Demolido e reconstruído: a identidade das réplicas na arquitetura

O direito de reconstruir a icônica Nakagin Capsule Tower de Kisho Kurokawa está atualmente à venda em um dos maiores sites de NFT. Embora a demolição da torre tenha começado no início deste ano, o leilão vende o direito de reconstruir a estrutura tanto no metaverso quanto no espaço real. A ideia de recriar o edifício Metabolic em um espaço virtual parece natural, já que isso poderia permitir que mais pessoas explorassem e experimentassem essa peça icônica da arquitetura - uma ideia alinhada aos ideais do Metabolismo. Por outro lado, a ideia de reconstruir um edifício histórico demolido no mundo físico suscita um conjunto de emoções conflitantes. Réplicas arquitetônicas não são a norma, mas sua existência levanta questões quanto à identidade e autenticidade da arquitetura.

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A decisão de demolir a Nakagin Capsule Tower, construída em 1972, deve-se ao seu estado precário e à incompatibilidade com os padrões atuais de segurança contra abalos sísmicos. Mesmo que a opção mais sustentável seja a reutilização de estruturas construídas, a necessidade de demolição geralmente se baseia em fatores mais graves: negligência prolongada, deterioração ou a presença de materiais perigosos como o amianto, que podem tornar a edificação insegura para a população. Algumas obras de arquitetura foram construídas como estruturas temporárias, enquanto outras representam símbolos que não mais se alinham aos ideais da população. Independentemente das razões, poucos edifícios demolidos intencionalmente recebem uma segunda vida.

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© 3D Digital Archive

No entanto, há um exemplo de um edifício icônico que foi demolido e recuperado dos escombros quatro décadas depois: o Pavilhão Alemão de Mies van der Rohe e Lilly Reich, atualmente conhecido como Pavilhão de Barcelona. Esta estrutura é amplamente reconhecida como um edifício canônico, uma das estruturas-chave do Movimento Moderno. Construído em 1929 como parte da Exposição Internacional de Barcelona, ​​o pavilhão pretendia representar a face da Alemanha após a Primeira Guerra Mundial como uma cultura progressista e moderna, mas ainda enraizada em sua história clássica. Sempre foi concebido como uma estrutura temporária, então, após o término da exposição, o pavilhão foi logo desmantelado, em janeiro de 1930.

Em 1955, o arquiteto Oriol Bohigas propôs a reconstrução do pavilhão reutilizando sua estrutura de aço. Ele entrou em contato com Mies, que concordou com a ideia e se ofereceu para redesenhar as plantas, pois as originais estavam perdidas. Apesar disso, o projeto não foi realizado por falta de apoio das autoridades. Outras tentativas frustradas se deram ao longo dos anos. Somente em 1981 a iniciativa finalmente prosperou, devido a uma posição favorável das autoridades de Barcelona. Um dos principais argumentos a favor da sua reconstrução foi o seu reconhecimento como “uma das obras fundamentais do século XX”, citando a expressão de Bohigas. O projeto foi encomendado aos arquitetos catalães Ignasi de Sola-Morales, Cristian Cirici e Fernando Ramos.

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© Cemal Emden

Uma premissa indiscutível aqui era o conceito de uma reconstrução que interpretasse o mais fielmente possível a ideia e a forma material do Pavilhão de 1929. - Ignasi de Solà-Morales.

Apesar da extensa pesquisa realizada para desenvolver as novas plantas, as elevações e os cortes, o novo pavilhão, concluído em 1986, não é uma réplica perfeita. Algumas das diferenças foram devido à falta de informações sobre a estrutura original, enquanto outras foram intencionais. A nova estrutura é construída para a permanência, então uma série de mudanças foram feitas para garantir sua longevidade: as fundações das “abóbadas catalãs” de 1929 foram substituídas por concreto, foi usado um mármore travertino mais duro, portas externas permanentes foram montadas, além de o telhado e os sistemas de drenagem terem sido melhorados.

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© Flickr usuario-estudio campo baeza. Usado sob Creative Commons.

O pavilhão de 1986 também corrigiu aspectos da estrutura original que são considerados representações imperfeitas da intenção do arquiteto. Em 1929, devido à escassez de mármore verde e travertino, as paredes externas e a parte traseira do pavilhão não foram revestidas, mas pintadas de verde e amarelo para remeter à pedra. A réplica corrige isso e tem todas as paredes revestidas em pedra. Com todas as melhorias, pode-se argumentar que a cópia é de fato melhor que o original. Rejeitamos intuitivamente essa premissa, mas ela levanta questões sobre a viabilidade de cópias da arquitetura.

Não temos dúvidas de que todos aqueles que participaram de alguma forma nessa empreitada estão conscientes da distância entre o original e sua réplica. Não porque a qualidade da sua execução seja inferior, o que não é o caso, ou porque foi impossível determinar com precisão como todos os detalhes do edifício foram resolvidos, mas porque cada réplica é, indiscutivelmente, uma reinterpretação. - Ignasi de Solà-Morales.

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© Hande Sigin

O pensamento do filósofo Nelson Goodman, detalhado em seu livro “Linguagens da Arte”, oferece uma visão da relação entre uma obra de arte original e sua cópia. Ele divide as artes em duas categorias: artes autográficas, que não podem ser replicadas, e artes alográficas, que podem ser. A primeira categoria inclui artes como pinturas ou esculturas, onde a autenticidade é definida pela história da produção. Cada pincelada de um mestre representa um passo que só pode ser imitado, fazer qualquer cópia é uma falsificação. Por outro lado, obras alográficas como textos literários, músicas ou coreografias podem ser multiplicadas infinitamente sem perder valor. Sua autenticidade está no sistema de notação abstrato.

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© Todamo via Shutterstock

Se considerarmos a arquitetura uma arte alográfica, baseada nos sistemas de notação definidos pelo arquiteto, então todas as instâncias de um edifício são igualmente valiosas desde que estejam de acordo com os planos e detalhes originais. Isso seria, no entanto, uma simplificação excessiva, pois as histórias de produção contribuem para definir os dois edifícios. O contrário também não pode ser inteiramente verdadeiro, pois a réplica é, ainda que parcialmente, uma representação autêntica da intenção do arquiteto. Uma melhor compreensão das obras arquitetônicas seria como híbridas, enfatizando ainda mais a complexidade inerente à arquitetura.

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© Cemal Emden

O status importante que um edifício adquire é muitas vezes a razão subjacente para a criação de sua réplica. O Pavilhão de Barcelona não é uma reconstrução de um pavilhão nacional representando apenas um país. É a reconstrução de uma das representações mais importantes e iniciais do Movimento Modernista. O programa gratuito do pavilhão temporário permitiu que Mies van der Rohe e Lilly Reich criassem uma das expressões mais puras de um movimento radical em seus estágios iniciais. É difícil dizer se a Nakagin Capsule Tower poderia ou não adquirir um status relevante e uma motivação forte o suficiente para ser reconstruída.

Este artigo é parte dos Tópicos do ArchDaily: O que é uma boa arquitetura?, orgulhosamente apresentado pelo nosso primeiro livro: The ArchDaily Guide to Good Architecture. Mensalmente, exploramos um tema específico através de artigos, entrevistas, notícias e projetos. Saiba mais sobre os tópicos do ArchDaily. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.

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Sobre este autor
Cita: Florian, Maria-Cristina. "Demolido e reconstruído: a identidade das réplicas na arquitetura" [Demolished and Rebuilt: The Identity of Architectural Replicas] 22 Out 2022. ArchDaily Brasil. (Trad. Gagliardi, Walter) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/989724/demolido-e-reconstruido-a-identidade-das-replicas-na-arquitetura> ISSN 0719-8906

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