

Descrição enviada pela equipe de projeto. O projeto está localizado em La Vicentina, um bairro tradicional de classe média em Quito, Equador. A localização do lote em uma escadaria impossibilita ter estacionamento, longe de ser uma desvantagem, alinha-se com o estilo de vida do proprietário, que é usuário frequente da bicicleta. Além disso, a topografia em encosta oferece a oportunidade de aproveitar a vista para o cerro Auqui. A essas condicionantes se somam as necessidades do cliente: uma residência para uso próprio, uma menor para sua filha, e um espaço comum versátil que possa funcionar como ateliê ou área social.


A casa é o projeto pessoal de Freddy Ordóñez, Engenheiro Mecânico, professor universitário e diretor do grupo de pesquisa SCINERGY da Escola Politécnica Nacional. O projeto demonstra a viabilidade de construir uma habitação resiliente em área urbana, cujas estratégias podem ser replicadas em regiões equatoriais. A habitação se tornou parte integral de sua pesquisa que, equipada com sensores, gera dados que o grupo analisa para verificar seu funcionamento adequado.

Gerando Vizinhança
A forma do projeto privilegia a verticalidade para liberar espaço no térreo. Criam-se dois volumes estreitos que maximizam a superfície do pátio. Essa operação de compactação gera um pátio central que se soma ao pátio vizinho, integrando a árvore de jacarandá existente. A forma trapezoidal do pátio é resultado da otimização do ganho solar, mediante a redução do extremo leste e a ampliação do extremo oeste.

A pouca largura dos andares faz com que se atribua uma função principal a cada nível: a área social no térreo, um quarto e um escritório no primeiro andar, e outro quarto no segundo. A progressiva redução da área requerida em cada nível permite retrair os andares, criando terraços voltados para leste. Esses terraços se abrem para a vista, captam radiação solar, conectam-se com o bairro e reforçam a relação com o exterior.

A ausência de um muro perimetral entre a rua e a residência, somada à orientação das janelas voltadas para o espaço público, não é casual. Essas decisões de projeto geram uma vigilância comunitária espontânea, onde a maior visibilidade desestimula atos criminosos e, ao mesmo tempo, promove a interação social e fortalece o senso de comunidade. Assim, a arquitetura não apenas satisfaz a necessidade do cliente de se conectar com seu bairro, mas se torna uma ferramenta ativa para construir vizinhança.

O que o entorno nos oferece
A presença do eucalipto na paisagem de Quito é um lembrete das decisões tomadas no passado e suas consequências a longo prazo. Introduzido no Equador em 1865 durante o governo de Gabriel García Moreno, o eucalipto foi promovido como um recurso de rápido crescimento para a construção e a reflorestação. No entanto, sua natureza invasiva gerou efeitos negativos no ecossistema andino: as florestas de eucalipto se expandiram rapidamente, impedindo o crescimento de espécies locais e causando erosão no solo.

Neste projeto, os pilares são resolvidos com madeira roliça de eucalipto de 9 metros de comprimento, sem que isso represente um requisito técnico complexo. Eles foram obtidos de uma floresta próxima, a 12,3 km da obra, onde seu proprietário está substituindo os eucaliptos para plantar espécies nativas, restaurando assim o equilíbrio ecológico. Além disso, essa proximidade com a floresta facilita um controle completo do processo e a rastreabilidade dos materiais, aspectos que costumam ser complexos na construção convencional.

A construção com madeira roliça oferece uma eficiência notável porque elimina a necessidade de processamento e transformação do material. Utilizar o tronco em seu estado natural permite o aproveitamento máximo do material, reduzindo o consumo de energia e os desperdícios gerados na industrialização, onde se busca obter peças ortogonais de tamanhos padrão. Como resultado, a estrutura reduz significativamente as emissões de carbono incorporadas e operacionais.


Pele de Tijolo
A madeira deve ser protegida. Decidiu-se que essa proteção seria de tijolo devido à sua resistência frente a agentes climáticos, mas também porque nos fornece algo fundamental ao projeto: a capacidade de captar calor, armazená-lo e liberá-lo gradualmente. A pele está separada da irregular madeira para facilitar a construção.


A combinação de tijolo e madeira em uma área sísmica como Quito representou desafios estruturais. Uma parede de 14 cm de tijolo não pode sustentar três andares por si só. Neste projeto, busca-se a colaboração entre ambos os sistemas: o esqueleto é resolvido com peças de madeira, enquanto o tijolo confere rigidez.

Optou-se por tijolo artesanal, produzido em olarias que são negócios familiares; essa decisão não se baseia na falta de acesso a tijolos industriais, mas na busca por favorecer pequenos produtores locais.

Do Individual ao Coletivo
A casa é um laboratório aberto para a pesquisa. O projeto prioriza o conforto térmico passivo, com estratégias como a orientação solar, ventilação cruzada, massa térmica e isolamento em tetos e pisos, alcançando 72% de horas de conforto térmico interior, em uma cidade onde as residências raramente ultrapassam 40% de horas de conforto anuais. Além disso, a habitação atinge um balanço líquido zero de energia elétrica graças a um sistema fotovoltaico, ao uso de bomba de calor para aquecimento de água e à redução do consumo elétrico. Da mesma forma, o consumo de água é reduzido em 40% mediante a coleta de água da chuva e o tratamento de águas cinzas. Finalmente, a escolha da madeira de eucalipto para a estrutura, pisos e teto, junto com tijolo artesanal para a alvenaria, reduz o carbono incorporado em 80% em comparação com a construção convencional, segundo estudos em andamento.

O pátio central da casa está projetado como um espaço de infiltração, o que contribui para a recarga dos aquíferos da cidade. Cada ação conta, se considerarmos que as fontes de água estão cada vez mais distantes e que as zonas urbanas sofrem mais pela provisão de água. Se, em vez de depender apenas de grandes infraestruturas para lidar com a mudança climática nas cidades, forem promovidos projetos com pequenas ações replicáveis, a solução não recai apenas em investimentos massivos do Estado, pelo contrário, a soma de ações individuais pode reduzir a dependência de infraestruturas em grande escala, demonstrando como o micro pode influenciar o macro.





































