Construir / Hannes Meyer

Todas as coisas deste mundo são um produto da fórmula (função por economia).

Todas essas coisas não são logo obras de arte:
Toda arte é composição e portanto inapropriada.
Toda vida é função e logo inartística.
A ideia da «composição de um porto» é absolutamente ridícula!


Porém como surge o projeto de uma cidade? ou de um edifício? composição ou função? arte ou vida?????
Construir é um processo biológico. Construir não é um procedimento estético. Em sua forma elementar, a nova casa converte-se não só numa máquina viva, mas um aparato biológico para as necessidades do corpo e da mente. —O novo tempo dá à nova construção seus novos materiais disponíveis:

concreto armado        vidro armado             alumínio            aço                          ripolin            amianto
  borracha sintética       cortiça prensada        euböolith           cola  fria                   viscose         acetona
    couro sintético             resina sintética           compensado     concreto poroso       eternit            caseína
      concreto celular            corno sintético            caucho              vidro temperado       alcatrão         trolite
        imãs                                madeira sintética       torfoleum           xelotekt                      telas               tombak

Esses materiais são organizados segundo uma abordagem econômica para uma unidade construtiva. Assim surgem automaticamente e das condições da vida a forma singular, a estrutura do edifício, a cor dos materiais e a textura das superfícies. (Acolhimento e prestígio não são os leitmotiv na construção da casa.)
(O primeiro depende dos corações dos homens e não da parede da sala. . . .)
(O segundo caracteriza a atitude do anfitrião e não do seu tapete persa!)
A arquitetura como “materialização das emoções do artista” é carente de razão de ser.
A arquitetura como “continuidade da tradição construtiva” é deixar arrastar-se pela história da construção.
Essa concepção funcional-biológica da construção, que dá forma aos processos da vida, leva logicamente à pura construção: essas formas construtivas não conhecem pátria. São a expressão do pensamento internacional da construção. A internacionalidade é um privilégio da época. A pura construção é base e característica do novo mundo das formas.

01. vida sexual
02. hábitos de sono
03. animais domésticos
04. jardinagem
05. cuidados com o corpo
06. proteção contra as intempéries
07. limpeza da cassa
08. manutenção do automóvel
09. cozinha
10. calefação
11. insolação
12. serviços

Tais demandas devem ser os únicos motivos da casa. Examinemos a vida diária de cada morador, e isso dará o diagrama funcional do pai, da mãe, do filho, do recém-nascido e outros moradores. Exploremos a relação da casa e seus ocupantes com as pessoas de fora: carteiro, passante, visitante, vizinho, ladrão, limpador de chaminé, lavadeira, polícia, médico, empregada, companheira de jogo, empregado do gás, pedreiro, doente, entregador. Exploremos as relações dos seres humanos e animais com o jardim, e as interações entre seres humanos, animais e insetos. Comprovemos as variações térmicas anuais do solo, e em seguida calculemos segundo esses dados a perda de calor através dos pisos e a profundidade das fundações. As características geológicas do subsolo do jardim determina sua capilaridade e estabelece o sistema de drenagem mais apropriado. Calculemos a inclinação dos raios solares ao longo do ano em relação à latitude do local, e baseado nisso construamos a zona de sombra projetada pela casa sobre o jardim, a exposição ao sol das janelas do dormitório; calculemos a intensidade da luz diurna sobre o lugar de trabalho no interior e comparemos a condutividade térmica das paredes exteriores com o teor de humidade do ar exterior. Os movimentos de ar num recinto aquecido não nos serão estranhos. As relações ópticas e acústicas com as casas vizinhas devem ser projetadas com cuidado.  Sabendo das tendências atávicas dos futuros moradores da casa com determinados tipos de madeira, escolhamos para revestir o interior dessa casa padronizada e prefabricada abeto vermelho, álamo, okume ou arce acetinado. A cor é unicamente um meio para obter um efeito psicológico ou um meio de orientação. Uma cor nunca deve ser usada para simular vários tipos de materiais. A multiplicidade de cores é abominável. A pintura é uma proteção da superfície. Onde a cor parece psicologicamente indispensável, incluamos em nossos cálculos seu coeficiente de reflexão da luz. Evitemos o branco puro na pintura da casa: o corpo da casa é um acumulador de calor solar.

A nova casa é um produto industrial que deve ser montado sobre o lugar, e como tal é um produto de especialistas: economistas, estatísticos, higienistas, climatologistas, engenheiros industriais, especialistas em normas, especialistas em calefação... e o arquiteto?... era um artista e se tornou um especialista da organização!

A nova casa é uma obra social. Redime a indústria da construção do desemprego parcial de um profissional sazonal, e protege do ódio os projetos de emergência para aliviar o desemprego. Através da organização racional dos trabalhos caseiros, a dona de casa se liberta da escravidão da casa; a organização racional dos trabalhos de jardinagem protege o dono da casa ante o diletantismo do pequeno jardineiro. A nova casa é prevalentemente uma obra social, porque é (como qualquer norma DIN) um subproduto industrial padronizado de um grupo anônimo de inventores.

O novo bairro residencial, como um fim ao bem-estar público, é uma obra conscientemente organizada e vigorosa de uma base integralmente cooperativa de forças coletivas e individuais unidas por uma causa comum. O moderno na nova construção não são as cobertas planas e a divisão horizontal e vertical de suas fachadas, mas sua relação direta com a existência humana. Nela as tensões dos indivíduos, dos sexos, dos vizinhos, da comunidade e as condições geofísicas foram cuidadosamente consideradas.

Construir – é a organização deliberada dos processos da vida.
Construir – como um procedimento técnico é apenas uma parte do processo. O diagrama funcional e o programa econômico são as orientações decisivas da construção.
Construir – não é uma tarefa em que se realizam as ambições do arquiteto.
Construir – é um trabalho conjunto de artesãos e inventores. Somente aquele que no trabalho em colaboração sabe dominar os processos vitais e lidar com os demais, é construtor.
Construir – de uma questão individual (financiada pelo desemprego e pela falta de habitação), a uma questão coletiva da nação.

Construir é uma única organização: organização social, econômica, técnica, psicológica.

Referência:
Hannes Meyer, “Bauen”, em Bauhaus, Dessau, ano 11, n. 4, 1928.

© Tradução: Igor Fracalossi

Sobre este autor
Cita: Igor Fracalossi. "Construir / Hannes Meyer" 21 Mai 2015. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/767265/construir-hannes-meyer> ISSN 0719-8906

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