Para além do High-Line: reimaginando espaços públicos em nosso futuro urbano


Aqueles entre nós que estão envolvidos com a construção de cidades são frequentemente requisitados a realizar feitos complicados. Construir um arranha-céu de 632 metros de altura e nele o elevador mais alto e rápido do mundo, funcionando em velocidades superiores a 60 km/h. Construir um centro de processamento de dados em Houston que produz sua própria eletricidade (útil durante um furacão) e aproveita a água pluvial. Ou simplesmente projetar um edifício de escritórios que faça as pessoas felizes por ir trabalhar.

Mas um dos maiores desafios que encaramos hoje requer, talvez, uma de nossas melhores habilidades: criar espaços abertos que englobem todos, ou seja, feitos para todos.

Como disponibilizar para as pessoas nas cidades espaços públicos (parques, jardins, praças, mesmo ruas amplas e arborizadas) de convivência, respiros urbanos em nossos ambientes cada vez mais ocupados e disputados? 

Mais sobre a visão de David Gensler a respeito da reutilização dos espaços públicos a seguir.

De acordo com dados das Nações Unidas, em 2050 aproximadamente 70% da população mundial - algo como 6,29 bilhões de pessoas - viverão em cidades. Atualmente esta cifra está em 50%. Onde é que todos esses indivíduos vão encontrar lugares para descansar, compartilhar ideias, reunir-se e exercer seu caráter social, que é a razão do surgimento das cidades 9000 anos atrás? Como evitar replicar os problemas de planejamento urbano que vemos nas cidades modernas e, em particular, nossa tendência de não dar o devido valor às pessoas e suas formas de se apropriar da cidade? Como evitar transportar esses problemas para as cidades em acelerado crescimento?

Como líder de um escritório global de projetos, acredito que necessitamos de uma nova visão para identificar potenciais espaços públicos abertos de qualidade, onde outros não vêem. Precisamos criar, reivindicar e basicamente encaixa-los em nossas cidades existentes para então tornar esses espaços essenciais em lugares espetaculares projetados para a promoção da nossa humanidade. O High Line no West Side de Nova Iorque faz isso de modo brilhante, mas já se tornou o exemplo a ser seguido - e imitado - por todos.

Ano passado, nos voltamos a trazer à tona e reimaginar espaços abertos insuspeitos (que é o ponto que deveríamos tomar como base do High Line) em cidades pelo mundo. Contamos com a participação de todas as 43 unidades da Gensler em um projeto conceitual chamado Gensler Town Square Initiative. A ideia é simples: encontrar o que ainda não vimos. Identificar espaços abertos em nossas cidades e repensá-los como praças, que usamos como metáfora para todo tipo de espaço de convivência, não apenas praças cívicas tradicionais.

Os resultados variaram entre ousados e pragmáticos.

"Creating a kit of parts geared toward coupling community amenities with resilient strategies, the New York team proposed that a net-zero park be created within a three-block-long stretch of central median running down Allen Street on Manhattan’s Lower East Side." Allen St on the Lower East Side of Manhattan, Image © Gensler

Em Nova Iorque, a equipe tomou as ruas de Manhattan e se deu conta do espaço desperdiçado em algumas delas, percebendo potencial nos canteiros centrais diversas vezes generosos e a oportunidade de criar neles importantes acrécimos para a vizinhança.

Mas o diferencial é combinar esse potencial para espaços comunitários com outra coisa que os nova-iorquinos necessitam muito numa época pós-furacão Sandy: ações que integrem soluções infraestruturais resilientes ao tecido urbano de Nova Iorque.

Criando um conjunto de equipamentos que reúnam equipamentos coletivos e estratégias flexíveis, a equipe propôs um parque - completamente independente da rede de energia elétrica - ao longo de três quadras a partir da Rua Allen no Lower East Side. Cada quadra desse protótipo de parque linear foi designada para testar uma estratégia particular: disposição de resíduos e produção de biomassa, energia solar/renovável e retenção de água de chuva.

Entre outras características, o parque possui áreas de estar com cobertura fotovoltaica; tomadas públicas alimentadas pela energia solar produzida; espelhos d'água abastecidos pela égua coletada; duchas com aquecimento solar para os ciclistas; coleta e processamento de lixo orgânico e metano comunitário. Uma série de equipamentos especiais também podem ser implantados conforme a demanda, como uma sauna comunitária, ligada ao uso do metano produzido, e uma biblioteca itinerante.

"In Las Vegas, the team developed a strategy to transform the streetscape of this city’s (in)famous strip into an ad hoc town square...Dubbed the “Urban Mosaic,” the modular cubes can be combined in any number and configuration to turn the strip’s streetscape into a meaningful public space for events both big (i.e. New Year’s Eve) and small." Image © Gensler

Em Las Vegas, foi desenvolvida uma estratégia para transformar a famosa paisagem em faixa (strip) em uma praça pública a ser compartilhada pelos 40 milhões de visitantes anuais e 2 milhões de habitantes da região metropolitana. Uma estrutura modular móvel acomoda uma variedade de atividades e serviços. Chamada de "Mosaico Urbano", os módulos cúbicos podem ser combinados de diversas formas, agregando significados aos espaços públicos em eventos simples ou grandiosos como a festa de Ano Novo.

"The team in Bangalore...proposed turning one underachieving, neglected pool of liquid into a 'lakesquare.'"Image © Gensler

Bangalore, uma cidade que parece ter dado as costas para os diversos lagos poluídos e subutilizados que pontuam sua paisagem, propôs converter uma desses elementos negligenciados em uma "praça-lagoa" reavivando seu ecossistema e ao mesmo tempo estabelecendo uma experiência qualificada da beira d'água para os residentes. Ativando seus limites, aumentou sua conexão com a cidade e, assim, criou-se também um exemplar de infraestrutura verde sustentável e enraizada na cultura local.

Apesar de Londres possuir espaços públicos consolidados, os que têm êxito concentram-se na região central e raramente consideram o espaço além de seus limites. A equipe de Londres da Gensler reconheceu o potencial de se criar uma rede de espaços públicos, combinando espaços individuais para além das fronteiras dos distritos e criando, assim, um todo maior que a soma de suas partes.

"In Washington D.C., the Gensler team considered specific interventions to build stronger connections across its riverfront—not more bridges, but more people-focused spaces and opportunities to gather..." The Key Bridge, Image © Gensler

Em Washington D.C., o escritório lidou com intervenções específicas para fortalecer a conexão entre as margens do rio, não com pontes, mas com espaços voltados às pessoas ao longo das vistas emblemáticas da cidade. Entre elas, caminhos de pedestres no domínio dos carros na Key Bridge, possibilitando às pessoas passear entre suas aberturas e arcos; um deck sobre a água no Kennedy Center e um serviço de aluguel de barcos.

"Among those interventions: a series of pedestrian pathways across the car-dominated Key Bridge that allow people to dwell within the bridge’s crevices and arches." Image © Gensler.

As qualidades dos espaços abertos e dos espaços de socialização que eles inspiram são infindáveis.

A Primavera Árabe, o movimento Occupy e o anúncio do novo papa em Roma tem em comum sua ocorrência em praças. A memória das pessoas e sua atenção aumentam após passar algum tempo interagindo com a natureza, segundo estudo da Universidade de Michigan. E se ainda restarem dúvidas, há potencial lucro nos espaços públicos. Pesquisas mostram que as pessoas se dispõem a pagar mais pela proximidade a espaços desse tipo, o que pode ser muito bom para a base tributária de uma cidade.

95% dos entrevistados (incorporadores, funcionários públicos e investidores europeus) disseram que pagariam até 3% a mais por propriedades comerciais próximas a espaços abertos, de acordo com pesquisa conjunta do Gensler e do Urban Land Institute. Em Londres esse valor soma aproximadamente £1,3 bilhões. Em Chicago, à inauguração do Millenium Park em 2004 é creditado um aumento de $100 no metro quadrado dos apartamentos nas quadras vizinhas, com o valor adicional desse desenvolvimento imobiliário atingindo $1,4 bilhões até 2014.

A conclusão final é que espaços abertos e praças humanizam e revigoram as cidades e são essenciais para a saúde e o bem estar das pessoas que vivem e trabalham nelas. É simples assim.

Este artigo, de David Gensler, codiretor executivo da Gensler, foi publicado originalmente no site da Fast Company.

Vídeo cortesia de Elena Collins e World Cities Network.

Sobre este autor
Cita: David Gensler. "Para além do High-Line: reimaginando espaços públicos em nosso futuro urbano" [Beyond the High-Line: Re-Imagining Open Space for our Crowded Urban Future] 17 Jul 2013. ArchDaily Brasil. (Trad. Arruda, Murilo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-127388/para-alem-do-high-line-reimaginando-espacos-publicos-em-nosso-futuro-urbano> ISSN 0719-8906

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