Idealizado durante a programa de residências de outono para projetos independentes do IPA - Institute for Public Architecture, o projeto “The other of the other” (2023) foi produzido a partir de visitas e investigações em uma série de locais e arquivos institucionais em Nova Iorque, que tem influenciado o trabalho de Talles Lopes desde 2018. No geral, espaços e arquivos relacionados a veiculação da arquitetura modernista brasileira no norte global a partir do contexto de NYC, especialmente os arquivos do MoMA em Manhattan.
A imaginação e a formulação de políticas são inseparáveis. Um futuro desejável primeiro deve ser imaginado para depois ser possível conceber políticas que possam concretizá-lo. Na arquitetura, em particular, estamos constantemente imaginando o futuro, uma atividade intrínseca ao verbo projetar, e essa familiaridade com o ato nos faz responsáveis por ditar rumos e regras que poderão contribuir ou não com curso do planeta.
Neste momento de mudanças climáticas, decorrente do acúmulo de práticas irresponsáveis ao longo de séculos, a ideia do futuro passou a ser invadida por um medo, um alerta que determinaria a sobrevivência da nossa existência. A arquitetura, juntamente com outras disciplinas, passou a canalizar esforços para reexaminar, reconceitualizar e reformular suas práticas rumo ao futuro que precisamos alcançar. Para além das estatísticas e projeções, a abordagem da arquitetura em relação à ação climática traz à tona inúmeros conceitos, entre eles, a necessidade de uma revisão histórica para a criação desse futuro.
Ayrson Heráclito, "O Sacudimento da Casa da Torre e o Sacudimento da Maison des Esclaves em Gorée", 2015, videoinstalação. Cortesia do artista
Questionar a história canônica da arquitetura e lançar luz sobre práticas espaciais por muito tempo invisibilizadas é o que propõem Gabriela de Matos e Paulo Tavares em Terra, exposição que ocupa o pavilhão brasileiro na Bienal de Arquitetura de Veneza 2023. “É nossa maneira de fazer um sacudimento”, comentam os curadores, que voltam sua atenção para modos ancestrais de lidar com a terra, mirando possibilidades de presente e futuro mais justas e completas.
Abordando a terra em todos os significados que a palavra carrega, os curadores sobrepõem questões ligadas ao solo e ao território com problemáticas planetárias, propondo uma aproximação entre os temas da reparação e decolonialidade — emergentes ao contexto brasileiro — com tópicos abrangentes, como descarbonização e meio ambiente, decisivos no debate global contemporâneo.
https://www.archdaily.com.br/br/1000485/terra-como-tecnologia-ancestral-e-do-futuro-entrevista-com-gabriela-de-matos-e-paulo-tavaresRomullo Baratto e Victor Delaqua
A Fundação Bienal de São Paulo acaba de anunciar detalhes do projeto Terra que ocupará o Pavilhão do Brasil na 18ª Mostra Internacional de Arquitetura, La Biennale di Venezia. Com curadoria conjunta de Gabriela de Matos e Paulo Tavares, a mostra brasileira contará com a participação de um grupo diversificado de colaboradores, composto por povos indígenas Mbya-Guarani; povos indígenas Tukano, Arawak e Maku; Tecelãs do Alaká (Ilê Axé Opô Afonjá); Ilê Axé Iyá Nassô Oká (Casa Branca do Engenho Velho); Ana Flávia Magalhães Pinto; Ayrson Heráclito; Day Rodrigues com colaboração de Vilma Patrícia Santana Silva (Grupo Etnicidades FAU-UFBA); coletivo Fissura; Juliana Vicente; Thierry Oussou e Vídeo nas Aldeias.
Há algumas semanas, o Grupo Firme se apresentou no Zócalo da Cidade do México. De acordo com o governo da capital mexicana, o grupo bateu um recorde de público, com presença de mais de 280 mil pessoas, e de acordo com meus dados – sem provas mas também sem dúvida –, outro recorde também foi alcançado: o maior número de comentários racistas e aporofóbicos para os participantes de um evento.
FIG. 5: Planta da cidade de Cochim, de Pedro Resende, 1635 (BOCARRO, 1635). Fonte: BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL DE PORTUGAL. Editado pelo autor
Dedicamos as seguintes palavras ao debate de um tema caro à compreensão da presença lusitana no mundo: os processos de urbanização. Elegendo a paisagem de Cochim como estudo de caso, buscamos construir caminhos alternativos para se pensar as cidades “portuguesas” pelo mundo e suas relações com os diversos agentes e culturas com os quais os lusitanos estiveram em contato ao longo de suas atividades no ultramar ao longo de praticamente todo o globo. E nesse mar de opções, a escolha de Cochim para exposição se dá em função de dois aspectos principais.
Primeiro, Cochim foi a primeira localidade onde os portugueses fincaram base sólida no Oceano Índico, já no início do século XVI. Se os portugueses haviam até então acumulado um conjunto de experiências na costa oeste africana e nas ilhas atlânticas, o mesmo não se podia dizer sobre o Índico: Cochim foi o primeiro laboratório perene da experiência portuguesa nas costas asiáticas. Nesse sentido, o caso permite-nos analisar como os lusitanos acomodaram-se num contexto ainda desconhecido, bem como debater suas estratégias e instrumentos.
Monumentos, segundo Alois Riegl, são subsídios à memória. “In memoriam” são palavras que podemos encontrar em cada pedestal ou alicerce de um túmulo ou mausoléu em homenagem aos nossos heróis do passado. Embora seu caráter simbólico seja um refúgio de ideologias, preconceitos e — em muitos casos— intolerância, monumentos têm sido construídos pela humanidade à milênios e também podem ser considerados uma forma de arte e lugares de memória. Entretanto, não são raros os casos de monumentos associados à práticas ou eventos antiéticos, à descriminação, hostilidade e violência. Muitos dos templos da Grécia Antiga foram erguidos sobre altares utilizados para sacrificar animais — e, antes disso, seres humanos também —; as pirâmides foram levantadas pela força do trabalho escravo; praças públicas muitas vezes eram utilizadas como lugares de tortura e sentenças de morte. Isso significa que, na maioria dos casos, monumentos não são apenas simples estruturas inocentes construídas em memória de grandes personagens, mas a personificação de conflitos políticos, culturais, sociais e humanos.
https://www.archdaily.com.br/br/944267/status-estatuas-e-estatutos-erguendo-monumentos-a-homens-falhosMark Alan Hewitt
Monumento às Bandeiras, em São Paulo, pichado em 2016. Foto de Rovena Rosa / Agência Brasil / Fotos públicas
A arquiteta Ayesha Luciano não sabe muito sobre seus antepassados. Assim como outros descendentes de populações afro-brasileiras e indígenas, a história de sua família foi apagada durante o processo de colonização do Brasil. É o que a filósofa Sueli Carneiro chama de epistemicídio: o aniquilamento das saberes e memórias em países de passado escravista.
Mas os perpetradores deste genocídio têm suas figuras lapidadas em pedra, ocupando lugar central em espaços públicos do país. É o caso da estátua totêmica do bandeirante Borba Gato, na capital de São Paulo, ou de Joaquim Pereira Marinho, traficante de pessoas escravizadas cuja estátua está no centro de Salvador (BA). A arquiteta comenta: