Cinema e Arquitetura: "O Predestinado"

O cinema de ficção científica caracterizou-se por regozijar a vista do espectador com ambientações deslumbrantes que vão além da simples contemplação. Filmes que envolvem viagens no tempo são especialmente complicados de se estruturar diante do espectador devido a dificuldade de criar estéticas diferentes para tempos distintos e que ao mesmo tempo mantenham uma coerência visual entre si. "O Predestinado", não somente conseguiu criar esta atmosfera como também nos oferece um passado alternativo, onde reconhecemos uma multidão de detalhes históricos mas ao mesmo tempo somos testemunhas de tecnologias e situações sociais que nunca aconteceram, mas que podem existir. 

De caráter retro futurista, o filme nos narra a complicada, cíclica e paradoxa história baseada no conto de Robert A. Heinlein “All you zombies”, que nos situa dentro de um amplo período de tempo compreendido entre as décadas de 1940 e 1990, nas quais podemos apreciar a mudança de épocas principalmente pelo caráter do desenho e da arquitetura dentro da sociedade. 

Apesar do filme começar com um caráter retratista nas suas primeiras décadas, encontra seu auge nos anos 60, época real do conto e onde os diretores tomaram a decisão de criar um passado alternativo; o futuro tecnológico que o autor imaginava diante do início da corrida espacial. Esta realidade alternativa é definida pela presença de uma estética analógica, dominada por plásticos e desenhos pop da época. 

O filme possui elementos visuais que remetem muito ao cinema noir clássico da década de 40, como o emprego de contra-luzes onde predominam o uso de sombras muito marcadas, ambientes deprimentes, assim como uma história repleta de desgraças do protagonista, que habita dentro de uma realidade escura onde a luz e a felicidade são proibidas. Isto classifica filma dentro do gênero neo noir no qual a combinação com a ficção científica, o transforma em um produto novo e difícil de catalogar em partes iguais. 

Dentro de todos os aspectos técnicos e de desenho do filme, destaca-se o trabalho de fotografia para representar cada um dos períodos históricos, diferenciando-se, porém, mantendo uma coerência visual entre si. Neles, não somente se reflete a história, mas tornam-se parte do reflexo emocional do protagonista, seu crescimento como pessoa e o eterno conflito do seu destino e identidade. 

A época da sua infância e posterior adolescência na década de 40 e 50, esta retratada como um ambiente sem saturação, como uma fotografia envelhecida que perdeu cor e onde as lembranças tornam-se vagas. Está repleta de objetos e tons verdes, que reforçam o sentimento de depressão diante de uma infância solitária.  

Visualmente destaca o desenho de cenários, indumentária e objetos da década de 60 dentro da "Space Corp", coberta por um filtro azulado muito tênue e onde predomina a utilização da cor branca. Os sets elaborados especialmente para o filme, recorrem em grande medida aos elementos plásticos e de padrões geométricos como um eixo comum entre eles. Utilizam a penetração de luz natural direta para criar um efeito de falta de gravidade e leveza próprias do âmbito espacial.

O período mais escuro e opressivo recai na década de 70, tanto pela presença ameaçante do terrorista, como pelas desgraças acontecidas ao protagonista. É uma época lúgubre repleta de tons café e um filtro alaranjado que cria um ambiente tanto incomodo como inquietante. Este período contrasta subitamente com o caráter pós-moderno, industrial e tecnológico das décadas seguintes, um corte abrupto que se justifica pela aparição da viagem no tempo e o fechamento da narrativa. 

Perfil do Diretor

Conhecidos como Spierig Brothers, Peter e Michael são gêmeos nascidos no dia 29 de abril de 1976 em Buchholz, Alemanha. Desde crianças desenvolveram uma grande paixão pelo cinema, dirigindo através de meios caseiros, seu primeiro filme com 12 anos. Tal fascinação continuaria durante os anos no colégio. Michael formou-se em desenho gráfico enquanto Peter formou-se em cinema e televisão.

Seu trabalho chamaria a atenção de Dick Marks, diretor comercial que os contrataria para dirigir numerosos comerciais televisivos para marcas de renome. Durante este período continuariam trabalhando no roteiro e direção de curtas para o cinema. 

O começo dos longa-metragens viria em 2003 com o filme "Undead" (Canibais) uma comédia de terror de baixo orçamento no qual empregariam todas as economias da vida. O filme foi projetado em 17 festivais e distribuído em 41 países, mesmo passando desapercebido, serviu para criar as bases para a relação com a distribuidora Lionsgate, que em 2010 os responsabilizaria pelo filme "Daybreakers" (2019, O Ano da Extinção), contando com um time de estrelas e uma boa arrecadação. Seu terceiro e até a data mais recente trabalho seria "O Predestinado" em 2014, baseado no famoso conto de ficção científica de Robert A. Heinlein, “All you Zombies”, recebendo críticas positivas. 

CENAS CHAVE

1. Reminiscências do Cinema Negro Clássico

O filme possui elementos visuais próprios do cinema noir, com um passado cheio de desgraças, um herói de capa de chuva e chapéu, com enquadramentos cheios de sombras e contraluzes. 

2. Claro-escuro: o Papel da Luz e da Escuridão

O jogo entre a luz e a sombra são o eixo articulador do filme, reflexo do conflito dual do protagonista, um ser introspectivo cuja vida se debate entre a esperança e a loucura. 

3. Retro futurismo Imaginário

De uma estética claramente anacrônica e analógica,os períodos históricos buscam refletir uma história diferente da realidade, o futuro imaginado pela sociedade espacial dos anos sessenta. 

4. Ambientações Simbólicas

Dentro do desenho de produção a narrativa do filme abriga mensagens entre linhas, como o ambiente sacerdotal da Space Corp que recruta as mulheres pela castidade dos seus corpos. 

5. Atmosferas Arquitetônicas

Além de um sentido utilitário, os cenários do filme reforçam o desenvolvimento pessoal do protagonista em relação ao público, uma realidade antagônica e uma solidão perpétua. 

6. Década de 40 / Filtro Dessaturado 

A infância do protagonista é refletida como um passado frio e solitário onde não existe cor nem amor. Os tons verdes enfatizam seu caráter deprimente. 

7. Década de 60 / Filtro Azulado

É um período repleto de tecnologia e cenários espaciais, onde abundam os objetos de cor branco e metal cromado, banhados por uma perpétua luz direta natural.

8. Assepsia Atemporal 

Os anos 60 são a década de maior cuidado no desenho dos cenários, onde filmes como Gattaca procuram criar uma época esteticamente atrativa independentemente do tempo.

9. Década de 70 / Filtro Alaranjado 

Uma grande variedade de tons café e cantos escuros transmitem uma época de crise e depressão por parte do protagonista. A atmosfera é pesada e repressora. O presente é um lugar sem esperança. 

10. Ano 1975 / Filtro Esbranquiçado

Ano de retiro do protagonista. Repleto de detalhes monocromáticos de cor madeira e tons pastéis envoltos por luz natural que transmite tranquilidade e a reconciliação de uma vida crua. 

11. Década de 80 / Filtro Azul Marinho

Repleto de tecnologias de ponta, o futuro é um local cheio de estruturas pré-fabricadas de metal e concreto armado, cuja artificialidade se acentua através de um filtro azulado e luzes frias. 

FICHA TÉCNICA

Data de Estreia: 28 de agosto 2014
Duração: 97 min.
Gênero: Drama / Ficção Científica
Diretor: Michael e Peter Spierig
Roteiro: Michael e Peter Spierig
Fotografia: Ben Nott
Adaptação: All you Zombies, conto

SINOPSE  

Um agente especial, pertencente a um organismo secreto do governo que inventou uma tecnologia capaz de realizar viagens no tempo, terá que realizar uma série de viagens entre épocas a fim de deter um terrorista, um indivíduo que coloca bombas por todo o país provocando centenas de vítimas. 

Em uma das suas viagens, trabalhando como garçom em um bar, conhece um curioso homem que lhe narra uma história extraordinária e triste. Comovido, ele oferece ao homem a oportunidade de encontrar aquele que arruinou sua vida, suspeitando que se trata do terrorista que está procurando. 

Sobre este autor
Cita: Altamirano, Rafael. "Cinema e Arquitetura: "O Predestinado"" [Cine y Arquitectura: "Predestination"] 25 Dez 2015. ArchDaily Brasil. (Trad. Sbeghen Ghisleni, Camila) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/778597/cinema-e-arquitetura-o-predestinado> ISSN 0719-8906

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