Castelos d'água: infraestruturas icônicas, oportunidades desperdiçadas

Castelos d'água: infraestruturas icônicas, oportunidades desperdiçadas

Este artigo foi publicado originalmente no Common Edge.

Sou relativamente novo na região Centro-Oeste dos EUA e, de todos os elementos que chamaram minha atenção, destacam-se os castelos d'água ou reservatórios elevados. Em meu estado natal, Minnesota, eles estão por toda parte. Essas maravilhas da engenharia têm mais de 45 m de altura e assumem todos os tipos de formas e proezas metalúrgicas, desde um tanque de armazenamento elevado (pedesphere) até estruturas com colunas caneladas para os tanques esferoidais e elipsoidais. Como diz a lenda, estes objetos foram alvos de tiros frenéticos durante a transmissão de Orson Welles em "Guerra dos Mundos". Posso afirmar que, ao chegar o crepúsculo do dia, essas torres com diversos apoios – ou, melhor, silhuetas – podem parecer de outro mundo.

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© Justin R. Wolf

Esse fascínio recém-descoberto tem um significado. De volta ao Brooklyn, de onde eu venho, as pessoas têm o costume de olhar para cima (ou ocasionalmente para baixo de um ponto elevado) para admirar e até mesmo ponderar os tanques de água revestidos de madeira que fazem parte dos telhados. “Eles são extremamente funcionais ... além de preservarem uma conexão física com o passado”, observou Alex Marshall em um artigo do Common Edge. Estes reservatórios elevados, além de baratos de fabricar, são fáceis de reabastecer e podem ser erguidos em questão de horas – qualidades que não se aplicam às iminentes torres de aço, presentes nas paisagens ondulantes ao longo do Sul e do Centro-Oeste.

Os castelos d'água possuem dois propósitos principais, o primeiro é utilitário: aproveitar a gravidade para fornecer uma pressão de água adequada para uso potável – normalmente após um intenso processo de tratamento em diversas etapas. O segundo se aplica a diversos modelos de torres, mas não é universal: configurar um marco de orgulho cívico. “Para muitas comunidades, o castelo d'água faz parte de sua identidade”, de acordo com o Departamento de Saúde de Minnesota. A maioria das torres apresenta um lembrete amigável de sua localização, ou se o horizonte é vasto o suficiente indica qual cidade está à frente, ou até mesmo, expõe o logotipo da cidade com fontes ambiciosas ou complementos kitsch, que conseguem informar, inspirar ou provocar uma risada leve. Estes elementos podem também possuir funções duplas ou triplas, servindo como apoio para torres de celulares e sirenes de tornado.

Por mais fascinado que eu esteja, como qualquer elemento que constantemente aparece em nossa vista, as torres podem eventualmente se tornarem um lugar-comum. Na escala dos ambientes construídos, poucas estruturas e tamanhos específicos desconsideram tão abertamente as dimensões e o contexto de seu entorno como os castelos d'água. Estes elementos, agressivos para o olho humano dificultam nosso entendimento. Meu fascínio também se tornou irônico porque, esteticamente, há pouco louvor nestes objetos. Os castelos d'água surgem e sustentam a vida cotidiana e, ocasionalmente, segregam nosso horizonte. Mas não há mistério para um reservatório; não existem metáforas ou contos fantásticos que possam ser invocados.

Elas são anti-faróis.

Os faróis estão repletos de simbolismo e contradição; são estruturas modestas cuja existência se baseia na redução do desastre. O próprio farol é uma fonte de grande solidão para seus habitantes, mas sua luz serve como um símbolo de esperança para viajantes distantes. À terra em que se encontra o farol é uma rocha em meio ao caos, mas este local é um marco designado para uma armadilha mortal. Curiosamente, um farol não é menos estático do que um castelo d'água, mas o movimento constante de seu entorno oferece aos faróis uma sensação de permanência e destino manifesto. Um farol é acessível e tangível, mesmo que apenas mentalmente. É fácil entender como esses sentimentos de mistério e romance alimentaram sua lenda por milênios. E em uma observação menor, mas não menos relevante, eles são – quase fundamentalmente um tipo de construção – agradáveis ​​à vista, tanto de perto quanto de longe.

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A Chicago Water Tower (1869) agora funciona como uma galeria do Chicago Office of Tourism. Imagem © EQRoy | Shutterstock

Existem aproximadamente 70 castelos d'água listados no Registro Nacional de Locais Históricos, um número tímido comparado a cerca de 400 faróis registrados. Mas esse número de 70 ou mais não deve ser desconsiderado. Devemos considerar que o antecessor dos castelos d'água modernos é o aqueduto romano, uma maravilha da engenharia, que sobreviveu à civilização por mais de 2.000 anos. Talvez em um aceno sutil à majestade e amplitude dessas estruturas, os castelos d'água que foram erguidos em todos os EUA em meados do século XIX eram bastante atraentes. O detalhamento ornamental e a simetria complexa da Chicago Water Tower, por exemplo, construída em 1869, ou a elegância da Louisville Water Tower, construída em 1860, tornam essas estruturas mais do que dignas de reivindicar o status de um marco histórico. É verdade que esses exemplos se qualificam tecnicamente como obras públicas e, portanto, foram projetados de forma a se integrarem a seus contextos arquitetônicos. Os reservatórios verticais subsequentes foram construídos sobre fundações ascendentes de tijolo ou calcário, sendo concebidos da mesma forma usando uma abordagem de projeto inicial. Estes volumes geralmente evocavam os estilos arquitetônicos em voga de sua época, do Revivalismo Romano ao Art Déco, alguns até foram construídos para se parecerem com faróis. Já outros, como o famoso Brainerd Water Tower (também conhecido como "lanterna de Paul Bunyan"), o primeiro tanque elevado totalmente de concreto nos EUA, é amado pelos habitantes locais pelo seu significado histórico, apesar de estar desmoronando diante de nossos olhos. É uma relíquia obsoleta de infraestruturas públicas carentes.

Assim surge o dilema dos castelos d'água: eles atendem com eficiência a uma necessidade essencial de uma população ineficientemente dispersa. Mas, uma vez que todos os sinais apontam para uma explosão suburbana contínua, impulsionada pela era Covid, e como as áreas do interior se preparam para receber influxos graduais de novos residentes migrando de áreas costeiras de risco, eu sinceramente duvido que os municípios menores estejam prontos para finalmente resolver o problema de expansão urbana. Enquanto à terra estiver sendo desenvolvida para uso residencial, aquíferos e estações de tratamento continuarão a ser sobrecarregados e os castelos d'água de alta capacidade se tornarão serviços essenciais para um subconjunto maior da população.

E desta forma surge outro dilema, e um que eu acredito que pode ser resolvido mais facilmente do que o anterior: Por que não buscar inspiração em seus precursores e buscar alguma tentativa de construir torres de água que são, por sua aparência e contexto, inquestionavelmente parte do domínio público? Embora a prática de construir para a escala humana possa não se aplicar a uma torre de água média com 60 metros de altura disposta na beira de um milharal, existem muitas torres operáveis ​​em grandes áreas do país com as quais somos obrigados a coexistir diariamente. Sua visibilidade poderia não ser tão incômoda se tivessem algum propósito, além da mera utilidade, pelo menos no nível do solo. Desde integrá-los a parques públicos e espaços para caminhadas até a incorporação de torres de observação e recursos educacionais sobre processos de tratamento de água, há precedentes a partir dos quais podemos recorrer.

Sem dúvida, os slogans da cidade, os mascotes do ensino médio e o uso ocasional de objetos estéticos ousados ​​devem manter a companhia dos pássaros em todo o interior, mas no que diz respeito ao domínio público, há uma oportunidade. Na maior parte, os únicos castelos d'água que se qualificam como destinos (além daqueles que convidam a uma selfie rápida à beira da estrada) são os tanques verticais atraentes, mas antiquados, que são mais um monumento do que um monólito. Os engenheiros destas estruturam não precisam necessariamente entrar no campo da arquitetura, mas seria uma perspectiva intrigante e de certa forma uma maneira de ativar o território onde estes elementos se localizam. Neste quesito, essas estruturas altamente visíveis e presentes podem representar algo único – servir como utilitários extremamente funcionais e fornecer conexões físicas e tangíveis para nossas comunidades.

Sobre este autor
Cita: R. Wolf, Justin. "Castelos d'água: infraestruturas icônicas, oportunidades desperdiçadas" [Water Towers: Iconic Infrastructure, Underutilized Opportunity] 18 Dez 2020. ArchDaily Brasil. (Trad. Bisineli, Rafaella) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/952918/castelos-dagua-infraestruturas-iconicas-oportunidades-desperdicadas> ISSN 0719-8906

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