O Pelourinho em Salvador: da arquitetura colonial ao Olodum

O Pelourinho, localizado no Centro Histórico de Salvador, Bahia, é uma das imagens e cartões-postais mais conhecidos, divulgados e visitados da capital baiana. Possuindo um acervo colonial urbano e arquitetônico de grande importância cultural, recebeu o título de Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO, em 1985. Com mais de quatro séculos de história, a região já abrigou as mais diversas atividades, funções e dinâmicas, e sua trajetória se imbrica à da própria cidade. Atualmente, é um dos principais pontos turísticos soteropolitanos e, além de seu próprio acervo colonial, concentra uma série de equipamentos do setor como hotéis, restaurantes e museus.

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Fundada em 1549, Salvador foi a primeira capital do Brasil. Devido à sua morfologia acidentada, com uma falha geológica que provoca um desnível significativo em sua topografia, sua configuração urbana ficou inicialmente dividida entre a "Cidade Baixa" e a "Cidade Alta". A "Cidade Baixa", na área do porto, concentrava as atividades comerciais da cidade, enquanto a "Cidade Alta", na parte de cima do desnível onde está situado o Pelourinho, pela localização privilegiada e estratégica que facilitava sua defesa, concentrava as atividades administrativas, políticas e residenciais.

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Frontispício de Salvador © Manuel Sá

Assim, até o início do século XX, essa parte da região central de Salvador mobilizou grande parte de suas dinâmicas. Era palco dos grandes sobrados, residências dos barões proprietários de engenho, dos políticos e grandes comerciantes; de igrejas importantes como a Catedral Basílica, a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e a Igreja de São Francisco, das sedes dos poderes municipais e estaduais, de equipamentos de transporte urbano como o Elevador Lacerda e até mesmo da primeira faculdade do Brasil, a Faculdade de Medicina da Bahia, fundada por D. João VI em 1808. O rico acervo é considerado como um dos mais importantes exemplares do urbanismo e da arquitetura ultramarina portuguesa, especialmente em suas construções barrocas, muitas das quais foram tombadas pelo IPHAN.

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Largo do Cruzeiro de São Francisco © Paul R. Burley via Wikimedia Commons

Centro antigo, monopólico, era o Pelourinho do tempo em que escrevi aquela tese [1958], onde as funções típicas da centralidade se superpunham, escolhendo aqui e ali subespaços especializados [...] Mas era um centro monopólico, tirânico porque comandava toda a vida da cidade, não apenas a vida econômica, mas também a vida política e a vida cultural. As fofocas (que ainda não tinham este nome), mas, também, as conversas sérias, as transações, tudo se fazia numa área extremamente limitada que era este centro do qual hoje se fala através desta imagem – o Pelourinho. — Milton Santos

Nas primeiras décadas do século XX, o monopólio e importância da região central começa a se fragilizar. Com a inserção de novos parâmetros modernos na cidade, atrelados a novos ideais estéticos, de higiene e circulação, houve a migração paulatina das elites para outros bairros que surgiam ao sul, de melhor infraestrutura, num momento em que a segregação socioespacial de Salvador também vai começar a apresentar-se de maneira mais nítida em seu território. As construções do Pelourinho, outrora símbolos de riqueza e poder, assim como suas ruelas e becos estreitos, passaram a ser considerados antiquados, obsoletos e sinônimos de uma velha Bahia a qual se desejava superar e se desvencilhar.

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Largo do Pelourinho © Matti Blume via Wikimedia Commons

Esse movimento acentuou-se no período compreendido entre finais da década de 1960 e a de 1970, que marcou um momento intenso de metropolização de Salvador, com seu aumento populacional, chegando a um milhão de habitantes, a constituição da Região Metropolitana de Salvador (1973), e a construção de uma série de novos equipamentos e infraestruturas urbanas, como o Centro Administrativo da Bahia (CAB) (1970), o novo Terminal Rodoviário de Salvador (1974) e o Shopping Center Iguatemi (1975). Essas construções apontavam para a ocupação de outros territórios e delineavam o estabelecimento de novas centralidades pela cidade, tensionando seu antigo centro e suas funções.

Com a migração de certas atividades e parcelas da população para outras localidades, a área do Pelourinho passou a ser ocupada pelas classes sociais mais baixas e majoritariamente negras de Salvador. Nesse sentido, é imperativo destacar que o próprio nome pelo qual ficou conhecido a região — Pelourinho — remete ao período colonial e ao local onde os escravizados que cometiam algum tipo de delito eram levados para serem torturados em área pública. Essa ocupação fez com a região, em sua vulnerabilidade, passasse a ser associada a uma imagem de degradação e ruína, relacionada a marginalidade e a prostituição. Pode ser citada a polêmica produção do artista Miguel Rio Branco, que revela em suas imagens aspectos e vivências da população marginalizada do bairro do Maciel, especialmente as mulheres, muitas das quais prostitutas, que têm seus corpos expostos, registrados e visibilizados.

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Largo do Pelourinho © Marianna Smiley via Unsplash

No entanto, se por um lado havia o discurso de que para certas atividades a região era considerada obsoleta, por outro lado, o enorme potencial turístico vislumbrado na área do Pelourinho, a partir do que foi considerado como patrimônio histórico e cultural da cidade, passou a chamar a atenção e atrair os holofotes e interesses turísticos locais e nacionais, públicos e privados. Esses empreendimentos, muitas vezes, possuíam contornos higienistas e segregadores, o que gerou conflitos com sua ocupação pelas populações mais vulneráveis sócio-economicamente.

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Ladeira da Misericórdia © Manuel Sá

A década de 1980 marcou um momento importante de acontecimentos na região. As tentativas para o estabelecimento da área enquanto Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO ocorriam desde finais da década de 1960, se concretizando em 1985. No final da década, há a criação do plano de recuperação do Centro Histórico da Bahia, com destaque para o Plano Piloto da Ladeira da Misericórdia (PPLM), liderado por Lina Bo Bardi e João Filgueiras Lima, o Lelé. A intervenção partia da experimentação do uso de elementos pré-fabricados em argamassa armada, pretendendo alcançar uma solução para o estado de degradação dos imóveis do Centro Histórico, tendo no Restaurante Coati o seu expoente mais significativo.

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Restaurante Coati © Manuel Sá

O turismo se consolidou no centro especialmente na década de 1990, e sua imagem foi amplamente divulgada nacional e internacionalmente. Em 1996, Michael Jackson gravou um de seus clipes no Pelourinho, junto ao bloco afro Olodum, originário do bairro. O Olodum, criado em 1979, pode ser visto como uma das iniciativas de resistência aos processos empreendidos na região, sobretudo no que concerne às populações negras residentes. Além da atuação e desfile durante o carnaval, o bloco promove projetos sociais durante todo o ano e mostra que, apesar das tentativas, sempre existirão outras formas possíveis de pensar e de atuar na cidade de Salvador.

Referências bibliográficas:

  • GOMES, Marco Aurélio; FERNANDES, Ana. Pelourinho: Turismo, Identidade e Consumo Cultural. In: GOMES, Marco Aurélio (Org.). Pelo Pelô: História, Cultura e Cidade. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia / Faculdade de Arquitetura / Mestrado em Arquitetura e Urbanismo, 1995.
  • SANTOS, Milton. Salvador: Centro e Centralidade na Cidade Contemporânea. In: GOMES, Marco Aurélio (Org.). Pelo Pelô: História, Cultura e Cidade. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia / Faculdade de Arquitetura / Mestrado em Arquitetura e Urbanismo, 1995.
  • SANTOS, Milton. O Centro da Cidade do Salvador: Estudo de Geografia Urbana. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Salvador: Edufba, 2012.

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Sobre este autor
Cita: Adele Belitardo. "O Pelourinho em Salvador: da arquitetura colonial ao Olodum" 11 Jun 2023. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1001370/o-pelourinho-em-salvador-da-arquitetura-colonial-ao-olodum> ISSN 0719-8906

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