Cinema e Arquitetura: "Cube"

Espaços escuros, claustrofóbicos, um labirinto cheio de armadilhadas ambientado dentro de uma ficção científica atípica, com um mistério matemático e o perigo se aproximando em cada oportunidade como nos filmes clássicos de terror, é assim que se passa "Cube", filme de baixo orçamento mas de grandes ideias que nos transporta a um universo muito papável onde a maior ameaça é o próprio espaço.

"Cube" é uma prisão, um laboratório de estranhos propósitos composta pela sucessão em três dimensões de um número elevado de cubos perfeitos, os quais, como se fosse um cubo "Rubik", se sobrepõem entre si de tempos em tempos. Essa estrutura pode ser associada a arquitetura fractal, que como um caleidoscópio nos mostra uma visão infernal da qual os protagonistas não podem escapar diante da sua aparente infinita repetição.

E não é coincidência que a figura eleita para essa prisão seja um cubo. Já dizia Le Corbusier em sua obra "Por uma arquitetura" que o cubo é uma das formas primárias que se revela à perfeição diante da luz. E em suas próprias palavras, era talvez o mais belo já que não aceitava ambiguidade. É claro que os protagonistas não podemo apreciar a beleza da estrutura em que habitam ou se dar conta da coincidência de que seu número coincide com o número de faces da forma que os contem.

Também podemos encontrar uma clara influência do movimento "Metabólico", o qual pretendia erguer gigantescas estruturas para conquistar os céus e os mares, partindo da criação de formas enormes nas quais podiam ser integrados módulos intermutáveis. Essa ideia está relacionada também aos trabalhos elaborados por "Archigram" e mais propriamente com seu projeto "Plug In City", onde a cidade não possua construções, mas sim tão somente megaestruturas que alberguem habitações estandardizadas entre si. 

Um conceito interessante dentro do filme é o do "Espaço Interior". Esse término foi usado pelo escritor J.G. Ballard para descrever a relação complexa entre o espaço com a exploração do inconsciente. O cubo é um "espaço interior" cujo simbolismo e sentido metafórico são reforçados ao ser um habitáculo minimalista, repetitivo e insensível. São os protagonistas os que têm que preencher esses "vazios" com suas próprias ideias e personalidades.

Apesar de ser fortemente metafórico, também possui um forte lado físico. Sua forma, materiais e composição correspondem a arquitetura moderna. Massivo e repetitivo, resulta agressivo para o ser humano que o habita. Dentro do filme representado por armadilhas mortais, mas na realidade presente em habitações apertadas e carentes de sentido estético.

A estrutura do cubo está isenta de qualquer valor humanizante como portas, janelas ou adornos. Sua aparência corresponde completamente a aspectos funcionais, a uma lógica baseada nas leis da proporção matemática, com o emprego de estruturas estandardizadas e de aspecto industrial. É um espaço duro, frio e matemático em oposição a seus habitantes humanos, suaves, cálidos e cheio de irracionalidade e imprevisibilidade.

"Cube" é um universo fechado, autônomo e cheio de armadilhas de uma tecnologia surpreendente, o que o transporta ao mundo das distopias. Se trata de uma prisão para seus protagonistas, no qual pode ser vista uma representação da "cidade colmeia", visão futurista onde as pessoas habitam dentro de enormes blocos de departamentos, desumanizados e despossuídos de seus valores e de sua cultura. 

Sem dúvida, "Cube" nos convida a reflexão e mediante ao nosso próprio "espaço interior", nos mostra que o maior perigo em nosso futuro está dentro de nossa humanidade.

O Uso da Cor

A cor é um elemento fundamental dentro da ambientação do espaço e hoje em dia sabemos com certeza que é capaz de alterar o comportamento humano. Dentro do âmbito cinematográfico não é exceção e "Cube" é, em toda caso, um laboratório e lugar de experimentos. O padrão de cores dentro dos espaços não é aleatório e está empregado tanto como um elemento simbólico dentro das cenas e da interação entre seus personagens, como um catalizador para as mesmas. Sem entrar em detalhes podemos fazer uma breve menção a cada uma delas. 

O cômodo inicial para os personagens sempre é branco. O branco se associa com a paz, com a pureza e tranquilidade, o qual em princípio serve tanto ao espectador como aos personagens como um momento de calma para entrar dentro do argumento do filme. Entretanto, o branco esconde um segundo significado mais sinistro. Ao pertencer ao grupo das cores cálidas, incita a extroversão, a olhar em direção ao exterior e a conviver com as pessoas. Essa sensação de extroversão a vemos claramente no começo do filme, onde os personagens se apresentam entre si e sentem uma forte necessidade de exploração, de sair do cômodo em que estão como se existissem uma mão invisível que os guiasse de forma inconsciente.

Depois temos o azul. Na linguagem audiovisual está associado com a tristeza e a solidão; é a cor da introversão e de certa frieza. Dentro das cenas é utilizado como um sedante às tensões do grupo, momentos de reflexão e para dar ao espectador um respiro da violência gráfica do filme.

O verde é uma cor escassa dentro da estética cinematográfica, já que brinda um aspecto doente e decadente. Simboliza em grande parte a decadência e a deterioração, que vemos nos cômodos verdes do cubo onde a doutora Holloway explica ao grupo as consequências físicas de seu enclausuramento. 

As duas cores restantes, vermelho e alaranjado, são talvez cujos efeitos sejam mais drásticos para os protagonistas e para o desenvolvimento do enredo. O alaranjado é utilizado na vida diária como uma cor de advertência diante de um perigo. Isso podemos ver nos sinais e coletes de segurança por todo o mundo. E no filme, os cômodos alaranjados são um presságio de que algo ruim acontecerá, tanto pelas armadilhas mortais quanto pelas declarações de intenções dos protagonistas.

Finalmente a cor vermelha dentro do filme é utilizada para representar violência e agressividade. Funciona para criar a maior tensão possível em relação ao espectador e como uma advertência máxima de perigo da situação. É nos espaços vermelhos onde Quentin desata seu lado mais selvagem contra seus companheiros e onde a cena final apresentada seu ponto mais álgido. Os personagens comportam-se como ratos de laboratório e devido aquele espaço onde ameaçadoramente se utilizam as cores, vêem comprometidas sua humanidade. 

CENAS CHAVE

1. Um Caleidoscópio como Quarto de Laboratório

A repetição sistemática de seus elementos nos faz sentir como se estivéssemos dentro de um caleidoscópio. "Cube" deve sua aparência em grande parte ao movimento metabólico e ao trabalho do Archigram.

2. Sem Elementos Humanizantes

Não existe uma escala nem elementos que lembrem um habitat humano, todos parecem grandes peças de maquinaria, de um espaço frio e lógico, onde não há lugar para o homem.

3. Uma Jaula para um Macaco sem Pelo

Toda a estrutura parece desenhada para agredir seus cativos e testá-los. Ela dá alguns escassos elementos para a sobrevivência e faz com que voltem à um estado primitivo.

4. O Mistério Matemático

Os protagonistas descobrem um padrão matemático que pode ser a chave para sua escapatória, entretanto, o único que está claro é a natureza lógica e implacável da estrutura.

5. Um Espaço Autônomo

Mesmo quando os protagonistas chegam aos limites da estrutura ele percebem que ao seu redor existem somente escuridão. Encontram-se fechados em uma realidade distópica e cruel.

6. Uma Prisão para o Espaço Interior

“Cube” é um espaço interior minimalista, repetitivo e insensível. Com sua estrutura despoja os humanos de tudo que é referente a sociedade e os conduz a seu estados mais escuro e primitivo.

7. Alaranjado: Advertência de Perigo

A ameaça para o grupo está sempre pairando sobre um tom de alaranjado, não somente pelas armadilhas, mas, também pela declaração de intenções sombrias dos protagonistas diante da adversidade.

8. A Cor Vermelha como um Gatilho para Tensão

É dentro dos cômodos vermelhos onde a tensão do espectador é aumentada, mas, também mostra o lado mais selvagem do homem diante de uma situação desesperada.

9. A Luz no Final do Caminho

No final do labirinto existe um caminho de luz, tão misterioso como a estrutura em si. Muitos analistas queriam ver nesse túnel uma analogia a um parto, marcado de sangue e tensão.

PERFIL DO DIRETOR

Vincenzo Natali tem cidadania canadense e estadunidense, nasceu no dia 6 de janeiro de 1969 em Detroit, Michigan. Durante sua juventude sempre sonhou em tornar-se cartunista, até que teve uma "experiência religiosa" enquanto via o filme "Star Wars"; decidiu então que seu futuro estava na indústria do cinema. É um reconhecido artista de Storyboard, que trabalhou em várias séries e longa-metragens da companhia Nelvana.

Cube é seu primeiro trabalho como diretor, um projeto de enorme esforço que demorou quatro anos até a Canadian Film Centre vê-lo concretizado. Foi de prioridade alta que se tratasse de um filme de baixo orçamento, pelo qual Natali considerou seus limitantes e trabalhando fora da produção elaborou um roteiro gráfico planificando cada detalhe das cenas.

Dentro do filme, o diretor repete a temática de vários de seus trabalhos prévios e sobre tudo, a temática do enclausuramento, devido a sua própria fobia aos espaços fechados.

É interessante saber, que apesar do mundo matemático de "Cube", o diretor não é um apaixonado por matemática. Natali em diversas entrevistas confessa que desejava criar um mundo coerente e abstrato, mas ao mesmo tempo surrealista e ambíguo, coisa que só podia resolver com o mundo dos números.

FICHA TÉCNICA

Data de Estréia: 11 de Julho de 1998
Duração: 92 min.
Gênero: Suspense / Mistério / Ficção Científica
Diretor: Vincenzo Natali
Roteiro: André Bijelic / Graeme Manson
Trilha Sonora: Derek Rogers

SINOPSE

Seis estranhos acordam dentro de um espaço desconhecido, sem saber como chegaram ali e lembrando apenas dos momentos prévios ao seu rapto. O grupo descobre que está dentro de um grande labirinto formado por cômodos cúbicos idênticos entre si, diferenciados unicamente pela luz que ilumina cada um deles.

Com um grande sentimento de desespero, o grupo tenta passar por entre os espaços mas descobre que algumas delas escodem armadilhas mortais. Eles devem conseguir sobreviver a elas enquanto a tensão dentro do grupo, talvez, represente um perigo ainda mais sinistro. 

* Você também pode se interessar em: Children Of Men, Gattaca, Dark City


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Sobre este autor
Cita: Altamirano, Rafael. "Cinema e Arquitetura: "Cube"" [Cine y Arquitectura: "Cube"] 16 Mai 2014. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/601684/cinema-e-arquitetura-cube> ISSN 0719-8906

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