Pedro Gadanho fala sobre o Rio, arquitetura e a cidade contemporânea

O texto e entrevista que seguem foram realizados por Thais Lobo, do jornal O Globo, e publicados originalmente na página do Globo a Mais.

Com poucas obras construídas e um extenso trabalho teórico, o português Pedro Gadanho está longe de ser um arquiteto convencional. Nomeado curador do Departamento de Arquitetura Contemporânea e Design do Museu de Arte Moderna (MoMa) de Nova York em janeiro de 2011, Pedro Gadanho representa uma nova geração de arquitetos menos ligada aos canteiros de obras e mais ao que cerca os edifícios — a cidade. "O arquiteto tem que participar do debate público, trazendo o seu conhecimento para uma discussão dos problemas da cidade, mais do que focar só na construção em busca de um resultado separado da realidade", afirma.

Ao longo de sua carreira, o português de 45 anos, graduado na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP), dividiu-se entre as atividades de arquiteto (dedicado, principalmente, a projetos de restauração, "uma atitude política" nas suas palavras), curador, professor, blogueiro, crítico e editor. Entusiasta das novas tendências, ele tem observado de perto movimentos de jovens arquitetos no pós-crise econômica e tem se aventurado nas interseções entre arquitetura e ficção, como editor do bookazine "Beyond, Short-Stories on the Post‐Contemporary", como organizador da conferência "Once Upon a Place —Haunted Houses and Imaginary Cities", ou como coautor de séries de TV no seu setor de atuação.

Gadanho esteve no Rio de Janeiro na última sexta-feira, 4 de abril, para apresentar o projeto Uneven Growth a convite da swissnex Brazil, quando foi entrevistado pelo jornal “Globo a Mais” sobre o papel da arquitetura no âmbito da cidade. Em novembro o MoMa apresentará propostas urbanísticas para seis metrópoles, tendo como horizonte o ano de 2030, quando a população mundial deverá chegar a 8 bilhões de pessoas. Além do Rio de Janeiro, Hong Kong, Istambul, Lagos, Bombaim e Nova York passaram pelo escrutínio de equipes de arquitetos a fim responder às alterações do espaço urbano no futuro.

Por que o Rio foi escolhido entre as cidades-alvo do projeto Uneven Growth?

O projeto está centrado na ideia de pensar cenários e soluções para grandes cidades no futuro próximo, principalmente em situações onde há grande desigualdade na distribuição dos recursos espaciais, e recursos econômicos. E, portanto, o Rio, como todas as outras grandes cidades, tem essas disparidades. Acho particularmente interessante em termos de futuro e de evolução do Rio o fato de que houve ocupação informal da cidade muito junto ao centro. Essa proximidade entre a favela e a cidade estável, formal, é muito interessante porque leva a favela a ser tratada de uma forma diferente de outros lugares. E para além disso, a verdade é que para mim o Rio é uma das cidades mais lindas do mundo e isso tem uma influência no modo como se olha para a cidade e como há um cuidado com a questão da cidade. É importante considerar esse lado estético quando pensamos o futuro.

A ideia do projeto é se ocupar de uma favela específica?

O projeto funciona com uma seleção de times locais em coordenação com gente que faz pesquisa a nível internacional. O time que está trabalhando com a equipe do Rio, o RUA Arquitetos, é o ETH de Zurique, na Suíça. Essa ligação permite criar uma visão que simultaneamente tem a percepção de alguém que está embrenhado na realidade local e de alguém que vem de fora e oferece um olhar mais neutro e distante. Não é necessariamente sobre a favela, mas sobre áreas diferentes da cidade e tipos de soluções que podem surgir no futuro.

Você já visitou alguma favela no Rio?

Já fui ao Santa Marta na última vez em que estive aqui. Fiz aquele tour famoso com a parada na laje do Michael Jackson. Achei uma piada. Mas também já visitei favelas na Colômbia, em Mumbai (na Índia). Todas elas têm diferenças, mas o que acho interessante é que não são lugares só de viver, são lugares de produção. Ouvi uma vez que na Rocinha havia várias estações de televisão. Isso mostra bem que é um lugar onde se produz. E é daí que podem surgir movimentos que depois se ligam a intervenções arquitetônicas e mudam o registro da intervenção. Já não é mais uma intervenção só com o planejamento top-down, mas com culturas próprias que emergem. Nessa mudanças é que podem acontecer coisas realmente interessantes. Esse é um pouco o espírito do projeto. As soluções para o futuro já não têm a ver com o planejamento tradicional, como foi nos anos 1950 depois da guerra, tanto aqui como na Europa e nos Estados Unidos. Vão ter que ser encontradas novas formas de combinações entre esses fenômenos emergentes, bottom-up, e o planejamento tradicional, top-down.

E nesse futuro qual será o papel do arquiteto?

Em certos aspectos vejo a arquitetura dividir-se ou num mundo só de serviços, muito ligado à economia, ao mundo da construção, e que por vezes perde muito a ideia de qualidade; ou, por outro lado, num mundo próximo à arte e onde há uma pesquisa intelectual sobre o que realmente pode contribuir para a sociedade no sentido mais amplo. Inclusive introduzindo uma reflexão crítica do que está se passando na cidade. O arquiteto tem que participar ainda mais do debate público e oferecer mais opiniões na esfera pública e, de algum modo, trazer o seu conhecimento enquanto arquiteto para uma discussão dos problemas da cidade, mais do que focar só no edifício ou na construção enquanto resultado separado da realidade.

Estamos diante, portanto, de uma divisão entre o arquiteto-construtor e o arquiteto pensador?

Sim, mas uma divisão em que convivem dois campos muito diferentes e com funções distintas. Quase que como existissem duas formas de entender a prática da arquitetura. E isto não tem a ver apenas com o arquiteto-autor, como por exemplo aqui no Brasil se pode reconhecer na figura do Niemeyer e do Paulo Mendes da Rocha, mas sim com uma visão mais crítica da sociedade. Não é só o arquiteto que se concentra no objeto arquitetônico, mas o arquiteto que participa na vida da cidade e que se engaja à comunidade para fazer projetos em outros níveis e, portanto, tem mais intervenção no espaço urbano com as suas ideias, sua tradição, e sua percepção estética.

Você citou o Niemeyer e ele é reconhecido pelo seu traço, suas obras…

E eu acho que isso é muito importante e é uma tradição que alimenta uma ideia de qualidade na arquitetura no Brasil que é fundamental. Mas acho que às vezes também pode ser uma prisão. Pode ser um herói demasiado grande que imobiliza um pouco as pessoas à sua volta para tomar outras atitudes e para explorar outros caminhos.

Se pudéssemos projetar, quem seria esse Niemeyer do futuro?

Seria alguém com uma grande capacidade de intervenção na cidade e que poderia gerar movimentos de opinião e conseguir fazer projetos diferentes que ao mesmo tempo têm qualidade arquitetônica, mas mudam a vida das pessoas.

Há dois anos você foi escolhido curador do MoMa em um concurso disputado. Como a sua carreira se direcionou para essa área?

Eu tanto trabalhava como arquiteto, numa escala quase que apenas de reabilitação de edifícios, até como uma atitude política porque, principalmente na Europa, já há tanta construção que é preciso renovar o que existe, e compatibilizava essa atividade com a de curadoria em regime freelancer, com escrever artigos e lecionar. Portanto, eu já estava muito ligado ao campo da arte. A certa altura, quando surgiu a hipótese de me candidatar, eu me perguntava se conseguiria sobreviver da curadoria ou não. O fato de eu já ter uma carreira internacional nesse campo e a própria diversidade da minha atividade, ser arquiteto e não historiador, foram fatores que se conjugaram para fazer com que fosse interessante, do ponto de vista da instituição, ter alguém como eu, que trazia uma visão de mundo mais ampla, ligado pela língua à América Latina, ao Brasil, e também à África. Essa visão interessava neste momento ao MoMa como abertura para uma maior internacionalização e menos enfoque na arquitetura americana.

Na sua carreira você próprio fez esse movimento de internacionalização. Por que sentiu necessidade disso?

Sim, sem dúvida, e acho que isso é algo que beneficiaria muito a arquitetura brasileira também. O meio de onde venho também é um lugar onde a arquitetura tem seus heróis. Apesar de ser um país pequeno, Portugal tem uma grande reputação internacional nesse campo e, às vezes, isso pode deixar as pessoas confortáveis em sua posição e não procurem sair desse meio que já tem os seus valores. Por um lado, eu sentia que estava em um meio grande em quantidade, mas pequeno em espírito. Por outro, sempre me interessou esse olhar para o mundo.

Como arquiteto, construir é um hobby para você?

Costumo dizer que é para não perder o hábito, só para continuar a praticar. Em um certo sentido tenho um grande prazer na construção, em estar em obra porque isso me faz ter melhor percepção dos problemas que os arquitetos continuam a enfrentar. Quando uma pessoa se dedica demais à teoria rapidamente se desliga dos problemas concretos do dia a dia. Portanto, sempre mantive essa atividade como algo que permitia nutrir as outras atividades que mantinha. Tal como as outras atividades fazem com que eu não responda de forma muito típica ou tradicional às demandas da minha prática.

Como você entende o papel da curadoria num mundo de trocas velozes e abundante de informações?

Sou curador de arquitetura contemporânea e estou particularmente interessado em olhar para a História a fim de tentar dar sentido ao que acontece nesse momento. E esse é um dos papeis principais da curadoria quando há muito volume de informação. Fazer escolhas e dar sentido, criar narrativas dentro dessa miríade de possibilidades de modo que as pessoas percebam o que está a acontecer. No fundo, a curadoria liga-se ao chamado trendwatching, que é perceber para onde caminham certas tendências. No caso da arquitetura é também perceber de que modo os artistas refletem a realidade a sua volta. Não se tratam apenas de soluções construtivas, mas de se apropriar de tecnologias à nossa disposição para que a arquitetura se torne mais acessível, mais democrática. Se a arquitetura não responder ao que está a nossa volta, passa a funcionar só em regimes acadêmicos, em torres de marfim, e eu acho que perde a importância.

Você é um professor. Como as universidades deveriam preparar os alunos para o futuro da arquitetura?

O ensinar de um olhar crítico é fundamental porque muitas vezes os arquitetos são formados para a especialização e perdem a visão de conjunto, o papel do intelectual tradicional no sentido de refletir, filtrar as questões, dar respostas e, às vezes, criticar decisões que estão sendo tomadas em termos de cidade.

A arquitetura conseguiu responder à crise econômica com criatividade e inovação?

As respostas que me pareceram mais interessantes tinham a ver com a grande massa de jovens arquitetos que ficaram desempregados e que tiveram que encontrar outras funções e outras formas de prática. Coletivos que responderam a problemas de cidade e de intervenção urbana de uma forma que se aproximou muito da performance artística; trabalhos temporários nos quais a performance e o envolvimento do espectador se tornam o centro da arquitetura, mais do que deixar um edifício. Isso na Europa gerou movimentos muito interessantes, mas os resultados só serão vistos daqui a quatro, cinco anos. E nesse sentido me parece que podem ter sido produzidas algumas mudanças muito significativas.

Que movimentos são esses?

Existem muitas formas de inovação, já não existe um grande movimento como houve no passado, um "ismo", mas várias formas de entender a prática hoje. Se hoje há um movimento é o da diversidade.

Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "Pedro Gadanho fala sobre o Rio, arquitetura e a cidade contemporânea" 10 Abr 2014. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-188749/pedro-gadanho-fala-sobre-o-rio-arquitetura-e-a-cidade-contemporanea> ISSN 0719-8906

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