Em seu livro “Life 3.0”, o professor do Massachussets Institute of Technology, Max Tegmark, diz que “à medida que formos avançando na era da inteligência artificial, cada um de nós será um pouco mais responsável pelo futuro da vida no planeta.” Ainda hoje, a inteligência artificial muitas vezes é vista como uma espécie de caixa de pandora. Enquanto por um lado ela é encarada como uma ferramenta capaz de promover a segurança, a eficiência e a sustentabilidade nas cidades, por outro lado, ela é também representa uma ameaça aos seres humanos, algo que desencadeará um amplo processo de substituição da força humana de trabalho por máquinas gerando desemprego e isolamento social em massa. Neste contexto, a questão sobre como a Inteligência Artificial afetará as nossas cidades do futuro também tem chamado à atenção de arquitetos e designers do mundo todo, além de ter sido a questão central da Bi-City Bienal de Urbanismo\Arquitetura de Shenzhen 2019, atualmente o evento de arquitetura mais visitado do mundo.
O projeto de curadoria de Carlo Ratti definiu a exposição da Bienal em duas seções: “Eyes of the City” e “Ascending City”. O mote da Bienal propõe aos arquitetos participantes explorar novas relações entre o espaço urbano e as novas tecnologias. Como parte da seção “Olhos da Cidade”, os arquitetos participantes foram convidados a apresentar seus pontos de vistas e reflexões à respeito de como a Inteligência Artificial afetará as nossas cidades do futuro. Abaixo, selecionamos seis destas propostas apresentadas na última Bienal de Urbanismo\Arquitetura de Shenzhen, nas quais arquitetos do mundo todo abordam questões como a sustentabilidade e o isolamento social. Para mais informações sobre temas relacionados à inteligência artificial e sobre a Bienal de Shenzhen, dê uma olhada na nossa última entrevista realizada com Carlo Ratti e Winy Maas sobre o assunto, ou visite nossa página exclusiva sobre a Bienal de Shenzhen aqui.
Eyes of the City: Seeing and Designing Beyond the Human / Jeanne Gang
Com a universalização das tecnologias de inteligência artificial, e a sua incorporação aos espaços da vida cotidiana, temos a impressão de que tudo o que acontece em uma cidade pode ser traduzido em dados – como se a nossa existência estivesse sendo totalmente monitorada, nossas cidades mapeadas e o nosso comportamento, previsto.
E o que aconteceria se utilizássemos essas tecnologias para monitor mais do que apenas o comportamento humano, e os seres não humanos que coabitam os nossos espaços urbanos? Qual seria o impacto destes dados – até certo ponto invisíveis aos nossos olhos – no comportamento humano, na maneira como nos relacionamos com as outras pessoas e na forma como percebemos o espaço para além das estruturas construídas pelo homem?
Fato é que ainda temos muito a aprender sobre como utilizar estas ferramentas e principalmente, o que isso significará para o futuro de nossas cidades. À medida que novas tecnologias estão sendo desenvolvidas, testadas e aplicadas em nossos espaços urbanos, é fundamental questionarmos o que isso pode significar para o futuro das cidades e também da nossa disciplina. A arquitetura e o urbanismo poderiam vir a ser práticas que considerassem também as necessidades de outras espécies além de nós, humanos? Para que isso seja possível, ou ao menos uma possibilidade, é preciso que deixemos de nos preocupar apenas com o nosso umbigo, passando a observar mais atentamente o mundo ao nosso redor.
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Seoul City Machine / Liam Young
Historicamente, máquinas estiveram à serviço do homem trabalhando silenciosa e sistematicamente segundo as suas ordens. Mas esta realidade está passando por um processo de transformação. Desde que estes dispositivos adquiriram a capacidade de ver, ouvir e até responder aos nossos estímulos, cada dia com mais precisão e diligência, as relações homem-máquina estão começando a mudar de figura. Atualmente, ao invés de operá-las, passamos a dialogar com elas, enviando informações remotamente para equipamentos cada vez mais complexos e autônomos. As principais empresas de tecnologia estão investindo alto em ferramentas assistidas de inteligência artificial, como a Alexa da Amazon, a Cortana da Microsoft, o Assistente do Google ou a já famosa Siri da Apple, dispositivos concebidos para responder à nossos estímulos, simulando as nossas próprias interações socias, algo que até hoje é visto como uma capacidade inerente apenas à natureza do homem. Se perguntarmos à Cortana, se ela é uma mulher, ela responderá; “bem, tecnicamente eu sou apenas uma nuvem de dados.” Esta resposta assaz misantropa, nos leva a questionar a própria definição da sua existência: seria ela um ser, uma coisa ou apenas uma base de dados. Deborah Harrison, a voz por trás da Cortana na Google, utiliza o pronome “ela” quando se refere à nova ferramenta, mas ela é muito direta ao explicar que isso não significa que ela seja uma mulher, ou que haja algo de humano nela para que possamos utilizar uma definição de gênero sem cair em uma armadilha. “Está muito claro para a Google que a Cortana não é uma pessoa, apesar de utilizarmos uma designação de gênero específica quando nos referimos à ela”, explica Harrison. “Acreditamos que o uso do pronome neutro (it em inglês), faria com que soasse impessoal de mais, e embora não seja a nossa intenção que a Cortana seja comparada à um humano, queremos que as pessoas sintam-se familiarizadas com ela.”
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The Urban (Un) Seen “Artificial Intelligence as Future Space” / Bettina Zerza
Ao longo dos últimos anos a inteligência artificial deixou de ser apenas uma ideia abstrata e a sua incorporação à esfera da vida cotidiana nos ambientes urbanos está transformando a maneira como nos relacionamos com o espaço construído. Microssensores e dispositivos portáteis inteligentes estão por toda parte, coletando uma quantidades infinita de informações. Os sensores portáteis que compõe a chamada “urban tech”, utilizam os mais diversos veículos para avaliar dados referentes à qualidade do ar, a mobilidade e a infraestrutura urbana em geral. Por exemplo, os níveis de ruído de uma cidade podem ser facilmente detectados, avaliados e arquivados por tais equipamentos, incorporando-se a uma enorme base de dados. Uma ferramenta como esta, quando compartilhada com os cidadãos, poderá facilitar a identificação das principais fontes de ruído em uma cidade ou bairro, permitindo que os planejadores possam tomar melhores decisões para mitigar as consequências de tais fenômenos. Quais serão as consequências psicológicas, fisiológicas e emocionais que a universalização de tais dispositivos provocarão em toda uma sociedade é uma pergunta ainda muito difícil de ser respondida de forma precisa.
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Biocities beyond the Digitial / Vicente Guallart
Graças ao desenvolvimento de novas tecnologias, será possível re-construir os vínculos entre as nossas cidades e o ambiente natural que as mesmas suprimiram no passado. Este será o grande desafio que as cidades deverão enfrentar ao longo das próximas décadas. A revolução digital deve ser vista como uma oportunidade para reconciliarmos o espaço urbano com a natureza. Digitalizar o mundo nunca foi o nosso objetivo – o propósito da tecnologia é reinventar a nossa realidade para construir um mundo melhor. Qual é o mundo que estamos construído hoje?
Na maioria dos casos, desde à revolução industrial, as novas tecnologias apenas nos permitem fazer as mesmas coisas que já estávamos acostumados a fazer porém, de forma mais rápida e eficiente. É por isso que, ao invés de resolver os problemas criados com a industrialização e a consequente superlotação dos espaços urbanos, as novas tecnologias tendem a amplificar os problemas que ela mesma criou. Desde então, as nossas cidades continuam consumindo recursos naturais a um ritmo cada vez mais frenético e gerando desperdício de forma equivalente. Somos uma sociedade movida à combustíveis fósseis, nutrida por produtos industrializadas que viajam o mundo em contêineres, deliberadamente poluindo o nosso planeta para sustentar um estilo de vida à muito tempo, insustentável.
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Whose Eyes on the Street / Liu Jian
Podemos ficar até imaginando o dia em que as nossas cidade estarão cheias de sensores e dispositivos capazes de ver, ouvir e se comunicar com as pessoas. Dados de todos os tipo seriam coletados e analisados em um piscar de olhos, resultando em cidades mais eficientes e responsáveis. O espaço público seria mais seguro, o fluxo de veículos gerido por programas que prometeriam acabar com os congestionamentos, reduzindo os acidentes a um nível jamais visto. Serviços públicos seriam distribuídos de maneira mais uniforme, diminuindo a desigualdade sócio-espacial das nossas cidades. A ocupação do solo e a distribuição da infra-estrutura urbana seriam mais equilibradas. As cidades do futuro se transformariam em máquinas de altíssima eficiência. Mas, nem tudo é assim tão simples. Cidades não são máquinas, e os espaços urbanos mais se parecem com organismos vivos. Antes de ficarmos matutando em como serão as cidades do futuro, precisamos primeiro definir as regras do jogo, construir os instrumentos legais para regulamentar a utilização e a aplicação de tais tecnologias.
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How Does Architectural Design Change When the City Becomes Equipped with the “Most Recent Advances in Artificial Intelligence”? / Alessandro Armando, Giovanni Durbiano
Em seu livro The Second Digital Turn, Mario Carpo nos oferece uma definição bastante esclarecedora sobre a diferença entre inteligência artificial e inteligência “humana”. Através de seu slogan “pesquisar ao invés de categorizar”, ele descreve como a difusão do gmail operou uma quebra de paradigma na forma como vemos as coisas:
Costumávamos acreditar que a categorização automática das coisas resultaria em uma considerável economia de tempo. Isso pode até ser verdade; mas acontece que com o aperfeiçoamento das ferramentas de busca (nesse caso, a pesquisa do gmail), é muito mais fácil e rápido encontrar o que estamos procurando. Portanto, a organização sistemática de dados como uma ferramenta de economia de tempo, neste caso, passou a ser completamente inútil. Da mesma forma, computadores ainda não conseguem responder à questões existenciais, o que os torna incapazes de lidar com problemas que nós mesmos precisamos resolver. [Mario Carpo, The Second Digital Turn. Design Beyond Intelligence, MIT Press, Cambridge MA, 2017, p. 25.]
A inteligência artificial é como uma ferramenta de “busca” infinitamente capaz de vasculhar dados limitados: Carpo afirma que após a segunda revolução digital ficou muito fácil encontrar uma agulha no palheiro, algo que parecia humanamente impossível no passado. O único problema é que alguém precisa querer encontra a agulha. Não há mais a menor necessidade de categorizar as coisas, segregá-las em arquivos, pastas e gavetas. O conceito de taxonomia parece ser algo que pertence ao passado. Encontrar uma agulha no palheiro é uma atividade tão descomplicada quanto irrelevante para a capacidade de uma máquina.
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