Clássicos da Arquitetura: Bharat Bhavan / Charles Correa

No final dos anos 1970, o Governo da Índia lançou uma iniciativa para construir em cada uma das capitais uma instituição para celebrar a produção cultural e criativa da nação. Embora o programa tenha sido mal sucedido, um exemplo brilhante permaneceu: Bharat Bhavan ("Casa da Índia"), localizada em Bhopal.

Projetado pelo astro da arquitetura indiana, Charles Correa, este centro multi-artes abriu suas portas em 1982. Mais de trinta anos depois, continua a abrigar uma variedade de equipamentos culturais e receber diversos eventos de artes. O projeto do complexo é produto da missão de Correa em estabelecer um estilo arquitetônico moderno específico para a Índia e distinto do modernismo europeu. Projetando sobre a fonte de materiais abundante proporcionada pelo rico patrimônio arquitetônico de seu país de origem, em Bharat Bhavan Correa produziu um edifício para a era moderna que também permanece firmemente enraizado nas tradições vernaculares do passado da Índia.

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Cortesia de Charles Correa Foundation

Construído em uma encosta que desce em direção a um lago, uma série de terraços e pátios compreendem o complexo. Ao entrar, o visitante tem a opção de seguir o caminho de terraços em cascata até ao lago, ou descer para os três pátios que permitem acesso à maioria dos equipamentos culturais. Estes incluem galerias de arte contemporânea, um museu de arte tribal, um auditório, uma biblioteca de poesia indiana, uma loja de impressões e um estúdio para um artista-em-residência. A partir dos pátios, amplas aberturas com painéis de vidro para os edifícios garantem que o programa de artes seja literal e figurativamente acessível a todos. Na parte inferior do terreno implanta-se um anfiteatro, onde performances ao ar livre acontecem com o lago formando um cenário natural.

Cortesia de Charles Correa Foundation

A rota através dos terraços incentiva o movimento para o gradiente natural do terreno, com os pátios proporcionando espaços tranquilos para descanso e relaxamento. O diálogo entre estes dois componentes cria um fluxo de energia ao redor do complexo, em que Correa descreve como um "Caminho Ritualístico". O ritual de seguir um caminho sagrado é, segundo ele, "um impulso universal, encontrado em todas as culturas e religiões." [1] Correa enfatizou a espiritualidade de seus próprios caminhos estabelecendo paralelos com os encontrados na arquitetura religiosa, incluindo "o templo do sol do México" e os templos hindus de Bali, "com seus caminhos ritualísticos à encosta". 2]

Cortesia de Charles Correa Foundation
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Correa também observou exemplos seculares de Rotas Ritualísticas, como o palácio da cidade de Fatehpur Sikri e o promenade architecturale de Le Corbusier, embora tenha afirmado que o último foi apenas "uma 'frase' secular para expressar o que é na realidade um instinto profundo e sagrado".[3] Em Bharat Bhavan, os lances de escadas entre os terraços referenciam a arquitetura indiana tradicional, o que implica a santidade da via. As escadas são uma reminiscência dos ghats; patamares encontrados em cidades indianas que levam a um corpo de água benta, assim como os degraus de Correa orientam o pedestre à beira do lago. Na verdade, Correa citou os ghats de banho na margem do rio Ganges em Varanasi como uma influência estilística. [4] No Bharat Bhavan os degraus orientam o pedestre à beira do lago; as conotações religiosas enfatizando a natureza sagrada deste caminho.

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O modernismo europeu e, em particular, o de Le Corbusier, havia influenciado fortemente a arquitetura moderna indiana durante grande parte do século 20. Correa foi um pouco cauteloso com esta tendência, e criticou o Palácio da Assembleia em Chandigarh de Le Corbusier por ser mal ventilado, insuficientemente iluminado, e totalmente inadequado ao clima quente e úmido da Índia. [5] A arquitetura de Correa, ao contrário, é moldada pelo seu ambiente, com o controle de temperatura como principal preocupação em seu processo de concepção. Na verdade, isso foi muitas vezes uma necessidade, tanto que seu trabalho inicial consistia em projetos de construções ilegais, onde os habitantes não tinham meios para pagar para condicionadores de ar e eram forçados a confiar no próprio edifício para regular a temperatura.

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Em vez de importar as "caixas seladas" da arquitetura europeia, necessárias para o clima ocidental frio, Correa criou "espaços abertos ao céu."[6] Ele observou que "em um clima quente, o melhor lugar para se estar durante a noite e no início da manhã é ao ar livre, sob o céu aberto."[7] Os pátios afundados em Bharat Bhavan proporcionam sombra do sol do meio-dia escaldante, enquanto os terraços elevados oferecem ar e espaços refrescantes nos períodos mais frios do dia. Esta solução de controle de temperatura foi trazida diretamente da história arquitetônica da Índia, inspirada nos pátios e terraços do Forte Vermelho em Agra.[8]

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O céu leva um poder espiritual e significado mítico para Correa, que o descreveu como "a morada dos deuses" e "a fonte de luz - que é o mais primordial estímulo dos nossos sentidos." [9] Ele pretendia aproveitar o poder do céu para criar uma experiência metafísica através da arquitetura, proclamando que "não há nada tão profundamente comovente como sair ao exterior e sentir a imensidão do céu." [10 ]

Em Bharat Bhavan, a intenção é que aqueles que emergem das galerias para os pátios passem por uma experiência espacial semelhantemente dramática. O céu é também incorporado aos espaços interiores do terreno, com "conchas" de concreto sobre a estrutura permitindo que a luz e ar derramem por meio de suas aberturas circulares. Do exterior, essas conchas parecem reinterpretar uma outra característica do vocabulário arquitetônico da Índia: os chattris decorativos que, originalmente, implantam-se sobre os palácios do Rajastão.

Cortesia de Charles Correa Foundation

Os espaços ao ar livre em Bharat Bhavan são manifestações físicas do conceito de "espaço vazio", um tema recorrente, tanto na cultura visual da Índia como, e em particular, na sua filosofia. [11] Longe das atividades no interior dos edifícios, os pátios proporcionam um vazio contemplativo, reforçados pela implantação de esculturas em seu centro. Estes funcionam como um ponto focal de meditação ao espectador, assim como as árvores solitárias, muitas vezes encontradas no centro de pátios japoneses. O uso característico de Correa do vazio como uma ferramenta de arquitetura tem sido amplamente descrita como "não-construção'. Ele era maravilhado com a potência expressiva do nada, refletindo que é "realmente estranho que, desde o início dos tempos, o homem sempre usou os materiais mais inertes, como tijolo e pedra, aço e concreto, para expressar a invisibilidade que os movem tão apaixonadamente. "[12]

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O sucesso a longo prazo de Bharat Bhavan é em grande parte devido a sua popularidade duradoura com os moradores locais. Os pátios criam espaços públicos comuns, com os patamares em torno de suas periferias fornecendo estares articulados para os moradores encontrarem-se e socializarem. Os terraços são populares com as famílias locais, que passam suas noites passeando à beira da água e desfrutando das ofertas culturais do complexo. [13] Ao criar um edifício bem adaptado às necessidades da sociedade contemporânea fazendo uso de motivos arquitetônicos familiares, Correa conseguiu conciliar a modernidade com a tradição; um passo significativo em direção ao seu objetivo de estabelecer um Modernismo distintamente indiano.

Cortesia de Charles Correa Foundation

References
[1]
Correa, Charles. “Snail Trail”. In Irena Murray. Charles Correa: India’s Greatest Architect. RIBA: London, 2013. P.6
[2] Correa, Charles. “A Place in the Sun”. In A Place in the Shade: The New Landscape and Other Essays. Hatje Cantz: Ostfildern, 2012. p.19
[3] Ibid. Correa. p.7
[4] Correa, Charles. “Blessings of the Sky”. In Kenneth Frampton. Charles Correa. Thames and Hudson: London, 1996. p.25
[5] Correa, Charles. “The Assembly at Chandigarh”. In A Place in the Shade: The New Landscape and Other Essays. Hatje Cantz: Ostfildern, 2012. p.13
[6] Ibid. Correa. “Blessings of the Sky”. p.25
[7] Ibid. p.18
[8] Ibid. Correa. “Snail Trail”. p.6
[9] Ibid. Correa. “Blessings of the Sky”. p.28
[10] Correa, Charles. Housing and Urbanisation. Thames and Hudson: London, 2000. p.7
[11] Murray, Irena. Charles Correa: India’s Greatest Architect. RIBA: London, 2013. p.22
[12] Ibid. Correa. “Blessings of the Sky”. p.27
[13] Frampton, Kenneth. Charles Correa. Thames and Hudson: London, 1996. p.45

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Localização do Projeto

Endereço:J Swaminathan Marg, Shymala Hills, Bhopal, Madhya Pradesh 462002, Índia

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Sobre este escritório
Cita: Bryant-Mole, Bart. "Clássicos da Arquitetura: Bharat Bhavan / Charles Correa" [AD Classics: Bharat Bhavan / Charles Correa] 14 Set 2016. ArchDaily Brasil. (Trad. Souza, Eduardo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/795245/classicos-da-arquitetura-bharat-bhavan-charles-correa> ISSN 0719-8906

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