Desejo e cidade

“As cidades são a tentativa mais bem sucedida do homem para refazer o mundo em que vive até o desejo mais íntimo de seu coração”.

A citação é de Robert Park e eu a li por David Harvey, em um artigo intitulado “O direito à cidade.” Eu não sou nenhum estudioso em qualquer um dos dois autores, portanto a minha ideia é apenas para pegar a citação para desenvolver um ponto que me parece interessante: o papel que brincam os desejos humanos na configuração das cidades. Interessa-me dar uma pequena volta a esse poder das questões inatingíveis (como os desejos) para levantar enormes artefatos (como as cidades). Mas eu quero pousar um pouco quais são os desejos que movem hoje em dia a Santiago? Quais são os impulsos que resultam nessa forma que hoje em dia observamos? Aqui meu humilde ranking. Três desejos claramente reconhecíveis.

1.Desejar dinheiro

Nossa sociedade repousa sobre um princípio que neste momento parece dogma: o crescimento econômico é sempre bom, desejável e necessário. Existem refinamentos, mas nenhum partido ou grupo prega a ideia de “não crescer”. O crescimento econômico se sustenta em sua vez core a base do consumo, o que implica como derivada natural que também o consumo (ainda requere mais controle) é também bom, desejável e necessário. Mas para consumir necessita-se dinheiro. Assim, o desejo por tê-lo (e poder consumir) move, literalmente, milhares e milhões de pessoas. O desejo por dinheiro é a base dos movimentos físicos que explicam grande parte do crescimento das cidades. Alguns dirão que não é apenas por isso que as pessoas migram (do campo para a cidade, de cidades menores a capitais). Concordo. Não é o único, mas sim o primeiro. Será que você está disposto a ir trabalhar em outras regiões? Provavelmente, se o salário for, bom está disposto a pensar a respeito.

Mas o desejo por dinheiro é também o que estimula milhares de relações comerciais engenhosas que afetam a forma física das cidades. Desde a ampliação da casa para se ter um salão de beleza até a construção de um shopping. O desejo de fazer negócios (e, assim, ganhar dinheiro), não só move as pessoas fisicamente, mas que motiva as pessoas a fazer “coisas” físicas …

2. Desejar uma “casa”

Certamente um desejo ancestral que se sofisticou com o tempo, mas que, creio, ao meu juízo, segue na base dos desejos que movem e dão forma a uma sociedade. Se o desejo por dinheiro é capaz de mover as pessoas de um lugar para outro, o desejo de uma casa, uma vez que o dinheiro nos conduziu até lá, é óbvio. Colocado de forma muito grosseira, a modificação do plano de regulamentação de Santiago (MPRMS-100)  abre terras para 350.000 casas. Casas que cerca de milhão e meio de santiaguenses vão desejar que se somarão à capital daqui até 2030. Desejo por habitações que se traduzem em desejos por apartamentos ou casas que finalmente representam boa parte dos milhões de m² construídos que tem uma cidade.

3. Desejar tempo

Por que trocar a rua pela rodovia? Por que trocar o carro pelo metrô? Eu acho que o conforto é um fator importante, mas com o incômodo do metrô (hoje) eu me inclino mais por essa resposta: Porque com a mudança “ganho tempo”.

Novamente, não é a única razão, eu concordo, mas sim uma razão fundamental. Dentro da avaliação social que determina a execução de uma estrada ou rodovia, um elemento-chave é a redução do tempo de viagem. Quaisquer reduções são consideradas lucro para as pessoas, e as pessoas (e também as empresas) sempre valorizam o tempo. Tempo para dormir mais, para fazer mais entregas de mercadoria, para estar mais cedo em casa, etc. Em outras palavras, o desejo por tempo resulta em um esforço permanente para fazer projetos de infraestrutura que diminuam o tempo de viagem e encurtem as distâncias. Simplificando, redunda em metrôs, trens, carros, ônibus e milhões de m3 de asfalto e concreto para mover esses equipamentos.

 

Por Eduardo Ismael Martínez Santos
Arquiteto PUC- Chile

Sobre este autor
Cita: Paula Garcia Monteiro. "Desejo e cidade" 24 Jun 2012. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-55260/desejo-e-cidade> ISSN 0719-8906

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