Paris contra o déficit de habitação

Este artigo, escrito por Julio Lamas, foi originalmente publicado na página Planeta Sustentável em agosto deste ano com o título “Paris contra o déficit de habitação”.

A cidade de Paris, capital da França, recebe anualmente entre 16 e 18 milhões de turistas. Rivalizando nos últimos anos com Londres, na Inglaterra, continua o principal destino de viajantes, que com meses de antecedência devem se programar para encontrar alojamentos em hotéis e hostels. Nem sempre é fácil. Mas o drama de se abrigar em Paris é um ponto de atrito constante para as 2,3 milhões que vivem, estudam e trabalham por lá também. Não por acaso, apenas 4% dos habitantes estão satisfeitos com a oferta de imóveis na cidade, de acordo com uma pesquisa recente do centro de estatísticas da União Europeia (Eurostat). Que triste ser ‘infeliz’ em Paris…

De acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos, apenas 33% dos parisienses possuem casa própria e a alta demanda por habitação tem obrigado os governantes a focarem em soluções cada vez mais radicais. Em 2010, a cidade passou a limitar por lei o aluguel de residências para turistas por período inferior a um ano, o que atingiu um mercado de 1,3 milhão de residências. Agora, em julho de 2014, uma nova medida legal da prefeitura obriga proprietários e administradoras de imóveis comerciais a cederem e transformarem espaços antes destinados para escritórios para futuros ocupantes residenciais. As multas para espaços não alugados ou colocados no mercado serão de 20% do valor da propriedade no primeiro ano, 30% no segundo e 40% no terceiro.

A nova lei já encontra fortes opositores na direita francesa. Eles se justificam nos valores para a transformação dos imóveis comercias, que podem ser até 25% mais caros do que construir um novo prédio. Todavia, na teoria, a iniciativa faz sentido. Atualmente, 7% dos 18 milhões de metros quadrados dos imóveis comerciais de Paris estão vagos e a cidade planeja para os próximos dois anos liberar cerca de 200 mil metros quadrados para habitação social.

© Victor Moriyama/Xibé

O objetivo, como aponta o vereador e vice-prefeito de Habitação e Alojamento de Paris Ian Brossat, é criar 10 mil novas residências por ano na cidade. “Isso não é uma troca de boas intenções, mas o início de um compromisso de longo prazo para atrair talentos e novos profissionais também. Temos uma bela cidade, mas precisamos melhorar em termos de densidade para continuar competitivos com Nova York, Londres e Berlim”, explica ele.

Até o final de 2015, Paris pretende reformular seu plano diretor e, como disse Brossat, melhorar a densidade passa por aproveitar mais o que resta de espaço. Para tanto a cidade pretende rever sua política de estacionamentostambém. Segundo a empresa autônoma de transportes parisiense (RATP), somente em áreas destinadas carros estacionarem na cidade, 2.000 novas residências e/ou escritórios poderiam ser criados. “Não vamos proibir, mas vamos incentivar a construção. Usar as vagas dos automóveis para construir uma nova área comercial ou residencial poderia reduzir em 20% o preço total da transformação da cidade”, conta Brossat, que se apoia no fato de que apenas 12% dos parisienses se locomovem de carro diariamente. Caminhar (47%), andar de transporte público (37%) e usar a bicicleta (3,5%) constituem as opções favoritas de transporte.

Outro ponto polêmico do novo Plano Diretor, que também encontra um paralelo com o de São Paulo recentemente aprovado pela gestão de Fernando Haddad, está na verticalização da cidade. A altura máxima para construção de imóveis é de 37 metros – cerca de seis andares – , um limite estabelecido pelo Barão de Haussmann, grande reformulador de Paris, no século XIX. E os moradores gostam desse padrão, da uniformidade que amplia a visão de quem está na rua.

Em 2005, uma pesquisa da prefeitura mostrou que 69% dos habitantes são contra a construção de torres. O medo de muitos é que, por conta da especulação imobiliária, Paris se torne uma nova Dubai. Para testar os ânimos, em 2010, a prefeitura permitiu a construção de prédios maiores, de 50 até 180 metros, em três distritos dos bairros mais distantes, entre o 13º e o 17º arrondissement. Os resultados geraram um pequeno e salutar boom imobiliário, expandindo o desenvolvimento local para as periferias. “Isso prova que a altura não rima com deterioração da qualidade de vida. A altura não é um tabu ou uma obsessão”, afirma Brossat. “Como qualquer cidade, seja São Paulo, no Brasil, ou Bogotá, na Colômbia, Paris deve ser coerente com seu tempo. E o que o nosso tempo clama é por cidades mais inclusivas para todos”, completa.

Sobre este autor
Cita: Julio Lamas. "Paris contra o déficit de habitação" 14 Set 2014. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/627228/paris-contra-o-deficit-de-habitacao> ISSN 0719-8906

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