Projetos de paisagismo em tempos de mudanças climáticas

Neste artigo, que foi divulgado originalmente na Blog Point of View, da Revista Metropolis, como "Q&A: Kim Mathews and Signe Nielsen," Susan Szenasy entrevista as diretoras do escritório Mathews Nielsen Landscape Architects sobre como as mudanças climáticas tem re-focado a arquitetura da paisagem, atualmente, em três questões importantes: Pesquisas, Reconstrução e Resiliência.

Nesta temporada, na série Architecture’s Lean In Moment, estou pedindo a três bem sucedidas diretoras de escritórios de arquitetura, comunicação gráfica e paisagismo, para falar sobre o trabalho que fazem, como se conectam aos seus clientes (geralmente na confusa esfera pública), como aprimoram suas habilidades e adicionam à sua base de conhecimento - tudo para fornecer os serviços essenciais de projetos que se propõem a realizar, como jovens idealistas e práticas.

Aqui as diretoras do escritório de Nova York, Mathews Nielsen Landscape Architects, Kim Mathews e Signe Nielsen falam sobre a evolução de sua profissão, seu compromisso com o ensino, escrita, palestras, seus trabalhos de pesquisa, bem como a nova apreciação dos projetos na esfera pública. A nova divisão do escritório, denominada Green Team, relata regularmente temas como a importância da composição dos solos, trabalhos de infraestrutura urbana, revitalização de frentes d'águas e o desenvolvimento em uma época de mudanças climáticas.

Susan S. Szenasy: Vamos começar pelo início. Em 1993, quando vocês formaram suas parcerias, a Mathews Nielsen Landscape Architects, começaram a definir um papel para vocês mesmas na esfera pública. Cada uma de vocês poderia falar sobre por que isso era importante naquela época, e por que ainda é fundamental hoje em dia?

Kim Mathews: Projetos públicos sempre precisaram de um vencedor. Hoje, esses vencedores muitas vezes podem ser uma conhecida agência ou uma organização sem fins lucrativos. Entretanto, quando começamos nosso escritório há 20 anos, a excelência do projeto não era algo a ser discutido na mesa de negociação. Arquitetos paisagistas necessitavam provar que a excelência poderia ser alcançada e mantida na esfera pública. As lições que aprendemos, então, formaram a base para o Guia de Projetos e Melhores Práticas de Gestão (Best Management Practices - BMPs), adotados nos últimos 5 - 10 anos. O ciclo continua agora com um novo foco na resiliência e nas mudanças climáticas.

Signe Nielsen: Meu compromisso com a concentração na esfera pública decorre tanto da minha formação e educação quanto a partir da observação de quão importante um espaço público bem concebido é para um ambiente urbano. Meus pais incutiram em mim a noção do "fazer pelos outros", e isto foi reforçado pela minha educação em Arquitetura de paisagem na New York City College, onde o programa utilizava a cidade de Nova York como um laboratório para os projetos de estúdio. Era impossível ignorar os impactos da renovação urbana, o "mega planejamento" de Robert Moses combinado com as injustiças socioeconômicas das gerações precedentes.

Antes de firmar a parceria com Kim, tive minha própria empresa entre 1979-1993, e durante esse tempo comecei a receber comissões para trabalhos públicos. Achei que a escala, âmbito e complexidade das áreas urbanas estimulava minha criatividade (gosto de resolver os problemas espinhosos de áreas degradadas e bairros carentes através de explorações de projetos). Então, mesmo acreditando que o passar dos anos, desde a minha formação e início de carreira tem corrigido alguns de meus erros do passado, ainda há uma série de questões, algumas delas pouco reconhecidas nos anos 70, tais como os impactos da contaminação industrial, as forças das mudanças climáticas e o envelhecimento da população, que continuam a me impelir para um compromisso ainda maior na esfera pública.

Perspectiva West Point Foundry Preserve. Imagem Cortesia de Mathews Nielsen Landscape Architects

SSS: Durante os 20 anos de sua prática de maturação, o que você considera os principais marcos na evolução de sua empresa e sua contribuição para tornar as cidades mais humanas, reconectando o mundo natural à nossa selva de concreto? Pode dar alguns exemplos?

KM: Crescemos de 8 pessoas, para 12, 15, e agora 25. Cada passo foi cuidadosamente considerado em função das oportunidades que nos são oferecidas. O último salto nos permitiu assumir projetos maiores e mais complexos, muitas vezes como o consultor principal. O que tem me despertado enorme interesse tem sido o nosso trabalho revelando paisagens culturais, incluindo aquelas há muito enterradas.

Dois exemplos são o re-enchimento do histórico terminal do Canal Erie (cliente público / Empire State Development Corporation) e o projeto de um acesso público e plano interpretativo para o West Point Foundry Preserve (cliente sem fins lucrativos / Scenic Hudson), previsto para ser inaugurado ainda este ano. Cada local está conectado por variados modais, um movimento que traz visitantes de todas as idades e habilidades para o local durante todo o ano. No local observamos agora barcos e bicicletas em uma antiga área de estacionamento. Já no outro conta-se a história do impressionante renascimento ecológico de uma paisagem e das suas importantes descobertas arqueológicas.

SN: Eu acho justo dizer que nosso escritório possui um legado admirável de transformações de áreas residuais que agem como restauradoras para as pessoas e processos naturais. Meu primeiro trabalho foi um pequeno cais em Brooklyn Heights, chamado Fulton Landing. Recordo das reuniões com a comunidade, onde as muitas vozes pediram para permanecer na beira da água e apreciar as amplas vistas e tranquilidade do local. Eu tinha muitas outras idéias que, em retrospectiva, teriam desordenado o cais e comprometido o poder do lugar. Sou grata a essas vozes, pois me ensinaram uma lição que ainda carrego comigo: ouvir o terreno. Por isso, quero dizer compreender os impactos humanos que vieram antes, os sistemas naturais que foram interrompidos, e como estes podem ser reequilibrado e reaproveitados. Hoje, tenho orgulho de dizer, Fulton Landing foi englobado dentro do - muito maior - Parque Brooklyn Bridge.

Nos últimos 20 anos, nosso escritório já projetou mais de 35 quilômetros de frentes d'água, incluindo a parte de Tribeca do Hudson River Park, Weehawken e Newport no lado de New Jersey e, mais recentemente, vários projetos pelo East River. Cada um desses projetos traz diferentes exigências programáticas, mas em suas essências sempre estão a premissa de voltar a envolver as pessoas com as águas e restaurar um ecossistema saudável.

Atualmente, estamos projetando o Pier 42, um cais de 8 hectares ao longo do East River, no sul de Manhattan. Vindo em um momento em que nossa cidade está se mexendo para elaborar novas estratégias para tempestades e desafios climáticos, nós incorporamos esse desafio em nosso projeto. Consideramos que as formas do terreno podem oferecer melhores pontos de vista, diminuir o ruído da estrada, além de absorver o material do terreno contaminado. Estamos agora examinando as elevações precisas e a continuidade da topografia criada para fornecer proteção para as comunidades.

Erie Canal Harbor Buffalo, NY. Imagem Cortesia de Mathews Nielsen Landscape Architects

SSS: Você já foi tentada a mudar para a área "feminina" do paisagismo "doméstico"? Pergunto isso pois, durante anos, parece que o trabalho mais interessante estava sendo feito em torno das residências unifamiliares. Vocês viraram as costas para esse campo de convicções "feministas"? Agora, é claro, esta prática tornou-se moda no campo - muito se fala sobre as coisas que vocês têm feito ao longo de décadas. Vocês estão animadas com essa nova tendência?

KM: Eu nunca considerei os projetos residenciais desta forma. Penso que isso seja mais sobre escala e as relações íntimas. Sempre fui atraída por projetos de escalas maiores e prefiro o processo de convencer uma sala cheia de pessoas de que uma ideia pode funcionar, do que apenas um casal do outro lado da mesa. Como muitos de nós praticamos na esfera pública, muitas vezes gostaríamos de ter o luxo de um orçamento residencial e uma manutenção dedicada. Mas, no final, ainda prefiro desenhar paisagens que possam atingir um número maior de pessoas.

E sim, estou muito animada com o reconhecimento da arquitetura da paisagem como uma disciplina importante. Espero que isso não seja apenas uma tendência, mas uma forma de prática incorporada em nossa sociedade.

SN: Quando comecei meu escritório, antes de Kim e eu sermos parceiras, fiz vários projetos residenciais privados. Essas comissões eram relativamente fáceis de obter através do boca a boca e ofereciam um nível de satisfação em termos de detalhamento, escolhas de materiais, e velocidade de conclusão. No entanto, para mim, isso logo se tornou desinteressante, e eu me senti estagnada como uma projetista. Eu ansiava por maiores desafios sociais, físicos e bióticos. Francamente, nunca associei a arquitetura doméstica e o feminismo. Como um produto dos anos 60, me considero uma feminista comprometida, mas prefiro colocar minha energia em projetos que beneficiem muitas pessoas ao invés de alguns e terrenos que possam ser curados ao invés de apenas decorados.

Perspectiva Pier 42 Partial Deck. Imagem Cortesia de Mathews Nielsen Landscape Architects

SSS: Vocês duas dão palestras, aulas e escrevem, e tudo isso as envolve em um discurso público sobre a integração do ambiente natural com o ambiente construído. Como essas atividades ampliaram suas perspectivas? Podem dar alguns exemplos pessoais?

KM: Em abril deste ano lecionei no National Building Museum em Washington, DC. Fui convidada para abordar a forma como os arquitetos medem o sucesso em projetos de revitalização urbana, com foco em regiões de orla. A palestra foi parte da série do museu "Smart Growth", que atrai um número de arquitetos interessados ​​neste Novo Urbanismo. Este público potencial foi um desafio motivador - como apresentar a beleza em nossos projetos que muitas vezes são em áreas extremamente degradadas, industriais e certificar-se de que todos entenderam que estes são exemplos bem sucedidos de um crescimento inteligente: eles melhoram a habitabilidade, inserem as comunidades existentes no primeiro plano, fornecem benefícios compartilhados e preservam o espaço aberto. O local da palestra acabou me proporcionando um ponto de vista de estrangeiro para examinar o nosso trabalho.

SN: Dar aulas tem me ensinado muitas coisas. Uma lição importante que aprendi cerca de 35 anos atrás, quando entrei na minha primeira sala de aula, foi que, se eu não posso explicar algo claramente, então eu mesmo não entendo isso. Ao longo dos anos descobri que ensinar, escrever e dar palestras são oportunidades preciosas para refletir, sintetizar e avançar ideias incipientes.

Hoje, finalmente, tenho maturidade e experiência (note que eu não disse sabedoria) para oferecer perspectivas úteis sobre onde estivemos e onde podemos querer ir como paisagistas, nestes tempos de constantes mudanças.

Uma direção que eu tomei recentemente é a de me concentrar em políticas urbanas. Mudanças são necessárias para o nosso processo regulamentário e de políticas se quisermos incorporar estratégias com visões progressistas no desenho urbano. Assim, a partir dos manuais que tenho co-autoria em infraestrutura urbana e projetos sustentáveis, desenvolvidos para o Departamento de Design e Construção, para criar ou modificar códigos que tenho escrito para Green Codes e Building Resiliency Task Forces, acredito que esses esforços ajudam a avançar na mais ampla aceitação da inovação dentro da realidade das tomadas de decisões públicas.

Kim Mathews e Signe Nielsen. Imagem Cortesia de Mathews Nielsen Landscape Architects

SSS: Explique-lhes a importância da pesquisa, tanto pessoalmente quando para o campo da arquitetura da paisagem em geral. O que, para vocês, são os problemas mais urgentes que precisam ser resolvidos e que necessitam de intensa pesquisa, avaliação e comunicação por parte dos profissionais?

KM: Você provavelmente vai ouvir um jargão parecido, tanto de mim, como de Signe. Nós duas estamos participando ativamente na discussão da resiliência, mas concordo que nosso trabalho tem de ser feito em colaboração com especialistas em áreas científicas e de engenharia relacionadas. Os pontos de vista e valores que estão sendo formados agora por todos os profissionais de projeto devem ser baseados na ciência, com o apoio de arquitetos. Isso não significa que os projetistas não possam pensar fora da caixa, mas queremos ter certeza de que nossas ideias irão funcionar bem.

Sim, o tema geral de pesquisa e avaliação é fundamental para nossa profissão. Na prática privada, precisamos fazer o tempo, mas quando não temos isso, devemos apoiar os outros que podem fazer isso com o rigor necessário.

Questões prementes adicionais são o efeito das mudanças climáticas sobre as paisagens que existem hoje (inundações, solos, pragas / doenças); como podemos readaptar as paisagens, e como podemos selecionar e monitorar novas espécies de plantas e paisagens.

SN: Eu sempre amei arquitetura e o paisagismo, pois essas profissões incorporam a noção do Renascimento - elas são inerentemente sintéticas, o que requer um extenso saber sobre muitas coisas, desde a ciência natural, até a física ou a natureza humana, e orquestrar estes em uma forma atraente ou um espaço. Mas, infelizmente, não tenho "memória RAM" ou tempo suficiente para compreender verdadeiramente o que precisamos saber para projetarmos para o mundo de amanhã.

Pesquisa, teorias e aplicação são essenciais para nossa profissão. Nós não podemos ser deixados para trás por uma população que nos vê como uma profissão que serve somente à atmosfera rarefeita dos mais ricos. Precisamos demonstrar, através de pesquisa e projetos, que o pensamento sustentável está no centro do que fazemos.

Especificamente no que diz respeito à resolução dos problemas mais prementes, vou limitar minha lista potencialmente infinita para o problema da água. Mais de 70% da superfície da Terra é coberta por água e 40% da população do mundo vive em comunidades costeiras. Queremos e precisamos de água para sobrevivência, transporte, alimentação, energia e recreação. Entretanto, a água representa um dos maiores perigos para nossa existência. Como uma arquiteta de paisagem, a água sempre foi uma fonte de prazer e um sistema a ser gerenciado.

Cabe à nossa profissão procurar restaurar o ciclo hidrológico e nos planejarmos para os extremos de secas e tempestades de forma proativa em vez de reativa. Para fazer isso, precisamos de pesquisas que nos farão avançar para além da imagem de projetos de boutiques, ou apenas de decoração.

Sobre este autor
Cita: Szenasy, Susan . "Projetos de paisagismo em tempos de mudanças climáticas" [Landscape Design In Our Time of Climate Change] 26 Set 2013. ArchDaily Brasil. (Trad. Souza, Eduardo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-142490/projetos-de-paisagismo-em-tempos-de-mudancas-climaticas> ISSN 0719-8906

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