No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio da sexta temporada, Sara conversa com o arquiteto e curador Pedro Gadanho sobre a exposição Generation Proxima: Práticas Ambientais Emergentes na Arquitetura Portuguesa. Ouça a conversa e leia parte da entrevista a seguir.
Sara Nunes: Li nestes últimos dias o seu livro “Climax Change!”. Percebi duas coisas. Uma das coisas é que o Pedro é muito apaixonado sobre este tema e sinto que, mais do que uma paixão, tem um sentido de missão com este tema. Não só fez este livro, como tem feito uma série de exposições, curadorias... e esta exposição também é reflexo dessa sua paixão por este tema. E percebi também outra coisa neste livro, que já tinha percebido, na realidade, sobre este tema, mas acho que neste livro ainda ficou mais claro. Estamos a falar de um tema muito complexo, tanto é que o Pedro teve necessidade de o encaixar em diversos capítulos. E confesso que, para alguém que lê o livro e ao mesmo tempo também lida com este tema... eu só sei dizer isto em inglês, mas nós sentimo-nos um bocado “overwhelmed” com este tema. E a minha sensação é: por onde é que começamos? Vão ser necessárias tantas transformações em arquitectura. Por onde é que começamos? Sei que, para além da parte profissional que tem dedicado a este tema, também é dos seus temas favoritos nas conversas de amigos. E perguntava-lhe sobre o tema das conversas: o que é que acha que nós, arquitectos, devíamos estar a conversar sobre este tema? Este é um tema urgente. Qual é o tema mais urgente dentro deste tema que devíamos estar a pensar, ou a agir sobre ele?
Pedro Gadanho: Eu li, há uns tempos, sobre alguém que falava da sua conversão de “agnóstico do clima” para “activista do clima”.
SN: Sim, isto é quase uma religião!
PG: Esse foi também o meu processo: passar de quase indiferença ou relativo cuidado com o assunto para realmente perceber, a dado ponto, com muita intensidade que correspondeu a uma realização de uma exposição no MAAT: o Eco-Visionários. Durante seis meses, li a literatura toda sobre o assunto e aí percebi que as coisas estavam muito piores do que imaginava na altura. Apesar de já saber e de me lembrar nessa altura de que já conhecia os factos, mas os factos nunca os tinha associado todos de uma forma holística, percebendo realmente que este é o que os cientistas chamam um «wicked problem», um problema complexo, «une problématique», em francês. Ou seja, uma coisa muito complexa que não se resolve rapidamente, nem facilmente, nem só com os contributos de uma disciplina ou de outra. Agora o que é importante, e respondendo ao que a Sara perguntava, para começar, relativamente aos arquitectos, é percebermos onde é que nos situamos e onde é que o nosso contributo, enquanto arquitectos, enquanto construtores de edifícios, onde é que se situa, de facto, a nossa prática. Acho que é isso que começa por faltar consciência. Começa por faltar consciência de que, por exemplo, todo o sector da construção, do imobiliário, da gestão de edifícios, da gestão de cidades contribui 38% para as emissões de carbono, o que é colossal.
SN: Você diz uma coisa muito interessante no livro, que é: “Nós estamos muito preocupados com as viagens de avião e o impacto que isso tem e esquecemos que, mesmo que fiquemos em casa, os nossos edifícios têm um impacto muito grande.”
PG: [Não só devido aos] consumos energéticos, mas também por quaisquer novos materiais que empreguemos. [Tudo isso] vai ter uma pegada carbónica. E não é só uma pegada carbónica, que é uma questão que depois, para mim, se tornou se calhar mais relevante. É uma pegada ecológica. Ou seja, estamos também a falar de um problema de recursos e isto já é uma reflexão que vem um pouco na sequência do livro, mas que corresponde a um acompanhamento do pensamento sobre o assunto que nos faz pensar que se calhar se ficarmos só pelas alterações climáticas também pode ser um problema porque só estamos a tratar o sintoma e não estamos a tratar do problema que está por detrás das alterações climáticas, que é um desequilíbrio progressivo daquilo que é o sistema planetário devido à chamada emergência ecológica. E que, mais uma vez, está associado a questões de poluição, a limites de recursos que esse é outro aspecto que nós, como arquitectos, tendemos a esquecer. Ou seja, que os edifícios não tenham só um impacto carbónico, puramente carbónico, de pegada de carbono, mas vão produzir poluição, como é óbvio, ao serem demolidos e vão usar recursos e, portanto, estão a contribuir para, obviamente, o avolumar de um problema que é muito maior do que a questão das alterações climáticas. E é nesse sentido que o primeiro acto é essa consciência de que, como arquitectos, estamos a contribuir para esse problema e ainda não estamos a ajudar a resolvê-lo.
Estamos a começar a discutir isso, estamos a ver hipóteses. Há quem faça o que pode, mas ainda assim continuamos, com qualquer novo edifício que façamos, a contribuir para o problema e é por isso que, em jeito de provocação, o primeiro ensaio do livro, ou o prelúdio do livro era, justamente, sobre a questão de uma moratória à nova construção. Foi um tema que, para mim, surgiu na sequência da crise financeira de 2008, quando escrevi um pequeno artigo no “Living in the City”, um livro que foi publicado sobre remodelações em Lisboa, pelo José das Neves, em que eu contribuí com um artigo que já falava sobre essa questão de parar de construir e de ser responsabilidade dos arquitectos de dizer à sociedade que temos de parar de construir, principalmente em terreno virgem, como é evidente, portanto podemos reconverter, obviamente, lugares de demolição dentro da cidade estabilizada, mas continuar a expandir as cidades, para além dos seus limites, é, neste momento, um erro crasso e colossal, portanto essa ideia da moratória sobre a construção, como eu disse, surgiu em 2008, ficou ali adormecida e depois voltou-me como ideia de início da discussão do livro. E, para mim, continua a ser e é das mais pertinentes.
SN: E das mais polémicas, provavelmente, porque põe em causa...
PG: Põe em causa o papel tradicional do arquitecto e aquilo que o arquitecto gosta de fazer, mas todo o livro gira à volta dessa ideia do que é que nós gostamos de fazer e o que é que nos dá prazer fazer porque o livro também está associado à dimensão estética da arquitectura (política, autoral). E, portanto, advoga que temos, realmente, de mudar aquilo que nos faz mover, aquilo que nos faz mexer, aquilo que nos faz ter vontade de fazer arquitectura. É isso que tem de mudar e tem de mudar porque tem de estar sintonizado com a consciência destes problemas e o que é que podem ser as muitas soluções que pode haver à mais pequena escala até à maior escala do planeamento, da política, mas no seu papel os arquitectos também podem começar a mudar as suas práticas e esse é verdadeiramente o tema que acabou por ficar plasmado na “Generation Proxima”, que é uma exposição sobre práticas relativamente jovens, ou se quiserem emergentes, mas não só emergentes porque já estão a funcionar e que mostram o início, o despontar de uma consciência ecológica mais forte. Não é que sejam arquitectos a trabalhar num regime ecológico, mas mostram essa sensibilidade a despontar e respostas criativas a essas questões de formas diferentes.
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Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a quinta temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- Alejandro Aravena
- Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez
- Tiago Rebelo de Andrade
- Marta Brandão e Mário Sousa
- Luís Tavares Pereira e Guiomar Rosa
- Francisco Aires Mateus
- Paulo Moreira
- Andreia Garcia
- Fátima Fernandes
- Helena Vieira e Pedro Ferreira
- aNC arquitectos
- Branco del Río, Arquitectos
- Ana Aragão
- fala atelier
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.