The Indicator: Favela Café e o fim da ironia

Tadashi Kawamata é um de meus artistas favoritos. Não apenas por seu trabalho ser, de certa forma, arquitetônico, mas também pela surpresa que muitas vezes causa, parecendo ter surgido em segredo. Embora obviamente consagrado, existe um tom ilícito nele. É sujo, áspero, aparenta ser improvisado a partir de materiais encontrados - ainda que o trabalho de um artista tão aclamado e reconhecido claramente não ocorra dessa forma.

Não tenho nenhum problema com essa aparência. O problema está no jogo dessa aparência com a realidade, quando esta claramente não é condizente, mas sim escolhida para criar um choque de valores. 

A aparência da obra de Kawamata “Favela Café” na Art Basel, quando vista em relação à sua produção, deveria fazer muito sentido. Mas não faz. Além de ser uma alusão de mau gosto das favelas reais, é literal demais, mais parece um cenário para ricos encenarem a vida nas favelas. Uma obviedade que não condiz com seus trabalhos anteriores.

Cortesia de Art Basel

A ironia consiste em que ao tentar aproximar-se da improvisação de ambientes como as favelas, o senso de improvisação comumente encontrado em seu trabalho se perde completamente. "Favela Café" não pode escapar da sua própria literalidade. A seriedade do objeto faz ruir qualquer tentativa de ironia jocosa. Em consideração ao artista, podemos pensar que essa fosse, talvez, a intenção. Talvez quisesse que ríssemos e zombássemos dos abastados que pousariam na confortável pobreza obscena de "Favela Café".

Conheci favelas reais e "Favela Café" não tem nada a ver com elas. As reais são muito melhores, na verdade. Nelas há inovação constante, invenção, engenhosidade e criatividade. Há escolas, igrejas, escritórios, lojas, negócios de todos os tipos. Além disso, de modo similar à economia formal, existem gradações de influência e poder. Como em qualquer lugar, o crime existe, mas as favelas não devem ser criminalizadas pela porcentagem dele que proliferam ou contém.

O café de Kawamata toma a operabilidade e a improvisação que estão no cerne das economias informais e as apresenta estáticas e caricaturais. Claro que se trata de "arte" e de um assentamento informal real, mas através de sua mímica medíocre ela passa de arte a uma afirmação rude, como que dizendo: "Não é ótimo que não tenhamos que viver assim"?

Cortesia de Art Basel

“Favela Café” falha ainda mais ao ser tomada pelos turistas de arte que migram para a Art Basel. Torna-se um ponto de parada, uma zona de trânsito para os influentes e polidos, para os entendedores de arte. Este é o tipo de ironia que muito facilmente escorrega e, ao cair, denigre populações inteiras que continuam a lutar por um lugar na ordem política e cultural estabelecida.

Mas por que um artista consolidado com Kawamata erraria dessa forma? Talvez seja um ponto cego. Favelas foram estetizadas na cultura popular e na arte. Tornaram-se alimento para a criação arquitetônica. São anunciadas como signos de um mundo exótico e fabuloso. Turistas ficam alvoroçados por elas dentro de vans ou na garupa de motos e reúnem-se nos bares que ocupam suas baixadas, próximos do asfalto e da civilização.

Para a Art Basel, “Favela Café” foi um grande equívoco. Se pareceu engraçado ou sagaz no momento em que foi proposta, esse momento passou rapidamente. O que restou foi uma miscelânea decadente de mau gosto. Deveria ser desmanchada e substituída por trailers de qualquer rede de lanchonetes óbvia, agradável e cara, sem pretensões, sem condescendência e piedade pelos pobres trabalhadores, alguns dos cidadãos mais vulneráveis do mundo.

Cortesia de Art Basel

Além disso, as favelas são cada vez mais constituídas pela nova classe média. Não são lugares de desepero sombrio - ainda que também não sejam colônias de férias. São espaços complexos e disputados onde o formal e o informal se encontram, às vezes com violência, às vezes com festa. Apesar do trabalho de Kawamata dançar, ele é daqueles que permanece no canto, enquanto a multidão rodopia sob as luzes dos holofotes.

A propósito, os "cafés" das favelas são mais ou menos iguais aos do resto do mundo. Não possuem necessariamente um visual "de favela". Este é o risco que um artista corre quando responde a um programa funcional com seu trabalho ao invés de buscar, antes de tudo, produzir arte.

Sobre este autor
Cita: Jordana, Sebastian. "The Indicator: Favela Café e o fim da ironia" [The Indicator: Favela Café and the End of Irony] 12 Ago 2013. ArchDaily Brasil. (Trad. Arruda, Murilo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-133795/the-indicator-favela-cafe-e-o-fim-da-ironia> ISSN 0719-8906

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