"O arquiteto não pensa no lugar, o arquiteto pensa na vida": entrevista com Manuel Aires Mateus

No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.

No primeiro episódio da sexta temporada, Sara conversa com Manuel Aires Mateus, do escritório Aires Mateus, sobre a Casa em Monsaraz. Ouça a conversa e leia parte da entrevista a seguir.

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Sara Nunes: Esta é a segunda vez que o Manuel está à conversa no nosso podcast. A primeira vez estivemos à conversa sobre o edifício da EDP. Foi uma conversa, como já estivemos em off a falar, via Zoom. Desta vez, estamos a fazer a gravação no vosso atelier, atelier esse (para as pessoas que não nos estão a ver) que é um espaço lindíssimo coberto de frescos, com pinturas e, no meio, temos aqui à nossa volta desenhos, maquetes, materiais que utilizam nas vossas obras. Isto para os ouvintes perceberem em que ambiente estamos a conversar. Hoje vamos estar a falar sobre um projecto que se situa no Alentejo, em Monsaraz. Alentejo esse que é uma terra que lhe diz muito, Manuel. Acho que nasceu lá, não foi?

Manuel Aires Mateus: Não. Nasci aqui...

SN: Ai, nasceu aqui?

MAM: Eu tenho o currículo mais fácil do mundo. Tudo se diz Lisboa. Estudei, vivo, trabalho, nasci...

SN: É a sua família?

MAM: É. A minha família é de dois Alentejos. A minha mãe é de um Alentejo próximo, de Estremoz, que não é muito longe de Monsaraz. E o meu pai é de Grândola, portanto tenho as origens no sul, mas na verdade nasci em Lisboa.

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© Nelson Garrido

SN: Mas eu tenho a sensação de que é não só uma região que o apaixona, como é uma área onde tem trabalhado bastante. Tem feito bastante trabalho.

MAM: É. É uma zona onde nós trabalhamos muito. Primeiro porque é uma zona aqui próxima. Depois porque é uma zona onde se têm desenvolvido muitas casas individuais, que é também um dos nossos projectos, ou um dos nossos temas preferidos. E também, obviamente, é uma zona onde temos uma grande familiaridade. É uma zona que gostamos muito. Estamos muito à vontade a trabalhar aí. Na verdade, com essa liberdade que aquele lugar nos permite e com as possibilidades que temos tido, acabamos por trabalhar bastante no Alentejo. Obviamente que mais no Alentejo da costa do que no Alentejo do interior, mas fazendo todo o tipo de trabalho, desde restauros, recuperações e construções novas. Temos usado bastante o Alentejo como uma plataforma de experimentação. Aquela região, para nós, tem sido bastante generosa.

SN: E, aliás, já estivemos à conversa exactamente com o seu irmão Francisco Aires Mateus sobre as residências assistidas, [projecto] também desenvolvido no Alentejo, em Alcácer do Sal.

MAM: Sim.

SN: Agora falando sobre a região, [nota-se que] uma das coisas que é muito forte neste projecto é exactamente a paisagem. Desafiava-o a partilhar com os ouvintes como é a paisagem onde está incluída esta casa.

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MAM: É uma paisagem muito particular, não é? Esta casa nasce da possibilidade de construção criada pelo desaparecimento da casa existente...

SN: Ah! Existia lá uma casa!

MAM: Existia uma casa na parte de baixo do terreno. A parte mais baixa do terreno, onde o Alqueva inundou, não é? Casa essa que desapareceu, que eu nunca vi, mas que enfim... Conheço-a legalmente, digamos. É a única fonte de onde eu a conheço, mas é essa casa que desaparece que dá possibilidade de origem a esta casa. No fundo, nós estamos a falar de uma casa construída sobre uma paisagem artificial, uma paisagem que eu conheci muito bem. Era uma paisagem completamente seca, árida, quente. É abafada porque aquela é das zonas mais quentes e mais ensolaradas do país e cujo Alqueva vem transformar completamente. O Alqueva introduz aquele lençol gigantesco de água. Obviamente que a paisagem visual transforma-se pela presença da água, mas também a paisagem de uma outra forma, de uma forma mais lata porque até o clima se transforma ali. O Alqueva tem mesmo um impacto gigantesco na zona. Nós estamos a falar de uma paisagem que eu conheci completamente seca e que se transforma numa paisagem virada para este [lago]. A razão da existência da casa é essa transformação. A casa não nasce, não nasceria na zona seca obviamente. Nunca teria sido construída. É uma casa que pretende tirar partido da existência deste “novo mar” e que se desenha virada para ele, mas também [há] a presença daquele Alentejo muito tradicional com uma paisagem muito carregada de sobreiros, azinheiras e todas as árvores que são muito características daquele lugar. [São árvores de] um verde denso, um verde-escuro. É uma terra dura mas, ao mesmo tempo, generosa, com muita pedra. É nesse contexto que a casa nasce, partindo até de um certo respeito por um lado telúrico, que é também cultural. Aquela presença e dureza da geografia influenciam a cultura de uma forma muito clara. A casa nasce partindo desta transformação. Ela não nasce de uma existência, mas sim desta ideia de transformação daquela natureza e da amabilidade que a água introduz. Aquela água introduz obviamente uma vida muito mais animada, quer humana, quer animal, à volta daquele lugar, que se torna muito rico e que absorveu com muita beleza esta transformação. Aquela paisagem ficou verdadeiramente maravilhosa.

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SN: É muito especial aquela paisagem.

MAM: É muito especial.

SN: É engraçado estar a dizer que foi possível construir aquela casa ali porque já havia uma casa. A sensação que dá, a primeira vez que vemos a casa, é: “Mas, espera aí... é possível construir esta casa neste sítio?” A natureza está ali tão virgem!

MAM: Sim e, de facto, há esta ideia de que aquelas são zonas isoladas, sem nada. Depois vamos descobrindo que sempre houve casas espalhadas, mas são coisas sempre com uma condição pontual. Depois aquilo tem aquele aspecto muito romântico. Está muito perto de Monsaraz que tem aquela meia realidade, meia invenção romântica daquele castelo. E é, de facto, muito bonita aquela presença.

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Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a quinta temporada do podcast No País dos Arquitectos:

Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.

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Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. ""O arquiteto não pensa no lugar, o arquiteto pensa na vida": entrevista com Manuel Aires Mateus" 04 Nov 2023. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1008760/o-arquiteto-nao-pensa-no-lugar-o-arquiteto-pensa-na-vida-entrevista-com-manuel-aires-mateus> ISSN 0719-8906

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