Cinema e Arquitetura: "O Jogo do Exterminador"

O cinema de ficção científica contemporâneo está cheio de realidades distópicas, de diferentes visões onde a humanidade mostra seu lado mais escuro, sempre através de consequências nefastas. Esta exploração por gênero deixou de lado outros tipos de propostas mais novas e diferentes, em troca de um cinema de fórmula e repetição onde rara vez um produto se destaca por sua qualidade argumentativa e gráfica.                                         

“O Jogo do Exterminador” é um filme que não precisa de um futuro envolto dentro de uma crise para possibilitar uma reflexão e crítica dos nossos instintos mais básicos como espécie; totalmente o contrário, nos mostra que o verdadeiro inimigo da paz é a nossa obsessão visceral por ser a espécie dominante, obsessão que pode nos levar a solucionar nossos problemas de sustentabilidade, mas também a uma guerra interplanetária. 

A realidade futura onde habita nosso protagonista nos é apresentada com escassas imagens como uma sociedade cálida e tranquila, pós-petroleira e baseada na utilização de energias renováveis. Seus cenários nos distanciam muito dos atuais, com a aparição de escassos elementos futuristas como automóveis de sonho e telas holográficas, que mostram uma evolução gradual da sociedade e portanto mais crível que os outros cinemas de ficção científica. 

Onde está o ponto de inflexão no salto tecnológico é na corrida armamentista na qual encontra-se a civilização humana. Após a devastação de um ataque alienígena, as fronteiras e problemas globais desaparecem, unificando a população dentro de um mesmo objetivo: a preparação diante de um segundo ataque e a luta por sua conservação como espécie. Os recursos se concentram na construção de uma imponente frota espacial, mas também no adestramento das crianças mais brilhantes com a esperança de criar o próximo gênio militar da história da humanidade. 

A ferramenta para isso, que parte dos militares, é uma arquitetura rígida e inflexível, um lugar difícil para a vida, onde a personalidade dos jovens se sublima diante da ordem estabelecida. É um ambiente onde se necessita de privacidade. A personalidade e a espontaneidade da vida são substituídas por horários fixos. Cada elemento reforça a ideia de que o indivíduo é substituível e o único que importa é sua finalidade. 

As estruturas espacias que são mostradas dentro do filme, mesmo que fictícias e exageradas, estão baseadas na astronáutica atual. Sua engenharia está baseada em peças modulares de vidro e metal, as quais são montadas para formar estações de grande beleza e tamanho onde predomina um claro caráter geométrico e funcional. A peça que sobressai com maior claridade é a Sala de Batalha, uma bela geodésica transparente onde os cadetes enfrentam-se uns aos outros e onde predomina uma clara perda de orientação convencional.

Destacam-se também, pela beleza do seu desenho, as naves e estruturas dos chamados Insetos. Seu planeta é representado com paisagens bonitas e coloridas de grandes acúmulos que se sobressaem na superfície e que lembram os temíveis ninhos de cupins. Apesar desta analogia terrestre, apresentam um desenvolvimento tecnológico terrível, criando estruturas de aparência orgânica mas capazes de cruzar o espaço, escapando de qualquer compreensão humana. 

Até o final do filme, a crítica ao lado bélico da humanidade é feita cada vez mas potente. Sua atitude agressiva se reflete no caráter invasivo das suas estruturas dentro da arquitetura alienígena, a qual aproximam-se e se adequam às suas necessidades. A bela luz natural é substituída pela fria e artificial. Não existe um diálogo entre as duas culturas, somente rejeição, incompreensão e no final... morte. 

Perfil do Diretor

Gavin Hood é um ator, produtor, roteirista e diretor de cinema nascido no dia 12 de maio de 1963 na cidade de Joanesburgo, na África do Sul. Começou sua carreira dirigindo curtas de caráter educacional para o Departamento de Saúde do país.  

Seu primeiro longa-metragem, do qual seria co-produtor e roteirista, chegaria no ano de 1999, "A Reasonable man”, filme que retrata a morte acidental de uma criança pequena que é confundida com uma criatura mitológica africana. Seu grande salto a fama aconteceu em 2005 com o filme “Tsotsi”, drama que retrata a vida nos bairros marginais de Alexandra em Joanesburgo, o qual ganharia o Prêmio da Academia Americana como melhor filme em língua estrangeira. 

Sua entrada na indústria de Hollywood chegaria em 2007 com o filme "Rendition" e posteriormente em 2009 com o filme "X-Men Origins: Wolverine”, baseado no famoso personagem de comics e protagonizado por Hugh Jackman.

No ano de 2011, chegaria em suas mãos o projeto de adaptação ao cinema do célebre livro de ficção científica "O Jogo do Exterminador". Ele dedicaria um longo período para a escrita do roteiro, fato que fez com que a estreia do filme fosse prolongada até o ano de 2013. Dentro do filme também participou como ator de voz e movimento para o gigante que aparece dentro dos jogos mentais de Ender. 

CENAS CHAVE

1. Utopia Meio-Ambiental

A humanidade encontrou um ponto médio entre a conservação do meio ambiente e o desenvolvimento urbano, entrando em uma etapa de maturidade de sua civilização. 

2. Futuro Cálido e Acolhedor

O lar de Ender está cheio de elementos cálidos e estilos reconfortantes com um toque de futurismo. Tal calidez o fará sentir-se deslocado dentro de um meio ambiente espacial. 

3. Realidade Sustentável

Escassas pinceladas nos retratam uma sociedade muito mais responsável do seu meio ambiente. Exemplo disso é a cozinha de Ender, dotada de uma horta caseira. 

4. Audi Shuttle Quattro 

Desenhado exclusivamente e de maneira totalmente digital pela afamada concessionária de automóveis, seu objetivo era enfatizar a estética de alta tecnologia dentro do filme.

5. Sociedade Pós Petróleo 

A humanidade é uma sociedade próspera e independente dos combustíveis fósseis. Sua nave espacial é alimentada por milhares de painéis solares alinhados de uma bela forma. 

6. Estruturas do Inconsciente 

O jogo virtual onde Ender se submerge apresenta formas cheias de fantasia próprias da mentalidade de uma criança, que nos mostram o conflito diante da responsabilidade de um adulto. 

7. Engenharia Espacial e Modular

Superada a barreira energética, a humanidade se expande para fora da atmosfera. Suas construções são modulares de vidro e aço; uma visão exagerada da astronáutica atual.

8. Ambientação Militar

Rígida e repetitiva. Cada corredor e sala é igual a anterior. Todos os elementos estão aparafusados no solo ou na parede, o que envolve um espaço inflexível e estrito para a vida. 

9. Arquitetura da Intimidação

Os espaços da Escola da Batalha são desenhados para o total controle das pessoas, um ambiente carente de intimidade onde o indivíduo somente importa por sua finalidade utilitária. 

10. Controle e Dominação

Em repetidas ocasiões, nos é mostrado o caráter manipulador dos militares, que através da segregação e intimidação controlam a população de jovens cadetes. 

11. Estética Futurista e Utilitarista

O figurino dos cadetes está inspirado em trajes de esportes extremos mas sob uma visão utilitária e descartável. O ambiente artificial procura refletir a dura realidade que enfrentam diariamente. 

12. A Sala de Batalha

O elemento chamativo do filme é uma geodésica de grandes dimensões formada por uma estrutura de painéis translúcidos, onde não existe sentido de orientação ou habitabilidade. 

13. O Mundo dos Insetos 

De belas paisagens, sua arquitetura está inspirada nos temíveis ninhos de cupins. É coesiva e apresenta conexões, mas seu funcionamento escapa a compreensão humana.  

14. Desenho Tecno-Orgânico

Similares a insetos, mas com um desenvolvimento tecnológico avançado, os desenho das naves são obras de abstração do mundo biologicamente terrestre. 

15. Arquitetura Invasiva

Ocupando um mundo alienígena desabitado, os militares constroem uma base através de técnicas parasitas, reforçando o conceito de que a humanidade é uma raça invasora. 

16. Simulação Humana

A grande sala de simulação possui um aspecto de bunker subterrâneo, um refúgio onde não somente se simula o combate, mas também a aparência cenográfica de um meio ambiente humano.

17. Agricultores Espaciais

Atravessando o espaço, o comportamento alienígena não é o de temíveis invasores, mas sim de uma raça dependente de recursos que passa por uma etapa insustentável de crescimento. 

18. Catedrais Alienígenas

De superfícies curvas e suaves, o interior das construções não somente possuem um caráter funcional e lógico da sua espécie, mas também uma intenção visual e contemplativa. 

FICHA TÉCNICA

Data de Estreia: 1 de novembro 2013
Duração: 114 min.
Gênero: Ação / Ficção Científica 
Diretor: Gavin Hood
Roteiro: Gavin Hood
Fotografia: Donald McAlpine
Adaptação: Ender’s Game, livro

SINOPSE

Em um futuro próximo, a Terra foi atacada por uma raça alienígena conhecida como os Insetos, detidos unicamente diante do sacrifício do comandante da Frota Internacional Mazer Rackham. Preparando-se para um próximo ataque, o estrito Coronel Graff decide treinar uma série de jovens superdotados para convertê-los no próximo gênio militar da humanidade.

Ender Wiggin, uma criança brilhante porém tímida, cai na mira do exército. Afastado da sua família e levado à Escola de Combate, terá de enfrentar uma série de provas que o levaram ao limite a fim de converter-se na esperança da Terra.

Sobre este autor
Cita: Altamirano, Rafael. "Cinema e Arquitetura: "O Jogo do Exterminador"" [Cine y Arquitectura: "Ender's Game"] 16 Out 2015. ArchDaily Brasil. (Trad. Sbeghen Ghisleni, Camila) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/775287/cinema-e-arquitetura-o-jogo-do-exterminador> ISSN 0719-8906

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