Paradoxos da Utopia / Marina Waisman

Nos tempos modernos, a produção arquitetônica tem sido, de maneira crescente, resultado da interação entre as tendências internacionais e as circunstâncias locais (históricas, técnicas, econômicas, políticas, urbanas, etc.). O jogo entre ambos grupos de forças se tornou cada vez mais desequilibrado devido à enorme pressão dos meios de comunicação e dos poderes econômicos e políticos, que tendem a uniformizar usos e costumes no planeta inteiro. Porém também é certo que essa mesma pressão tem produzido uma reação que pode observar-se na produção mais original do mundo considerado periférico. Neste rápido e necessariamente esquemático panorama da arquitetura latino-americana das décadas mais recentes, antes que buscar as linhas genealógicas das principais realizações da região, é esta tensão a que tentarei descrever. É um jogo no que amiúde triunfa a força internacional, produzindo-se o simples translado de modelos desde os centros em que foram criados a aqueles que tentaram emulá-los; em ocasiões mais felizes, esses modelos se aceitam criticamente, se adaptam a circunstâncias locais, e se logram versões próprias e até originais; e, por fim, ocorre que, na luta, as forças locais alcançam predomínio, e mediante operações de caráter sincrético logram assimilar aqueles elementos das tendências internacionais compatíveis com sua própria natureza, e criar uma arquitetura que represente simultaneamente o «espírito do tempo» e o «espírito do lugar», no dizer de Enrique Browne.

Isto ocorre não somente no terreno do desenho, senão também no das ideias e das teorias, que são adotadas acriticamente em certas ocasiões, em tanto que em outras predomina a perspectiva local e as teorias são examinadas, reelaboradas, descartadas ou completadas para servir convenientemente à compreensão dos problemas presentes e a sua possível solução.

É um lugar comum falar da aceleração da história, porém se pensamos nos câmbios sofridos pela cultura arquitetônica nas décadas que nos ocupam, não podemos menos que começar com essa reflexão. É um período –ou subperíodo– que com razão tem sido considerado o começo da cultura pós-moderna. A década de sessenta, verdadeira «década libertária», viu o surgimento de culturas e subculturas submergidas; viu rebeliões, destruições de ideologias e mitos, desconfianças profundas nos saberes aceitos; e tudo isso, na América Latina como no resto do mundo, comoveu profundamente a arquitetura. A universidades foram caixas de ressonância mais eficazes que a práticas profissional corrente –ainda quando não faltaram ecos de certas tendências nesta última–, e nelas se entremesclaram confusamente os avatares políticos locais com a dança das ideologias arquitetônicas. Quiçá possa atribuir-se a esta situação a falta de continuidade ou, pior ainda, o desperdício das ideias originais que haviam frutificado na região na década anterior. A grande experiência brasileira –embora comprometida na rua sem saída de Brasília–, a arquitetura ambiental de Carlos Villanueva em Caracas, e as casas brancas argentinas, entre outras, ficaram olvidadas ou absorvidas pelos mecanismos do consumo, embora não faltam exemplos de arquitetos que, havendo começado seu labor em época anterior, continuaram e profundizaram sua capacidade criativa original, como Eladio Dieste no Uruguai ou Pedro Ramírez Vázquez no México. Este último, logo de sua série de escolas nas décadas de quarenta e cinquenta, realiza nos anos sessenta um brilhante conjunto de museus, em particular o Museu Nacional de Antropologia e Historia no parque de Chapultepec, do que diz Ramón Gutiérrez que «a evolução das cosmovisões indígenas, reinterpretadas não como réplica formal senão como valores sensíveis de relação arquitetônica, constituem uma das preocupações conceituais da obra».

Como parece usual na historia humana, a uma explosão de liberdade segue um recolhimento na ordem, uma busca de limites e cimentos, sem os quais o quefazer humano se volta extremamente arriscado. Assim, a década de sessenta nos vê regressar pouco a pouco à autoridade –a autoridade da historia, a autoridade da Academia–, sem que se borrem totalmente os resíduos da liberdade conquistada. Na América Latina se prolongará nesta década, sobretudo no âmbito universitário, a vigência da rebelião, mais bem sem programa que sem causa. Porém logo os ares internacionais e em muitos casos as circunstâncias políticas nacionais ajudarão a acomodar o jugo sobre as cervizes mais remissas.

A história penetrará, como se sabe, bem e mal: bem no respeito e revalorização do patrimônio, na mirada volta à própria história; mal, no despojo arbitrário do repositório histórico geralmente alheio –fabricando, à maneira de novos doutores Frankenstein, monstros sem alma com troços de cadáveres–, ou na imitação barata de supostos estilos nacionais. Um dos casos mais ressonantes foi a construção da falsa cidade colonial de Guatavita na Colômbia, de onde surgiu o termo guatavitismo. A Academia, por sua parte, imporá outra vez a simetria, justificada ou não, e a monumentalidade, que, curiosamente aliada com o high tech, contribuirá ainda mais à confusão da paisagem urbana.

A cidade desmesurada

Porque não deve olvidar-se que o principal âmbito de vida dos produtos arquitetônicos é a cidade, e que o desenvolvimento e o devir das cidades, e a história das formas arquitetônicas, estão profunda e intimamente unidos entre si. Agora bem, a maioria das cidades da América Latina sofreram neste período crescimentos desmesurados, e o que é mais grave, crescimentos que não foram gerados por sua própria expansão, senão pelo agregado confuso de multidões de habitantes expulsos de seu meio por circunstâncias econômicas, políticas e sociais. Surge disto o problema da vivenda que, como é sabido, é um dos que afeta mais seriamente a quase todos os países da região.

Este desmedido crescimento das cidades –Caracas é um exemplo máximo de explosão demográfica, México é uma das maiores cidades do mundo, etc.– tem produzido diversas consequências em sua própria estrutura e na arquitetura: a constituição de assentamentos marginais, espécie de subcidade com uma arquitetura misérrima, embora em ocasiões engenhosa e inventiva, porém sempre precária em quanto à qualidade da vida (Lima é quiçá a cidade que apresenta um quadro mais dramático a este respeito); a destruição de setores antigos, tugurizados ou invadidos pela especulação imobiliária; a formação de periferias informes, com protótipos interminavelmente repetidos, carentes assim mesmo das qualidades mínimas de uma vida urbana; a destruição da topografia natural para implantar estes assentamentos (caso específico de Caracas); a progressiva necessidade que mostram os edifícios comerciais de diferenciar-se dos demais, com a conseguinte proliferação dos formalismos mais absurdos; em geral, a formação de cidades collage nas que não se distingue um modelo urbano coerente, e simplesmente se acomodam fragmentos de cidades uns junto a outros.

A adoção direta dos modelos metropolitanos se adverte sobretudo nos grandes edifícios de escritórios, derivados próxima ou longinquamente dos protótipos miesianos, e abertos a todas as distorções formalistas que supostamente podem dotá-los de individualidade. Os edifícios de Carlos Bratke em São Paulo, se bem apoiados em interessantes buscas estruturais, podem ser um bom exemplo disto último. Em países como Venezuela, com estreitas relações arquitetônicas, comerciais e culturais com Estados Unidos, e com elevado poder aquisitivo, podem encontrar-se excelentes exemplos, como o Banco Unión, de Gómez de Llarena, edifício de refinada execução e desenho. O grande crescimento de Caracas se fez sob este signo, e as torres modernas definiram a nova imagem da cidade; ali não só os modelos senão os materiais mesmos costumam ser importados dos Estados Unidos. Também em Medellín, Colômbia, se apreciam muitos edifícios deste caráter: o prestígio do high tech está presente no formoso espaço de seu aeroporto (obra de Ceidarco, Majarrés, D’Amato, González y Osuna, 1982-1985), coberto com uma grande abóbada acristalada de planta curva, que sofre, no entanto, por sua inadequação ao clima. Na Argentina, Mario Roberto Álvarez mantem desde há mais de trinta anos uma severa, eficiente e corretíssima arquitetura miesiana, sem alardes formalistas.

Os grandes conjuntos de vivendas não estão isentos desta dependência dos modelos: as ruas elevadas de Sheffield aparecem no excelente conjunto da Unidad Vecinal Portales de Santiago do Chile (de Valdés, Bresciani, Castillo e Huidobro), demonstrando, ao igual que em seu lugar de origem, sua inutilidade como lugares de encontro. Algo semelhante ocorre com pontes e escadas que costuram inevitavelmente os blocos dos grandes conjuntos dos arredores de Buenos Aires do começo dos anos setenta (Ciudadela ou Morón, de Staff). Mais recentemente, a transcrição direta da quadra europeia ao meio argentino (Bairro Centenário, Santa Fe, de Tony Díaz), demonstra as diferenças nos modos de vida de ambos meios.

A arquitetura de sistemas serviu de base a numerosos projetos (Hospital de Pediatria de Buenos Aires, de Aftalión, Bischof, Do Porto, Egozcue, Escudero y Vidal, 1973-1984); porém a descontinuidade da demanda, devida às flutuações das políticas econômicas e sociais dos diversos estados, faz muito difícil a permanência de uma indústria sólida de sistemas pré-fabricados. Resultou frustrante, assim, mesmo, a experiência dos primeiros anos da revolução cubana, com a importação de sistemas pesados da União Soviética, inadequados ao meio por múltiplas razões.

De um maior equilíbrio entre as forças internacionais e as locais sugiram obras de considerável valor, que distam de ser meras reproduções de fórmulas consagradas, ao utilizar elementos linguísticos, modos de uso dos materiais, ou concepções espaciais afins com os dados do problema próprio. Há parentescos entre a capela de Las Condes, nas aforas de Santiago de Chile (do Padre Gabriel Guarda, 1965), e os recursos de Rochamp, porém na capela chilena o extremo ascetismo e a notável economia de recursos de desenho conferem à obra um caráter único, compenetrado com o espírito da Ordem e com a agreste paisagem. Também tem antecedentes corbuserianos o edifício das Nações Unidas na mesma cidade (de Emilio Duhart, 1966), porém com fortes alusões às massas e aos observatórios indígenas. A refinada obra de outro chileno, Christian de Groote, e a do argentino Eduardo Sacriste, podem assim mesmo inscrever-se nesta linha.

Por sua parte, o uso do concreto armado, muito extenso na América Latina, tem dado como resultado versões próprias do brutalismo, assignadas pela escala americana. As grandes massas de material sólido, contrastando com os vastos espaços interiores e as longas horizontais, reclamam sua relação com o horizonte americano, com a medida de um espaço natural que faz sentir sua força e sua presença mais além da mera proximidade física. A obra de Vilanova Artigas no Brasil, a de González de León e Zabludovsky no México (entre elas o Museu de Arte Contemporâneo Rufino Tamayo, 1975-1979), são valiosos expoentes desta orientação. Na cidade de Buenos Aires, onde a força telúrica se diluiu numa imagem urbana europeizada desde o século passado, o Banco de Londres (Clorindo Testa e SEPRA, 1960-1966) apresenta, ademais da originalidade da unificação de envolvente plástica e estrutura, a insólita harmonia do edifício com o entorno, geralmente ausente neste tipo de expressão.

Regionalismo

É também a atenção a um entorno (parte de um parque ocupado por uma estação de televisão oficial) o que dá caráter especial ao Centro de Produção da Argentina Televisora Color (Manteola, Sánchez Gómez, Santos, Solsona y Viñoly, 1978, Buenos Aires): as instalações se cobriram com um engenhoso terraço público para jogos e passeios, não isento de maneirismos pós-modernos.

Sob o genérico e ambíguo nome de regionalismo costumam agrupar-se aquelas expressões arquitetônicas que tentam fazer prevalecer as tendências e condições locais sobre a pressão das forças internacionais. Para diferenciar uma atitude regionalista criativa, capaz de abrir caminhos alternativos aos fáceis folclorismos ou nacionalismos estreitos, pode ser útil examinar as diversas temáticas que preocupam seus criadores. Esta análise, como se verá, permite asseverar que se trata de posições de divergência com respeito às tendências hegemônicas, antes que de resistência a sua manipulação pelo aparelho, como as define Kennet Frampton.

O desenvolvimento de tecnologias adequadas à região e de tradições construtivas suscetíveis de modernização é um dos caminhos principais: Eladio Dieste, no Uruguai, logrou resultados técnica, econômica e espacialmente admiráveis com suas delgadas abóbodas de tijolo; Severiano Porto, no Brasil, principalmente em Manaus, criou uma singular arquitetura madeireira, baseadas em técnicas populares, porém com indubitável expressão atual, harmonicamente ajustada às condições climáticas. É também uma preocupação ambiental a que prima no edifício da CHESF (de Assis Reis, em Bahia, Brasil, 1977-1979), um edifício de bela obra de fábrica de tijolo situado sobre um estanque que lhe proporciona o equilíbrio climático.

Porém ambiente é algo mais que clima: é luz, é paisagem, é cor. E neste terreno poucos arquitetos atuais alcançam a maestria refinada de Rogelio Salmona. A valorização da paisagem urbana (Torres del Parque, edifício Los Pinos), o sutil manejo da luz zenital (casa Franco), o jogo da luz atmosférica sobre as superfícies, a inserção do espaço aberto (Casa de Hóspedes, Museu Quimbaya), são algumas das qualidades de sua arquitetura, que se apoia fortemente em uma técnica e um material, o tijolo, que em sua região permite alcançar um alto grau de maestria.

A arquitetura de tijolo oferece um conjunto de nobres obras em diversos países: a excelente arquitetura de Bogotá (Guillermo Bermúdez, Fernando Martínez, Dicken Castro e Carlos Moralles, entre outros); e a amplia presença de Togo Díaz em Córdoba, Argentina, são alguns dos casos mais relevantes. Sua fácil manutenção, a disponibilidade de hábil mão de obra, a possibilidade de explorar valores plásticos e a adequação a diversas condições climáticas convertem o tijolo num excelente recurso construtivo e expressivo para grandes regiões do continente.

Já se comentou, a propósito do brutalismo, o tema da escala. É este mais um aspecto da tradição histórica, do ambiente e do caráter cultural de um país ou região. Parece importante distinguir a este respeito a escala referida ao edifício que simplesmente tem grandes dimensões (grande altura, muitos pisos, grande superfície) da escala compositiva, isto é, a escala em que se concebem os elementos do organismo arquitetônico (extensas superfícies ininterrompidas, vigas sobredimensionadas, espaços interiores trabalhados com objeto de pôr em relevo suas dimensões, linguagem expressiva que acompanha essa intenção geral, etc.). O primeiro tipo de grade escala é frequente em um país como Venezuela –em particular em Caracas– ou em uma urbe como São Paulo. O segundo caracteriza a arquitetura brasileira ou mexicana às que se fez referência anteriormente, e se encontra, paradoxalmente, em um seguidor de Luis Barragán, o mais intimista dos arquitetos latino-americanos: Ricardo Legorreta. Legorreta leva a linguagem de planos puros e de cores intensas –outro modo de aproximar-se a uma tradição local, neste caso a tradição popular da cor– a uma escala que foi alheia à obra de Barragán, na que a total ausência do anedótico suprime toda referência a dimensões precisas.

A intenção de aproximar-se aos modos de vida do habitante encontra apoio no recurso tipológico quando o tipo é tomado em seu caráter de depositário de formas de ocupação do espaço, e permite, portanto, sua adequação às atuais formas da vida social. O pátio como centro da vivenda é uma dessas tipologias que se prolongam no tempo, e que reaparece na vivenda suburbana de nossos países, com as interpretações mais livres e felizes (casa Franco, de Rogelio Salmona, casa Urtubey, de Gramática/Guerrero/Morini/Pisani/Urtubey, Córdoba); como o são, assim mesmo, certos tipos de galerias ou pérgolas típicas da arquitetura popular chilena (casas de Enrique Browne), ou as galerias abertas em vivendas rurais (casas de Eduardo Sacriste, Argentina).

Teoria e Ideologia

Por outro lado, não é fácil que alcance o mesmo êxito uma arquitetura que pretende representar uma tradição e uma ideologia em função de uma interpretação programática e intuitiva, como nas Escolas de Arte de Cuba (Ricardo Porro, 1965), que tentaram expressar, por uma parte, a condição tropical do país e, por outra, a liberdade recém-adquirida, utilizando assim mesmo uma certa tradição construtiva local. O elegante barroquismo das formas não parecia muito apto para expressar as novas ideias de organização do país, em tanto que o processo artesanal resultou contraditório com as necessidades concretas de uma população infra-alojada e carente dos serviços mais elementares. Não se vislumbra ainda um caminho claro para a arquitetura cubana, na que se destaca a qualidade da produção de Fernando Salinas.

Entre teorias y/o ideologias elaboradas ou revalorizadas pela cultura pós-moderna internacional se acham o regresso à história e à vida urbana na cidade tradicional, em cuja translação ao meio latino-americano há aspectos indubitavelmente positivos. No referente à história, se tem acentuado a revalorização do patrimônio arquitetônico, com resultados importantes em países como Colômbia e Brasil, que possuem organizações oficiais de grande peso e um número de qualificados especialistas, e com uma crescente tomada de consciência que se traduz em obras e iniciativas importantes, amém de cursos universitários de pós-graduação. Tanto na atividade privada como na estatal, a recuperação de edifícios antigos para novos fins apresenta exemplos de grande interesse, nos que podem descobrir-se critérios de intervenção de diversos caracteres.

O Centro Comercial Villanueva (de Laureano Forero, em Medellín, Colômbia, 1978-1982), ampliação e reciclagem de um antigo seminário, é um excelente exemplo de seriedade e adequado encontro entre linguagem moderna e linguagem histórica. Os Centros Culturais de Córdoba, Argentina (Miguel Ángel Roca, 1980-1981) são, por sua parte, mostra de uma imaginativa adaptação de espaços, não sempre significativos em sua origem. A reconstrução de um mercado popular em Salvador da Bahia (Paulo de Azevedo, 1986) respeitando tradições e usos populares; as numerosas intervenções em Popayán, Colômbia, destruída há poucos anos por um terremoto; e a livre manipulação do existente (Centro Cultural da Cidade de Buenos Aires, de Clorindo Testa, Luis Benedit e Jacques Bedel), marcam dissimiles critérios que mereceriam uma discussão detida, porém assinalam, ao mesmo tempo, a variedade e quantidade de obras que neste campo proporcionam um volume considerável de trabalho, a par que estimulam a especulação teórica e a investigação histórica, enriquecendo a cultura arquitetônica do presente.

O tema da qualidade da vida urbana, por fim, tem encontrado eco em muitas de nossas cidades, ainda quando as depredações e o deterioro não se tenham detido. Destaquemos o profundo cambio no uso da cidade produzido pelo metrô de Caracas, cidade na que há uma década a existência do pedestre era praticamente impossível. Os numerosos parque e praças localizados nas bocas do metrô, a ordem e eficácia do sistema mesmo e sua influência sobre áreas periféricas degradadas transformaram o caráter da vida urbana. De alcance mais modesto, a pedonalização do centro histórico de Córdoba, Argentina (de Miguel Ángel Roca, 1980-1981), que conferiu unidade a seu disperso patrimônio monumental e é um centro de grande vitalidade; a transformação do rio da mesma cidade em parque linear; e as intervenções parciais em numerosas cidades marcam uma das linhas deste tema. A outra pode ser a do respeito pelo entorno em que se inscreve o edifício: um dos casos mais notáveis é o Município de Quito (de Diego e Fausto Banderas, 1975), um exemplo de sutileza na delicada inserção de um edifício moderno em um dos centros históricos mais importantes de América. O respeito à escala do lugar, por sua parte, se logrou mediante a fragmentação de um edifício de consideráveis dimensões (Centro Comercial Vitacura, Santiago do Chile, de Enrique Browne, Eduardo San Martín y Patricio Wenborne, 1979-1980); e o desejo de introduzir alguma ordem na paisagem urbana de Córdoba, Argentina, conduz à múltipla produção de Togo Díaz, com suas torres de vivenda em tijolo. Códigos e normas municipais lograram, neste campo, resultados positivos embora, em geral, parciais.

A utopia latino-americana

O balanço, por certo, não encerra. Os fatos positivos que assinalamos não logram, nem com muito, equilibrar as situações negativas, sobre as que o arquiteto tem escassa ou nula possibilidade de incidir. De todos modos, a crescente tomada de consciência da própria condição, a orientação a uma arquitetura e uma cidade mais ajustadas às circunstâncias históricas locais, acompanhadas de uma atividade teórica do mais alto nível e estudos históricos cada vez mais claramente dirigidos aos problemas continentais sem distorções ideológicas –o papel das publicações periódicas é nisto de grande relevância–; e, sobretudo, a progressiva superação do tradicional isolamento em que tem vivido os países da região, sempre melhor comunicados com as metrópoles que com seus pares, permitem vislumbrar a existência de uma cultura arquitetônica em vias de afirmação de si mesma e de construção de valores próprios. As lamentáveis políticas que assignaram ao conjunto destes povoados um lugar subordinado aos interesses das potências maiores no sistema internacional resultaram, em boa parte, impulsoras desta nova realidade cultural.

Junto ao paradoxo, a utopia: construir num mundo dedicado à destruição; crer num mundo descrido; confiar no porvir de seu Sul condenado pelo Norte à indigência. Tal é a moderna utopia latino-americana.

Referência:
Marina Waisman, “Paradojas de la Utopía”, em: A&V, n. 13, 1988, pp. 36-41.

© Tradução: Igor Fracalossi

Sobre este autor
Cita: Igor Fracalossi. "Paradoxos da Utopia / Marina Waisman" 13 Jun 2015. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/768448/paradoxos-da-utopia-marina-waisman> ISSN 0719-8906

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