
Vivemos hoje em um mundo pós-pandêmico, onde as conexões humanas e a atenção à fragilidade da existência foram sutilmente redesenhadas. Mais do que hábitos, foi o próprio espaço urbano e arquitetônico que aprendeu a respirar de outro modo, tentando acolher um tempo incerto. Hoje, caminhamos na serenidade do 'quase normal', mas as cicatrizes daquele tempo ainda sussurram pelas ruas, pelas formas, pelos silêncios — sobreviventes delicados de um passado recente que insiste em permanecer.
Há seis anos surgiram os primeiros indícios do que se tornaria uma das pandemias mais impactantes da história recente. Em 31 de dezembro de 2019, o mercado de Wuhan foi fechado por causa de uma crise epidemiológica. Poucos dias depois, em 11 de janeiro de 2020, foi confirmado o primeiro óbito, ainda em Wuhan. Em 20 de janeiro, o primeiro caso foi registrado nos Estados Unidos; no dia 24, surgiram os primeiros na Europa. Em 30 de janeiro, a OMS declarou emergência de saúde pública de importância internacional. Em 25 de fevereiro, o vírus chegou à América Latina e, finalmente, em 11 de março de 2020, foi oficialmente declarado estado de pandemia.
A pandemia durou mais de 3 anos, encerrando-se oficialmente em 5 de maio de 2023, quando a OMS anunciou o fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) relacionada à COVID-19. Estima-se que o vírus tenha causado mais de 7 milhões de mortes ao redor do mundo, afetando de forma crítica países como Estados Unidos, Índia, França, Alemanha e Brasil.
Com o fim da pandemia, começamos a observar os vestígios que ela deixou. Os impactos foram sentidos diretamente no corpo: sintomas físicos como fadiga, perda de olfato e paladar, e, frequentemente, alterações de memória que perduram por semanas, meses ou até anos. E mesmo que a "memória física" possa falhar, somos constantemente lembrados da tragédia que caiu sobre o mundo nesses anos através de memórias deixadas por pequenas marcas e cicatrizes em espaços de uso coletivo e urbanos.
Muitas iniciativas surgiram com o intuito de eternizar a memória da pandemia. Como seres humanos, buscamos lembrar e homenagear aqueles que perdemos — e com a COVID-19 não foi diferente. Em honra às mais de 7 milhões de vidas perdidas, diversos memoriais foram projetados, ainda que a maioria de forma efêmera. Um exemplo tocante e espontâneo é o mural de corações em Londres, uma longa parede com milhares de corações pintados por familiares e amigos em homenagem às vítimas. Outro caso é o "Sanctuary", memorial temporário instalado no Miners' Welfare Park, em Bedworth, Inglaterra, produzido pela Artichoke em colaboração com moradores locais, e que existiu de 21 a 28 de maio de 2022. Muitos outros projetos estão em fase de concepção, espalhados pelo mundo.

Mesmo com poucos memoriais permanentes, as marcas da pandemia permanecem visíveis no cotidiano — nos espaços públicos, urbanos e coletivos — como cicatrizes que aos poucos esmaecem, mas que ainda estão ali. Estão impressas no chão, nas paredes, nos objetos. Algumas visíveis apenas a olhares mais atentos, como um adesivo de distanciamento desgastado no chão de um restaurante; outras mais evidentes, como totens de álcool em gel ainda instalados em elevadores e entradas de estabelecimentos, muitos já vazios e desativados.
Esses objetos vão se tornando parte do nosso cotidiano, quase invisíveis. Com o tempo, são esquecidos, mas, se observarmos com cuidado, ainda estão lá — mesmo quando tentamos apagá-los.















Passamos praticamente um ano inteiro reclusos em nossas casas, saindo apenas quando estritamente necessário. E, quando saíamos, éramos constantemente lembrados do perigo: avisos, placas, marcações no chão, máscaras. No fim de 2021, voltamos gradualmente às atividades cotidianas, mas com ressalvas: lavando as mãos, evitando contato, mantendo distância. Esses pequenos artefatos da pandemia ainda nos cercam.
É estranho perceber como a normalidade se transformou de forma tão abrupta em 2020. Fomos nos adaptando ao "novo normal" e, quando a pandemia finalmente terminou, seus vestígios seguiram presentes — discretos, mas persistentes.
Mas talvez a cicatriz mais profunda tenha sido a do afastamento. Jovens que viveram esse período entre a infância e a adolescência foram ensinados a manter 1,5 metro de distância, e muitos ainda carregam esse ensinamento como um reflexo automático. Isso afetou a forma como enxergam o mundo e alterou sua sensação de pertencimento social.
As relações humanas mudaram. A ausência do toque e a distância tornaram-se naturais. Isso se manifesta até mesmo na arquitetura — em lugares mais espaçados, em layouts que evitam aglomeração. Mesmo que de forma sutil, a marca do isolamento persiste.
É como se a memória desses objetos — totens, dispensers, placas — não fosse apenas lembrança, mas também uma forma de preparação. Um sinal de alerta para futuras emergências. Podemos traçar um paralelo com o estado de alerta durante a Guerra Fria, em que a preparação constante para um possível desastre impulsionava ações e políticas globais. Durante a pandemia, isso também se refletiu: no medo, nas teorias, nas falsas soluções. Mas também na tentativa de estar pronto para o que vier.
Será que guardamos esses objetos como símbolos de autopreservação e aprendizado? Ou será que nos apegamos demais ao trauma, vivendo em constante receio? Estaríamos sendo cautelosos — ou estaríamos acumulando cicatrizes como relíquias de tragédias?
O fato é que precisamos lembrar. Precisamos das cicatrizes. Elas nos servem como aviso, como memória viva, como instrumento de aprendizado.







