Clássicos da Arquitetura: Monumento Al Shaheed / Saman Kamal

É difícil imaginar como as curvas serenas do Monumento Al Shaheed, refletidas em um lago cintilante na antiga cidade de Bagdá, poderiam ter sido construídas em um momento de conflito e genocídio. Comissionado pelo regime de Saddam Hussein como um memorial para os soldados mortos na guerra entre Iraque e Irã da década de 1980, esta estrutura graciosa irradia uma beleza tranquila que desmente o tumulto de seu nascimento.

Vários fatores contribuíram para a invasão do Iraque no Irã em setembro de 1980. Entre os principais, estavam ambições territoriais do presidente iraquiano e ditador Saddam Hussein, que desejava assumir o controle da região do Khuzestan, rica em petróleo, no Irã. Ele também estava agindo em resposta a supostas tentativas iranianas de incitar a maioria muçulmana xiita de sua própria nação a se rebelar contra seu regime. Dentro de um ano, as forças iraquianas foram repelidas pelas forças iranianas e os dois combatentes se estabeleceram em um impasse que durou sete anos. O Irã estava agora determinado a derrotar totalmente o seu conquistador, e somente os efeitos deletérios do conflito sobre sua economia poderiam finalmente levar o país a aceitar um cessar-fogo, que foi negociado pelas Nações Unidas em 1988. [1]

Clássicos da Arquitetura: Monumento Al Shaheed / Saman Kamal - Imagem 2 de 3
Via United States Navy (2003) Domínio Público. Image Cortesia de United States Navy

A guerra Iraque-Irã coincidiu com o último fim de um período em que as receitas das exportações de petróleo iraquianas foram dedicadas à construção de monumentos e memoriais na capital Bagdá. Essas estruturas, abrangendo diversas escalas, de pequenas fontes e estátuas a colossais arcos de triunfo, foram construídas para comemorar as vitórias do país em guerra; em muitos casos, essas celebrações arquitetônicas precederam os fins dos conflitos que provocaram sua construção. Não é incomum, então, que o monumento construído para homenagear os soldados mortos do Iraque na guerra contra o Irã tenha sido inaugurado em 1983 - cinco anos antes do cessar-fogo que levaria o derramamento de sangue a uma parada. [2]

Apesar de sua inspiração militar, o Monumento Al Shaheed não contém imagens marciais óbvias. Desenhado pelo arquiteto iraquiano Saman Kamal e pelo escultor Ismail Fatah al Turk, o monumento assume a forma de uma cúpula arabesca pontuda, de 40 metros de altura e coberta de azulejos turquesa. A cúpula é dividida pela metade no centro, com as duas metades vazias deslocadas umas das outras; uma metade abrigando uma cascata circular e uma piscina, enquanto a outra protegendo uma chama eterna dedicada aos mártires da guerra. [3] A estrutura situa-se em uma plataforma circular de 190 metros de diâmetro no centro de um lago artificial. Debaixo da plataforma há um complexo de dois andares composto por um museu, biblioteca, sala de conferências, cafeteria, galeria e instalações de apoio. [4]

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© Wikimedia user Mondalawy licensed under CC BY 3.0. Image Cortesia de Mondalawy

Embora a forma do monumento tenha sido de origem e desenvolvimento iraquianos, foi a empresa internacional Ove Arup & Partners - conhecida por, entre outros projetos, seu trabalho na Ópera de Sydney - que criou a estrutura de aço galvanizado que apoia o monumento. O exterior de azulejos vitrificados é moldado em concreto reforçado com fibra de carbono, fortalecendo ainda mais a estrutura. Entre o lago artificial, a ilha artificial e o marco maciço em seu centro, o projeto custou ao Iraque aproximadamente US $ 250 milhões antes da sua abertura em 1983. [5,6]

"Na era do presidente-líder, Saddam Hussein, líder da revolução e do povo, a República iraquiana alcançou a segurança da vida para todos os iraquianos, para que possam desfrutar de honra, liberdade e avanço civilizatório em todas as áreas". Hisham Al-Madfai, o engenheiro consultor que elaborou estas palavras para a inauguração do Monumento de Al Shaheed em 1983, foi preso pouco depois por falhas técnicas no concreto que compunha a laje em que se encontrava a cúpula de turquesa dividida. [7] O incidente ressaltou a ironia das palavras de Al-Madfai, que falavam da segurança da vida em um regime que mais tarde alvejaria seus próprios civis curdos com armas químicas. [8]

Embora o regime ditatorial de Saddam Hussein tenha sido forçado a um fim, muitos de seus projetos monumentais ainda permanecem em Bagdá como lembranças silenciosas, mas fortes, do regime derrotado. Enquanto o Iraque continua no caminho rochoso e incerto em direção a uma nova identidade nacional, a questão do significado dessas estruturas para o país permanece. Só o tempo irá responder se o Monumento Al Shaheed estará irrevogavelmente ligado à figura tirânica por trás da sua criação, ou se a elegância e a grandeza de sua forma transcenderão suas origens e permitirão que ela ganhe a admiração duradoura do povo iraquiano.

Referências

[1] "Iran-Iraq War." Encyclopædia Britannica. 22 de setembro de 2008. [link]
[2] Pike, John. "Baghdad Monuments." Global Security. 07 de setembro de 2011. [link]
[3] "Al-Shaheed Monument, Baghdad." Amusing Planet. Acesso em 4 de Março de 2017. [link]
[4] Pike.
[5] Khalil, Samir. The Monument: Art, Vulgarity, and Responsibility in Iraq. London: Andre Deutsch, 1991. p23.
[6] Pike.
[7] Khalil, p23.
[8] “Iran-Iraq War.”

Localização do Projeto

Endereço:Iraqi Shaheed Monument, Omar Bin Al Khatab Street, Iraque

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Localização aproximada, pode indicar cidade/país e não necessariamente o endereço exato.
Sobre este escritório
Cita: Fiederer, Luke. "Clássicos da Arquitetura: Monumento Al Shaheed / Saman Kamal" 21 Ago 2017. ArchDaily Brasil. (Trad. Souza, Eduardo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/878097/classicos-da-arquitetura-monumento-al-shaheed-saman-kamal> ISSN 0719-8906

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