Carmen Espegel sobre seu livro Heroínas do Espaço: "A história deve ser relida, ela ainda contém informações ocultas"

Carmen Espegel é arquiteta doutora pela Escola de Arquitetura de Madri. O seu trabalho é sustentado por três áreas complementares: acadêmica, pesquisa e atividade prática profissional. Trabalha de forma independente desde 1985, fez parte do atelier espegel-fisac arquitectos durante vinte anos - sendo sócia fundadora - e atualmente dirige o escritório espegel arquitectos. Sua orientação de pesquisa tem se concentrado principalmente na área de habitação, mulheres na arquitetura e crítica arquitetônica.

Por meio de seu livro Heroínas del Espacio. Mujeres arquitectos en el Movimiento Moderno, documento de referência na reivindicação do papel da mulher na arquitetura, Carmen nos traz uma releitura profunda da disciplina que busca evidenciar a presença feminina. Com foco em quatro arquitetas do movimento moderno: Eileen Gray, Lilly Reich, Margarete Schütte-Lihotzky e Charlotte Perriand, o livro começa fazendo uma revisão histórica para mostrar como a situação das mulheres ao longo do tempo não manteve uma trajetória linear na conquista da seus direitos. Ele nos convida a entender a história como um elemento vivo que se constrói de geração em geração, propiciando a produção de novas resenhas críticas do passado que nos ajudam a reivindicar àquelas foram veladas pela ortodoxia intelectual de cada época.

Na semana de conteúdo com curadoria especial para o Dia Internacional da Mulher, conversamos com Carmen sobre seu livro Heroínas del Espacio, recentemente traduzido para o inglês (Women architects in the Modern Movement; Routledge) e logo traduzido para o italiano e o coreano:

Belén Maiztegui (BM): Por que você decidiu fazer um livro sobre as mulheres na arquitetura? Por que você acha que é preciso falar, divulgar e produzir esse tipo de pesquisa?

Carmen Espegel (CE): Na verdade, o livro foi encomendado por uma editora porque minha tese de doutorado tinha um pequeno capítulo sobre a relação entre as mulheres e a arquitetura. Quando comecei a pesquisar, descobri um mundo emocionante que me levou mais cinco anos, além do trabalho que já havia desenvolvido durante minha tese de doutorado. Virginia Wolf disse em seu livro de referência, A Room of Our Own, que devemos escrever todos os tipos de livros, que não devemos nos assustar com nenhum assunto, trivial ou importante, e foi isso que eu fiz. Essas investigações são extremamente importantes se queremos construir um mundo mais justo, porque se não temos referências anteriores, é como se não tivéssemos um passado, como se nunca tivéssemos existido, o que é muito triste.

BM: Quais foram os critérios de seleção para as quatro arquitetas do livro? Além de sua contextualização temporal e sua inserção no movimento moderno, que outros aspectos você diria que as unem?

CE: Eu me especializei no mundo da modernidade com Eileen Gray, estudando em detalhes sua maravilhosa Maison en bord de mer, E.1027. A partir daí surgiram outras heroínas, quase sempre ligadas a figuras-chave da modernidade, de quem tínhamos ouvido falar. Por exemplo, ao mergulhar em Le Corbusier, a grande Charlotte Perriand e seu interior moderno inevitavelmente apareceram. Se nos aprofundarmos na obra de Mies van der Rohe, descobriremos que Lilly Reich foi sua parceira em Berlim até que ele partiu para os Estados Unidos. E se você estiver interessado como eu, em habitação social, em Frankfurt am Main descobri Grete Schütte-Lihotzky que mudou o modo de vida de milhares de famílias com seu projeto de cozinha integrado, incluído no aluguel. Talvez o aspecto mais surpreendente em todas elas seja a ligação que existe entre o trabalho e a vida. Os limites entre um e outro são muito difusos.

BM: Como você menciona no livro, “certamente porque historiadores, enciclopedistas, acadêmicos e em geral os“ guardiões ”da cultura oficial têm sido tradicionalmente homens, os episódios e obras de mulheres criadoras, artistas, guerreiras, aventureiras, políticas ou científicas foram raramente registrados na história " Como podemos construir uma nova narrativa arquitetônica que inclua as mulheres se as fontes históricas que temos à nossa disposição foram, em sua maioria, escritas a partir de uma posição de poder e privilégio? Você diria que é possível alcançar algum tipo de reivindicação por meio de uma releitura da história, criticando a própria crítica?

CE: A história deve ser relida, pois contém informações que ainda estão ocultas. Com nossos olhos poderemos extrair mais histórias da arquitetura. Esse desejo dos historiadores do século XX de exaltar apenas alguns grandes arquitetos, simplificando o mundo de uma forma aberrante, fez com que perdêssemos muitas informações que existem. Não trabalhavam sozinhos, seus sócios ou colaboradores eram, às vezes, tão grandes ou maiores que eles. Já que você me pergunta sobre as fontes, acho que no caso das mulheres é fundamental recorrer a outros tipos de fontes porque seus trabalhos foram publicados em livros ou revistas "menores", fora da ortodoxia intelectual do momento.

BM: Para os alunos, é importante poder acessar as pesquisas que oferecem como modelos e referências arquitetas, ativistas, promotoras, críticas, divulgadoras e gestoras. Que textos você recomendaria para nutrir essas perspectivas?

CE: Eu recomendaria que abrissem os olhos e olhassem para as mulheres que estão construindo a cultura hoje. Enfim, adorei a visão de uma mulher que admiro como cientista e como pessoa. É o livro Elogio da Imperfeição da ganhadora do Prêmio Nobel Rita Levi-Montalcini publicado pela Ediciones B, Barcelona, ​​1989. Em qualquer caso, uma referência no mundo da arquitetura de gênero é o livro de Dolores Hayden, The Grand Domestic Revolution: A History of Feminist Designs for American Homes, Neighborhoods, and Cities, publicado na MIT Press, Cambridge, Mass. Em 1983. Super interessante para mim também foi a coleção Historia de la vida de Philippe Ariès e Georges Duby, publicada em espanhol por Taurus, Madri, 1989

BM: Como você vê a condição atual -em termos de equidade- no campo da arquitetura? Como você acha que a mídia pode colaborar nessa construção da igualdade?

CE: Atualmente, existem muitas arquitetas que atuam em posições muito diferentes. Embora pareça que nossas barreiras foram reduzidas, ainda há muito mais a exigir. Peço as minhas alunas e colegas que se infiltrem em todos os setores profissionais que puderem para que possamos ter voz e voto na decisão de qualquer questão relevante para a sociedade. O nosso ponto de vista é mais do que necessário, somos metade da população e entendo que teremos que questionar e dizer alguma coisa. Os meios de comunicação de massa são essenciais para quebrar os estereótipos de gênero. Quando se é sensível a essas questões, percebe-se persistentemente que as imagens que o mundo tem de nós não são adequadas ou que se mantêm papéis que já deveriam ter desaparecido.

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St. Joseph’s College, 1975. Image Cortesía de Women’s School of Planning and Architecture Records, Sophia Smith Collection, Smith College (North Hampton, Massachusetts)

Carmen Espegel (Palencia 1960) é Professora de Projetos Arquitetônicos na Escola Técnica Superior de Arquitetura de Madri. Sua carreira é sustentada por três áreas complementares: prática, pesquisa e acadêmica. A nível prático dirige o escritório espegel arquitectos cujos trabalhos foram reconhecidos em diversas ocasiões. Participa e ganha inúmeros concursos nacionais ou internacionais como o Mercado Chamartín, a Habitação para Relocação em Embajadores 52, ambos em Madri, o Parque del Salón de Isabel II em Palencia, a Remodelação do bairro Tiburtino III em Roma ou o Centro Cultural e Câmara Municipal Gumpoldskirchen na Áustria. O seu trabalho tem sido reconhecido em livros e revistas de prestígio como El Croquis, Arquitectura Viva, ON, Arquitectura, Pasajes, Arquitectos, Future e Oris. A sua orientação de pesquisa centra-se principalmente na área da habitação e da mulher na arquitetura. Ela dirige o Grupo de Pesquisa “Habitação Coletiva” -GIVCO. Em nível acadêmico, deu conferências na Itália, Estados Unidos, Bélgica, Holanda, México, Brasil e Argentina. É autora de livros e inúmeros artigos que mostram o seu pensamento crítico, onde se destacam, Mulheres arquitetas no Movimento Moderno (2018), Moradia Coletiva na Espanha 1929-1992 Vol. I (2013) e 1992-2015 Vol. II (2016) , Eileen Gray: Objects and Furniture Design (2013), Aires Modernos, E.1027: Maison en bord de mer de Eileen Gray e Jean Badovici (2010) e Heroinas del Espacio (2008).

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Carmen Espegel. Imagem © Carmen Espegel

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Sobre este autor
Cita: Maiztegui, Belén. "Carmen Espegel sobre seu livro Heroínas do Espaço: "A história deve ser relida, ela ainda contém informações ocultas"" [Carmen Espegel sobre Heroínas del Espacio: “La historia debe releerse, todavía contiene información oculta”] 12 Mar 2021. ArchDaily Brasil. (Trad. Sbeghen Ghisleni, Camila) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/958388/carmen-espegel-sobre-seu-livro-heroinas-do-espaco-a-historia-deve-ser-relida-ela-ainda-contem-informacoes-ocultas> ISSN 0719-8906

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