecendo uma contínua dialética entre geometria e anatomia. A geometria aparece assim como uma sorte de sutil estrutura subcutânea, que nunca subordina completamente a arquitetura anatômica.[7]

Essa relação complexa entre geometria e anatomia, colocada pelo pensamento morfológico leonardiano, propõe um ponto de vista sugestivo para compreender as relações entre corpo humano e a arquitetura. Desse modo, a partir do desenho de Leonardo, é possível examinar os múltiplos temas propostos por Vitrúvio desde o que poderíamos denominar uma ótica do desajuste.

IV O ajuste anatômico: o corpo arquitetônico como espelho encantado

A intenção de alcançar um ajuste literal entre anatomia e arquitetura fica, em câmbio, bem patente em alguns dos desenhos com que Di Giorgio Martini e Filarete ilustram seus tratados de arquitetura. À diferença da posição de seu contemporâneo Alberti, mais atento ao princípio da vitalidade como garante da coerência interna entre os membros do edifício, Di Giorgio e especialmente Filarete levam a metáfora à comparação e à alegoria[8].

Francesco Di Giorgio parece querer aproximar tanto quanto seja possível a configuração do corpo à do edifício, embora sem chegar à reprodução literal. A planta, a elevação e o corte querem indicar de que maneira há no corpo do edifício uma anatomia escondida que permite construir uma correspondência biunívoca entre membros anatômicos e elementos construídos.

Em Filarete, em câmbio, o edifício aparece literalmente constituído e habitado por corpos, ao ponto de configurar um mundo fechado que quase não requereria outros habitantes. O edifício assim, presa de sua própria metáfora inspiradora, se autonomiza como o corpo ao ponto de sonhar com habitar a si mesmo.

Esse intento de extremar a analogia corporal parece, em definitiva, levar à dissolução do corpo arquitetônico, forçado a se pôr ao serviço de uma figuratividade que lhe é estranha. Como no elefante triunfal de Ribaut ou no Palácio dos Sovietes de Iofan, a especificidade da arquitetura como espaço habitável se vê reduzida a um papel subordinado.

O ajuste literal à anatomia se revela então impossível. A potência da metáfora anatômica se faz em definitiva mais frutífera e mais sugestiva quando, conservando a distância justa, faz com que o corpo resulte como sugere Valery, não a aparência mas o segredo do edifício[9].

A definição dada pelo teórico chileno Juan Borchers[10] da arquitetura como “física feita carne”, põe o acento precisamente nesse apartar-se da arquitetura de toda aplicação simples de princípios ou realidades externos à ela. A ideia da física feita carte vem a precisar que a irrenunciável condição de arte física da arquitetura, sublinhada desde Alberti a Schopenhauer, não a reduz puramente ao campo dos fenômenos nem das leis físicas, assim como o corpo não fica determinado só por sua condição biológica. Reduzida à fórmula de qualquer tipo, apartada dessa fisionomia corporal, a arquitetura termina perdendo sua condição de tal, ou ao menos perdendo boa parte de sua fortaleza e intensidade.

V O Ajuste Perceptivo e Motriz

Provavelmente se deva a Descartes uma das primeiras formulações em que aparece o corpo como articulador dos sentidos e não como um objeto construído. Concebido então como máquina sensível, o ajuste à realidade do corpo deixa de ser primordialmente morfológico para transformar-se num intento de adaptação às leis dos sentidos.

O corpo arquitetônico passa assim a ser concebido a partir desse momento como um corpo sobreposto ao corpo humano. Essa noção desenvolve-se em duas versões fundamentais. A primeira delas, embora presente na tratadística clássica, é formulada com claridade no século XVIII, quando se propõe o afinamentodo corpo arquitetônico à realidade dos sentidos e às leis da percepção. É esse o significado que, tanto a elementaridade geométrica como a desmesura, adquirem na obra de Boullée[11]. Ambas se entendem só a partir desse esforço por extremar e intensificar a realidade dos sentidos. No entanto, nesse trajeto que vai desde o olho de Ledoux ao retrato de Mae West de Salvador Dalí,[12] a sujeição radical à realidade dos sentidos acaba em ilusão ótica. A ditadura dos sentidos termina exigindo, novamente, a dissolução do corpo arquitetônico.

A segunda versão tem a ver com uma relação, não tanto visual, mas tátil e motriz entre corpo e edifício. Presente de maneira mais bem débil na teoria clássica, ela parece perfilar-se com mais força desde o século XIX, quando a propósito da noção de escala Viollet Le Duc sugere o contato direto dos tamanhos reais do corpo e edifício[13].

Essa relação 1:1 de um sujeito em movimento com a contextura imóvel do edifício aparece bem clara em alguns desenhos e baixos relevos de Le Corbusier. Neles a figura do Modulor, reduzida a pura silhueta chega a se fazer um elemento mais do edifício.

No entanto, novamente a busca de um ajuste perfeito e radical à realidade móvel e tátil do corpo leva aos limites a realidade mesma do corpo arquitetônico. Isso talvez não possa ser melhor percebido que em algumas das utopias da década de sessenta, como aquelas imaginadas por Archigram, nas quais a proximidade entre o vestido e o edifício só é parangonável à do sarcófago.  Elas são a culminação de um esforço por conceber a arquitetura desde o espaço mínimo e entender o edifício como uma luva que calça fisicamente com o corpo. Ainda quando consideramos aqueles como exemplos extremos, os intentos por tecnificar os sistemas anatômicos de medidas levam a cabo uma operação virtual de natureza parecida. De passo, eles supõem a existência de um corpo estável, que não cresce nem decresce, e reduzem as variações de um indivíduo a outro a uma média estatística.

É que, inevitavelmente, o ajuste é figura e o manto é espelho. Se pensarmos em dois intentos por ajustar projetos de móveis à figura humana recostada, separados entre si por mais de sessenta anos, talvez possamos fazer mais patente esse fenômeno. Tanto na chaise-longuè de Le Corbusier como na biblioteca de Francesco Venezia, parece haver-se querido ajustar sensivelmente uma forma à figura do corpo recostado. No entanto, ambas as propostas não se consumam no ajustar-se confortável ao corpo que recebem. Sua própria configuração alude, em todo momento, a um certo corpo e a uns certos gestos do corpo que estão em posição de receber. Ainda que em ausência desse corpo.  Adequação e figuração são neles as duas caras de um mesmo projeto.

Quando Alberto Cruz e o Instituto de Arquitetura da Universidade Católica de Valparaíso[14], por um lado, e Juan Borchers, pelo outro, embora desde pontos de vista distintos, propõem a ideia de ato como fundamento e ponto de partida da arquitetura estão, sem dúvida, sublinhando uma referência ao corpo que não é completamente figurativa[15]. No entanto, em sua proposta, a irredutibilidade desses mesmos atos a funções, a exigência de formalização, ou sua interpretação poética, impedem qualquer possibilidade de um ajuste biunívoco entre corpo e arquitetura.

VI O corpo arquitetônico não é qualquer corpo

O corpo arquitetônico, então, quando o apreciamos como tal, resiste a qualquer operação de ajuste. Escapa. Reclama sua anatomia. A lição final da anatomia do corpo arquitetônico é o escape da redução geométrica, da radicalidade do algoritmo, da ditadura das metodologias. É a resistência a ser manipulado como um puro instrumento. A reserva de seu próprio mistério. O corpo arquitetônico é um corpo que exige distância e acaso, como nosso próprio corpo, uma distância dupla.

No entanto, ainda nessa radical exigência de distância, o corpo arquitetônico nunca pode abandonar uma referência ao corpo humano que é em definitiva sua única fonte de sentido. Mais explícita ou menos, mais literal ou mais abstrata, a proposta do corpo arquitetônico não pode ir senãodirigida a um corpo humano ao que a la vez modela e abriga; cujos movimentos configura e cujos sentidos afeta, depura, põe à prova.

O corpo arquitetônico apresenta-se a nós na mesma relação de cercania e lonjura que nosso próprio corpo, cuja condição radical figura. Em rigor, não é que o corpo arquitetônico seja só uma imagem que imita nosso corpo como realidade constituída, senão que é o próprio edifício quem revela e descobre uma compreensão do nosso próprio corpo: em sua cercania e em sua estranheza; em sua vitalidade e sua contextura.

A afirmação de Rimbaud em sua carta a Izambard põe de maneira sintética essa realidade de identidade e estranheza simultânea: «Eu é um outro» (je est um autre)[16]. Uma exigência radical de descobrimento permanente.

O corpo arquitetônico nunca se ajusta então como um vestido feito à medida: nem à geometria, nem à anatomia; nem aos sentidos nem aos movimentos. Quando nos reflete, como no espelho mágico da madrasta da Branca de Neve, aparece a imagem desse outro que somos nós mesmos.

Se o corpo arquitetônico exige então uma distância frente a todo modelo e a toda matriz, essa é a mesma distância que exige nosso corpo, nessa sua dupla condição, que testemunha o mistério sagrado da nossa própria origem.

Notas
[1] Não se propõe aqui uma excisão radical entre corpo e mundo, nem se sugere uma aproximação ao corpo como um objeto qualquer inanimado. Mas bem se quer sublinhar a significação arquitetônica desse câmbio de enfoque, por chamá-lo de algum modo, que põe em determinadas ocasiões em primeiro plano de atenção o corpo com toda a sua complexidade formal, ou o retrotrai a uma distância em que quase desaparece como uma presença física. Tal vez se trate de dois extremos de uma única e complexa experiência.
[2] É um fato conhecido a maneira em que, por exemplo, J.N.L. Duran nega a validade do corpo humano como fundamento arquitetônico. Para a maioria dos arquitetos modernos, e apesar do caso de Le Corbusier e seu Modulor –ademais operando num sentido diferente do antropomorfismo clássico– a referência morfológica, não mensurável, ao corpo tem sido vista como um assunto de interesse histórico, ou ainda estético, que permite explicar motivações de arquitetos do passado.
[3] Como de fato os edifícios, salvo casos muito excepcionais, não se assemelham a corpos humanos, se recorre a relações mensurais ou formais abstratas. Nesse último caso, geralmente é a geometria a que, abstraindo tanto as formas específicas do corpo como as do edifício, se faz de comum denominador entre ambos.
[4] A intensificação dessa condição cênica da arquitetura, que com variantes podem ser encontradas desde o Egito até nossos dias, onde os elementos arquitetônicos assumem a condição de personagens, permitem imaginar a ficção de uma arquitetura habitada por si mesma.
[5] Essas relações são basicamente a comensurabilidade dos membros, a origem antropomórfica de alguns sistemas e medidas e as relações do corpo com figuras geométricas específicas como o quadrado e o círculo.
[6] Foi sugerido que poderia se tratar de um autorretrato de Leonardo.
[7] Tentando encontrar uma explicação para essas variantes da anatomia, alude-se em De Divina Proportione à possível constância da estrutura óssea e às variantes da musculatura.
[8] A primeira edição de De Re Aedificatoria de Alberti não continha desenhos, porém mais além dessa circunstância, podemos comprovar que Alberti é extremamente prudente em estabelecer relações demasiado literais entre corpo e arquitetura. Parece estar mais interessado em questões mais globais como a relação orgânica entre as partes de um edifício.
[9] “Oh, doce metamorfose. Esse templo delicado, sem que ninguém o saiba, é a imagem matemática de uma moça de Corinto a quem amei venturosamente. Para mim o templo vive. Me devolve o que lhe dei.” Paul Valery, Eupalinos ou o Arquiteto.
[10] Juan Borchers (1910-1975) nasceu em Punta Arenas, Chile. Titulado arquiteto na Universidade do Chile, dedicou sua vida à investigação teórica. Participou em alguns projetos de arquitetura como a Cooperativa de Serviços Elétricos de Chillán, em conjunto com os arquitetos Isidro Suarez e Jesús Bermejo. Publicou dois livros (Institución Arquitectónica e Meta Arquitectura) e deixou em sua morte numerosos trabalhos inéditos. Em suas investigações pôs especial atenção ao fundamento matemático da arquitetura. Apesar disso, sustentou a irredutibilidade da arquitetura à geometria. Em seus escritos ensaiou várias definições de arquitetura. No escrito Imobilidade substancial, Rafael Moneo fez referência a outra dessas definições. Rafael Moneo, ed. ARQ. Santiago do Chile 1995.
[11] Em Essai sur L’Art, Boullee justifica a utilização de corpos geométricos simples não em função de uma cosmovisão platônica, senão da natureza de nossa percepção. Nisso segue as ideias de um filósofo como Condillac e coincide com as de outros arquitetos como Le Camus de Mezieres. O paradigma buscado por Boulee é o da intensidade da experiência arquitetônica e a desmesura em alguns de seus projetos tem a ver com a busca dessa intensidade.
[12] A conhecida ilustração de Ledoux, na que aparece o teatro de Besançon refletido num olho, propõe indubitavelmente um paradigma puro, ou ao menos preponderantemente visual, da arquitetura. Mas a distância entre pura visão e ilusão ótica é escassa. Essa situação se faz patente no retrato de Mae West de Salvador Dalí, onde uma das habitações do Museu de Figueras aparece transformada numa cena. Para conseguir cabalmente a ilusão de ótica, deve fixar um ponto de vista imóvel e ideal de observação, o qual é bastante estranho à natureza do espaço arquitetônico.
[13] Ver a respeito o artigo Echelle del Dictionaire, onde levanta a relação tátil e direta entre o corpo e a base dos pilares nas igrejas góticas.
[14] Alberto Cruz Covarrubias (1917-2013) nasceu em Santiago, Chile, e estudou arquitetura na Universidade Católica do Chile. Em 1952, cofundou junto a Godofredo Iommi, poeta, e um conjunto de jovens arquitetos, o Instituto de Arquitetura da Universidade Católica de Valparaíso, dedicado à Investigação da arquitetura. Desde ali realizaram numerosos projetos e estudos, os que ultimamente centraram-se na Cidade Aberta de Ritoque, onde se levantam construções surgidas da interação de poesia e arquitetura.
[15] A noção de ato foi uma sorte de constante teórica no pensamento arquitetônico desenvolvido no Chile a partir de 1950. No caso da Escola de Valparaíso ela alude a uma interpretação poética das ações no espaço arquitetônico. No caso de Borchers, mais à possibilidade de dar forma à atividade humana através da medida arquitetônica. Para Borchers, os atos são a real matéria da arquitetura.
[16] Carta de A. Rimbaud à G. Izambard de maio de 1871.

Referência:
Fernando Pérez Oyarzun, “El Espejo y el Manto”, em: C.C. Davidson (editor), Anyway, Anyone Corporation e Rizzoli International Publications, Nova York, 1994.

Primeira edição em português. © Tradução: Igor Fracalossi. Colaboração: Diego Fagundes.

Sobre este autor
Cita: Igor Fracalossi. "O Espelho e o Manto: ajuste e desajuste no corpo arquitetônico / Fernando Pérez Oyarzun" 14 Ago 2014. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/625484/o-espelho-e-o-manto-ajuste-e-desajuste-no-corpo-arquitetonico-fernando-perez-oyarzun> ISSN 0719-8906

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