Arquiteturas improvisadas: o cenário das alturas

As cidades estão crescendo, e crescendo para cima. Isso está longe de ser um fenômeno contemporâneo apenas, claro, e por mais de um século, os arranha-céus têm sido uma parte integral dos cenários urbanos por todo o mundo. Esse crescimento urbano engloba uma rede complexa de processos – avanços em conexões de transporte, urbanização e migração, para mencionar alguns deles. O crescimento, no entanto, é muito frequentemente associado a um fracasso governamental em atender todas as demandas da população urbana. Assentamentos informais são nascidos disso: pessoas encontrando seu espaço por si próprias para viver em meio à falta de apoio do Estado.

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Esses assentamentos informais normalmente reúnem características semelhantes; são localizados normalmente nas periferias urbanas das cidades e possuem uma tipologia mais baixa, apesar de mais densamente populada, como na cidade de Khayelitsha, no Cabo Ocidental, na África do Sul, ou Tondo, na capital filipina Manila. Uma característica obrigatória desses assentamentos é a arquitetura improvisada - folhas metálicas onduladas, por exemplo, usadas em conjunto para criar telhados, ou placas de madeira funcionado como uma camada de segurança em uma residência. Quando esses exemplo de inventividade arquitetônica são aplicados a contextos de altura elevada, no entanto, isso se torna um estudo fascinante sobre como as estruturas altas - muitas vezes associadas com o luxo e com um estilo de vida inspirador - também podem receber improvisações espaciais extraordinárias.

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Khayelitsha Township. Image © Olga Ernst under the Creative Commons Attribution-Share Alike 4.0 International license.

Não há assentamento em altura mais icônico do que a Kowloon Walled City, ao norte da ilha de Hong Kong. Embora tenha sido demolida em 1994, seu legado para a arquitetura improvisada sobrevive até hoje. O terreno onde a cidade ficava era em uma área de disputa histórica. Quando a China perdeu a segunda Guerra do Ópio em 1860, foi forçada a entregar Hong Kong aos britânicos - mas se recusou a submeter a porção de terra onde ficava a icônica cidade murada. Essa incerteza territorial estabeleceu o cenário para seu futuro, já que as pessoas construíam edificações naquela área em uma base ad-hoc. O boom de construções nos anos 1950 e 60 consolidou a imagem emblemática da cidade. Apartamentos de tijolo e concreto foram entremeados de estruturas de madeira, subido até seis ou sete andares.

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Aerial view of Kowloon Walled City. Image © Ian Lambot

Esse era um assentamento construído com adaptação, improvisação e cooperação contínuas. Livre de amarras como limites de propriedade, e certamente, das regulações de construção, as edificações eram simplesmente empilhadas uma em cima da outra, sem participação formal de arquitetos ou engenheiros. Escadarias estreitas ligavam os prédios e estruturas foram erguidas sem fundações ou estacas apropriadas. A manutenção adequada era praticamente uma impossibilidade, já que os edifícios ignoraram os padrões elétricos e mecânicos convencionais. 

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South Side of Kowloon Walled City - 1975. Image © Ian Lambot

Apesar disso tudo, há exemplos memoráveis de originalidade nas alturas. Alguns blocos de apartamentos tinham anexos improvisados de de ferro e tijolo presos aos seus telhados, alinhados um contra o outro. A paisagem dos telhados, no entanto, se tornou uma área de diversidade extraordinária. Áreas para a prática de exercícios e playgrounds tornaram os terraços uma parte importante dos espaços públicos de Kowloon, pontuados com a função menos atrativa de descarte de lixo. Embora becos apertados proporcionassem uma experiência espacial escura, a cidade murada é tão improvisada quanto as estruturas improvisadas podem ser, uma mega-estrutura evoluindo continuamente e extremamente responsiva às necessidades alteradas de seus moradores. 

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Kowloon Walled City, Hong Kong. Image © Roger Price under the Creative Commons Attribution 2.0 Generic license

Enquanto os edifícios da cidade murada eram majoritariamente improvisados, os edifício Torre de David, na capital venezuelana de Caracas, era uma empreitada mais formal. Foi projetado por um arquiteto renomado - Enrique Gómez, mas o edifício foi deixado inacabado após a morte de seu construtor em 1993. Os anos 2000 e 2010 viram uma carência extrema de moradia em Caracas, e cidadãos decidiram ocupar edifícios em torno do complexo Torre de David, com a população da torre chegando ao pico de 5 mil moradores. Mas assentamentos "informais" nas alturas têm o desafio aumentado de proporcionar provisões de segurança apropriadas.

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Torre de David - Exterior. Image © Saúl Briceño
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Torre de David. Image © Iwan Baan

Improvisar intervenções para reduzir acidentes pode significar decisões difíceis sobre o que priorizar entre conforto e segurança. Algumas famílias escolheram murar o acesso ao terraço com blocos de concreto, tapando o sol para criar um espaço mais seguro de varanda. Alguns moradores, no entanto, optaram por simplesmente assumir o risco, deixando suas áreas de varanda expostas para permitir o acesso de mais luz e da brisa vinda das montanhas que cercam a cidade. 

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Torre de David - Balconies. Image © Iwan Baan

O improviso em uma torre comercial também significa que as áreas de circulação eram desproporcionadas para o uso residencial, e as moradias, como resultado, ofereciam situações nada adequadas para a habitação, algumas delas, por exemplo, não tinham janelas para proteger de elementos naturais, ou não possuíam ainda serviços sanitários. A torre até hoje continua incompleta, e seus moradores foram realocados pelo governo em junho de 2015.

A cidade murada e a Torre de David são estruturas altas resultantes de assentamentos informais que levam à improvisação arquitetônica. No entanto, mesmo prédios altos associados a instituições rigorosas, como universidades, podem ser submetidos a usos criativos semelhantes. O edifício Mary Stuart Hall, na Universidade de Makerere, em Kampala é um bom representante. A moradia feminina brutalista, finalizada em 1972, sofreu com anos de má administração e cortes de orçamento.

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View onto the courtyard from Mary Stuart Hall. Image © Timothy Latim

Com isso, as estudantes foram forçadas a improvisar. A superlotação na universidade significou que os espaços comunais do Mary Stuart Hall evoluíram para espaços educacionais. O antigo refeitório, por exemplo, é atualmente usado para aulas. Com essa redução nos espaços sociais - estudantes fizeram alterações espaciais. Dormitórios com varandas compartilhadas que abrigavam originalmente duas ou três estudantes hoje são ocupados por cinco ou seis, e  essas sacadas se tornaram o único local para atividades sociais, com uma vista também para o Lumumba Hall, a residência masculina. 

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Entrance Hall - Mary Stuart Hall. Image © Timothy Latim

Ao olhar as arquiteturas improvisadas dessas estruturas altas, é possível romantizar esses exemplos de ingenuidade humana. Embora essas improvisações sejam impressionantes em escala individual, elas são todas improvisações forçadas, resultantes de fracassos organizacionais de governos. A tipologia de edifícios altos apenas para os aptos a fazê-la, e o que os moradores da cidade murada, da Torre de David, e do Mary Stuart Hall nos mostram é que , mesmo com a falta de apoio no design espacial, esses moradores de prédios tiveram de fazer para merecer. 

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Sobre este autor
Cita: Maganga, Matthew. "Arquiteturas improvisadas: o cenário das alturas " [Improvisational Architectures: The High-Rise Scenario ] 26 Fev 2022. ArchDaily Brasil. (Trad. Belo, Pedro) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/975955/arquiteturas-improvisadas-o-cenario-das-alturas> ISSN 0719-8906

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