O Príncipe: a conspiração de Bjarke Ingels

Versão da publicação original Thresholds 40: “Socio-” (2012)

Poucos arquitetos da atualidade atraem tanta atenção e inquietação quanto Bjarke Ingels. Recém-chegado a Nova Iorque, o autoproclamado futurista empreende sua forma particular de Destino Manifesto, ensinando os próprios arquitetos americanos a trabalhar no país.

Se seu trabalho é taxado de superficial e oportunista, tais críticas não bastam para relacionar a persona expansiva de Ingels às suas impetuosas intenções formais. Na economia atual, Ingels de algum modo sai impune após propor um edifício piramidal ocupando o perímetro da quadra no centro de Nova Iorque, um píer em looping em St. Petersburg, Flórida e um centro de artes em Park City, Utah, em formato de pilha de toras torcida. Tudo isso com seriedade. Porque então seu modus operandi é considerado medíocre por tantos da própria classe?

Certamente, Ingels aproveita e transforma o aspecto "social" e os arquitetos americando deveriam fazer o mesmo. Então, ao estilo das teorias conspiratórias em busca de segredos, vamos à lousa, ou melhor, ao diagrama...

Parte da resposta pode estar na sua qualidade populista, ser e ao mesmo tempo transformar o social.

“Nosso mundo poderia ser muito mais confortável, ecológico e agradável do que ele é; nossas cidades poderiam ser mais adequadas à vida humana, mais adaptáveis ao clima de onde se localizam. A razão de não serem é a existência de interesses despreocupados com o bem comum e que não investem em criar o melhor mundo possível. Afirmando que estes interesses formam uma aliança perversa e sistematicamente eliminam os protagonistas da arquitetura, talvez seja possível ampliar o interesse nos desafios enfrentados pelos arquitetos. Nada como uma boa e velha teoria de conspiração para conseguir a atenção das pessoas; arquitetos reclamando não são exatamente um bestseller”. —Bjarke Ingels [1]

“Reformas súbitas e implacáveis nunca agradam interesses arraigados e detentores do poder. É por isso que uma reforma verdadeira é tão difícil . Mas com o apoio dos cidadãos do Alaska, sacudimos as coisas. E em pouco tempo recolocamos nosso governo no lado das pessoas”. — Sarah Palin [2]

“Um príncipe sábio (...) deve apoiar-se no que é seu e não no que é dos outros; deve apenas empenhar-se em fugir do ódio, como foi dito”. — Nicolau Maquiavel [3]

De seu “arqui-comic” (já disponível para iPad) até sua presença em diversas revistas culturais lustrosas, Ingels dispensa os mediadores e leva sua mensagem direto ao público. Inicialmente correligionário (primeiro no OMA, e depois em Columbia e Harvard), desde então "virou a casaca" posicionando-se fora das correntes elitistas que compõe a prática vanguardista. A mensagem é que Ingels é do povo e, portanto, seu trabalho pensa principalmente nas pessoas.

Píer de St. Petersburg . Imagem de BIG e MIR, cortesia de BIG

O gesto à Palin não só atrai clientes como dá uma margem de segurança. Os arquitetos sempre embelezaram certos elementos projetuais para conseguir a aprovação dos clientes, mas Ingels não se contenta em "dourar a pílula". Sua franqueza radical expõe tudo ao cliente para assim prescindir de vigilâncias ideológicas e preocupações com exigências.

O mentor de Ingels, Rem Koolhaas, permanece aclamado pela crítica porque, apesar de sua retórica corporativista, os conhecedores da arquitetura consideram-no uma figura elegantemente sinistra, mais amedrontadora que amigável. Se por um lado uma leitura mais rápida sugeriria que Ingels abandonou a atitude esquizofrênica do predecessor em favor de um delírio peculiar, por outro se pode considerar seu projeto mais complexo em sua junção de populismo e excepcionalismo maquiavélico - polos aparentemente opostos do pensamento político norte-americano.

O hino de Ingels ao otimismo, Yes is More, se inicia deixando claro o paralelo com o slogan da campanha de Obama à presidência dos EUA, "Yes we can". Enquanto a frase de Obama serviu ao seu propósito de união e pragmatismo, o slogan de Ingels sugere exceder em vez de ceder, ou ainda o excesso mediante a retórica do acordo. Tente resolver o impossível e algo interessante pode aparecer: "E se o design pudesse ser o oposto da política? Não ignorando o conflito, mas se alimentando dele. Uma maneira de incorporar e integrar diferenças, não afiliação ou escolha de um lado, mas atando interesses conflitantes em um nó górdio de novas ideias". [4]

Diagrama de Massas - West 57th . Imagem cortesia de BIG

Ingels parece, ainda, cumprir simultaneamente os papéis de Górdio e Alexandre, tecendo diferenças em um quebra cabeça formal coerente e ao mesmo tempo atacando a política com um movimento decidido.

Em Taming the Prince, o filósofo político Harvey Mansfield identifica essa ambivalência como uma linha maquiavélica latente, inerente ao poder executivo do governo dos EUA. Diferente de um líder autoritário que exerce seu poder somente com base no seu direito de fazê-lo, o executivo toma descisões em nome do soberano eleito para tanto. Conquistar o povo dá a um líder a capacidade de executar ações decisivas e manter-se distanciado das suas consequências. Essa latitude retórica é uma faca de dois gumes, sendo extra-constitucional mas essencial.

Para Mansfield, a ambivalência do executivo é sua maior força; é um poder formal à guisa de populismo. Curiosamente, tal poder também pode ser considerado "performático", já que, como Robert Somol sugere, "opera de tal forma que se afirma pela presença”. [5]

West 57th, Nova Iorque. Imagem de BIG e Glessner, cortesia de BIG

Muito do trabalho de Ingels assume este caráter de afirmação. Sua performance autoproclamada de "utopia pragmática" é, na verdade, sua versão de Tea Party Express - uma inegável plataforma revolucionária que de algum modo traveste posicionamentos tão radicais quanto reduções tributárias e maiores investimentos militares em um espalhafatoso leviatã populista. Resta saber se a "BIGamy" [6] ambiciosa de Ingels será mais próxima da dissonância cognitiva do Tea Party ou de um cenário imaginário maravilhoso fruto da pura força de vontade. Todavia, será que isto importa desde que a estratégia compense?

“O logo passa do primeiro ao segundo plano conforme a situação avança”. — R. E. Somol [7]

"A unidade do gabinete [do presidente] implica a possibilidade, ainda que remota, de um executivo ideal. Tal pessoa possuiria a ambivalência inerente, saindo de cena e voltando quando necessário e apropriado. E esse conhecimento nortearia o poder executivo, unindo seus dois aspectos e conjuntamente justificando sua separação” — Harvey C. Mansfield, JR. [8]

Como em "BIGamy", o potencial de mudança do Tea Party, como o de tantos movimentos populistas antes, reside na franqueza de sua atitude mais que na consistência de suas posições. Sua diversidade ideológica é sustentada pelo fanatismo e patriotismo excessivos. Da mesma forma, poderia se dizer que os elementos sócio-políticos aparentemente irreconciliáveis que Ingels ostensivamente tenta absorver no seu trabalho são amalgamados nas formas que emprega.

O volume de seus projetos borram o limite das escalas do edifício e do urbano e, de fato, muitas das críticas alegam falhas no detalhamento e no programa. Incapaz de manter o controle minucioso e não disposto a abrir mão do plano geral, Ingels talvez use a grandiloquência da forma para gerir o equilíbrio delicado entre as escalas. A forma, então, é uma atitude que soluciona duplicidade de escala e de ideologia.

Ao contrário da concepção despolitizada da forma de Somol, segundo à qual a não-necessidade do gráfico permite que desapareça no segundo plano [9], o trabalho de Ingels demonstra a eficácia da forma como uma força insurgente sócio-política. Somol, talvez por acaso, indica essa capacidade quando sugere que "o gráfico só pode ser artificialmente afirmado e subsequentemente jogado fora". [10]

No contexto do poder executivo dos EUA, no entanto, a afirmação excepcional é justificada somente através do apelo à necessidade e a circunstâncias extraordinárias que forçam um líder a ir além do que é de praxe. Para Ingels, a necessidade da materialização de seus projetos requer a construção de uma plateia, levada a acreditar que a abstração do diagrama corresponde à sua experiência da cidade. Póstumos ou intuitivos, os diagramas de BIG projetam uma ideia de inevitabilidade, sugerindo que a forma final é o resultado necessário.

Enquanto esse álibi não é novidade à profissão do arquiteto, Ingels o leva um passo adiante, agindo para moldar o ambiente social no qual o projeto final é julgado - colocando-se no mundo da política, das incorporadoras, das relações públicas e mídia popular, tirando as formas propriamente ditas do centro das atenções. Assim palestras do TED, aparições na CNN, workshops de inovação no Fórum Econômico Mundial e parcerias com a Audi tornam-se ferramentas essenciais para o exercício profissional.

A Montanha, Copenhague. Foto de Carsten Kring, cortesia de BIG

No entanto, no que se refere a toda a retórica sobre abraçar a diversidade de forças sócio-políticas e econômicas, seu trabalho faz sentido somente dentro de um contexto autônomo criado por ele. No conjunto habitacional em Copenhague conhecido como "A Montanha", ou na projeção da efígie da Princesa Victoria na fachada do Hotel Arlanda, ou no uso de boneco de Lego na “Lego Towers”, Ingels constrói uma ecologia social gráfica tão hermética quanto oportuna. Dentro de seu recorte, pouco é tangível do contingente da vida urbana. Pelo contrário, o valor do trabalho está na ficção reducionista e monolítica do mundo que apresenta - uma plausível e sedutora realidade paralela (e implicitamente crítica) da "nossa realidade" de vitórias, derrotas e barganhas.

Lego Tower. Imagem cortesia de BIG

“Bjarke Ingels é um ‘yes man’. Enfrenta o desafio de praticamente qualquer situação, razoável ou não, com um categórico 'sim'. Isto alimenta sua ambição de absorver todos os interesses políticos envolvidod em um projeto e distorcê-los para desarmar a oposição”. — Bjarke Ingels [11]

É interessante então que alguém que alega ter a capacidade de "absorver" todas as diferenças de um projeto possa também alegar que possua uma "oposição" a "desarmar", já que a noção de oposição não é coerente com essa narrativa conceitual de bem comum. Apesar de o discurso trair a falha que tenta disfarçar, a insistência de Ingels em viabilizar o impossível é a força do seu trabalho. Nem puramente hedonista, nem uma utopia prescritiva, seu "sim" oferece a promessa de um ajuste de atitude na imaginação do público - uma nova percepção do mundo e suas antinomias, prefigurando nossas reações às suas visões do futuro.

“O governo possui a tarefa ambígua de trazer a necessidade às pessoas, para que sobrevivam, embora escondendo-a delas, para que sejam felizes e inocentes”. — Harvey C. Mansfield, JR. [12]

“Essa ideia de paranoia - de perceber coisas que outras pessoas não vêm - é uma poderosa ferramente do arquiteto”. — Bjarke Ingels [13]

Uma característica fundamental de qualquer teoria conspiratória é sua coerência interna. Independente do resultado, conspirações funcionam. Quão bem elas funcionam depende da habilidade de plantar esses nós górdios na consciência coletiva. Tal habilidade garante o poder sutil da influência. Se o desejo de influência dos arquitetos é tão antigo quanto a profissão, as estratégias para atingi-la variaram muito. Na maioria das vezes, se relacionam com a destreza do manejar eficiência de material e economia, minimizando os excessos inerentes a qualquer obra.

Ingels, no entanto, emprega o social para justificar o excesso, usando sua marca pessoal como um coadjuvante para assegurar autonomia para sua exuberante agenda formal - que é tudo menos inevitável. Essa manobra dupla reflete uma simpatia pela apropriação de Koolhaas do método crítico-paranóico em Nova York Delirante bem como uma compreensão intuitiva da ambiguidade que permeia as estruturas de poder norte-americanas. Se, paradoxalmente, Ingels encontrou uma brecha para a autonomia disciplinar, através de um projeto social de união fictícia e criação de consensos, então talvez uma evolução do seu trabalho emergirá quando liberar suas formas da retórica vestigial do populismo e examinar a própria forma em relação às irreconciliáveis necessidades políticas que o levaram a conjurar tal enlace ambíguo desde o início.

Em nosso mundo, o "sim" é ótimo, mas "não" significa "não". Subvertendo a necessidade de barganhas em um embate de forças, Ingels oferece uma conspiração coesa e busca fieis para a BIGamy. Resta a nós decidir se o programa de Ingels representa uma suspensão temporária da realidade ou se efetivamente reescreve todas as regras.

Justin Fowler é pós-doutorando da Faculdade de Arquitetura de Princeton e editor e fundadora da Manifest: A Journal of American Architecture and Urbanism.

REFERÊNCIAS

[1] Bjarke Ingels, “Bjarke Ingels: Entrevista com Jeffrey Inaba,” Klat, n° 4 (2010): 89.

[2] Sarah Palin, “Discurso de aceite na Convenção Republicana Nacional”, 03 de setembro de 2008.

[3] Niccolo Machiavelli, O Príncipe, capítulo XVII.

[4] Bjarke Ingels, Yes is More (Cologne: Evergreen, 2009), 14–15.

[5] R. E. Somol, “Green Dots 101,” em Hunch, no. 11 (2007): 29.

[6] Bjarke Ingels, “Bjarke Ingels,” 94.

[7] Somol, “Green Dots 101,” 33.

[8] Harvey C. Mansfield, Jr., Taming the Prince: The Ambivalence of Modern Executive Power (Baltimore, MD: The Johns Hopkins University Press, 1993), 15.

[9] Somol, “Green Dots 101,” 37.

[10] Ibid., 34.

[11] Bjarke Ingels, Yes is More, nota do autor.

[12] Mansfield, Taming the Prince, 145.

[13] Bjarke Ingels, “Bjarke Ingels,” 86


Sobre este autor
Cita: Justin Fowler. "O Príncipe: a conspiração de Bjarke Ingels" [The Prince: Bjarke Ingels's Social Conspiracy] 02 Ago 2013. ArchDaily Brasil. (Trad. Arruda, Murilo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-131696/o-principe-a-conspiracao-de-bjarke-ingels> ISSN 0719-8906

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