Clássicos da Arquitetura: Parlamento Escocês / Enric Miralles

Dez anos após sua conclusão, a reputação do edifício do Parlamento Escocês vem sendo finalmente redefinida. Entre os arquitetos e a elite acadêmica, ele tem sido tratado como uma obra-prima do modernismo abstrato e, talvez, o melhor trabalho na curta carreira de Enric Miralles. Para o público em geral, no entanto, inicialmente foi conhecido pela infâmia de ter atrasado, estourado o orçamento, e por ter sido projetado por um arquiteto não escocês. Só agora começa a receber a aceitação que merece do público, enquanto o gênio da arquitetura emerge da sombra de seu processo construtivo envolvido em polêmicas.

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O desejo de um Parlamento surgiu com o ressurgimento político do nacionalismo escocês na segunda metade do século XX. Sua mera existência era controversa, uma vez que representava um movimento em direção ao governo autônomo dentro do Reino Unido, que não era - e continua não sendo - universalmente aceito. Em 1997, um referendo popular aprovou o projeto e, um ano depois, um concurso amplamente divulgado foi realizada para a obra. Os projetos dos cinco arquitetos finalistas foram liberados ao público para a aprovação e, enquanto o conceito apresentado por Rafael Viñoly ganhou uma maior parcela de apoio da opinião pública, o júri concedeu a comissão ao arquitecto espanhol-catalão Enric Miralles, cujo projeto havia terminado em segundo lugar.

© Scottish Parliamentary Corporate Body - 2012
© Scottish Parliamentary Corporate Body - 2012

Grande parte da atração da proposta de Miralles era sua articulação ao patrimônio escocês em um projeto radicalmente corajoso. Inspirando-se nas paisagens escocesas, pegou emprestado as formas dos barcos virados da orla próxima, bem como os motivos florais das pinturas de Charles Rennie Mackintosh, arquiteto escocês e herói nacional. [1] Isso tornou-se a base para a volumetria do edifício, bem como a forma das emblemáticas claraboias em forma de canoas no Saguão Jardim. Além disso, Miralles sutilmente invocou alusões à Cruz de Santo André, da bandeira do país, em impressões do teto e outros detalhes.

Saguão Jardim. © Scottish Parliamentary Corporate Body - 2012

Mais do que uma estrutura única, o Parlamento é, na realidade, um campus inteiro de espaços interligados. A câmara de debates é o coração do complexo, fisicamente separada das outras áreas programáticas, que incluem um edifício de escritórios, uma torre de imprensa, áreas administrativas, e um restaurante e refeitório. Fazendo a costura entre esses edifícios separados há um piso térreo, com iluminação zenital, que fornece circulação contínua ao redor do lote.

Implantação

Como obra de arquitetura, o Parlamento é uma experiência sensorial quase avassaladora de formas complexas, materiais e dispositivos estruturais. Cada característica do edifício é excepcionalmente detalhado, com certos temas e linhas de visão claras unificando o projeto altamente abstrato e aparentemente aleatório. Espaços crescentes são justapostos com nichos íntimos, que criam um labirinto emocionante e imprevisível de estímulos arquitetônicos.

Assento de janela em um escritório. © Scottish Parliamentary Corporate Body - 2012
Edifício de Escritórios MSP. © Scottish Parliamentary Corporate Body - 2012

Não há reflexões tardias no projeto, e a atenção dada a todas as superfícies, articulações e aberturas é notável, como pode ser inferido a partir das estruturas inventivas do teto da Câmara de Debates ou dos mobiliários feitos sob medida para quase todos os cômodos. Este nível de detalhes universal, ao mesmo tempo que foi a causa dos elevados custos construtivos e atrasos, serve para rejeitar enfaticamente o estabelecimento de hierarquias espaciais. Cada espaço é tão pensado, único e importante como todos os outros. O efeito é surpreendente, e as expressões extravagantes do arquiteto atingem uma claridade formal extremamente difícil em meio à complexidade deslumbrante.

Câmara de Debates. © Wikimedia Commons - Mogens Engelund

Enquanto as exigentes especificações arquitetônicas tiveram uma programação infeliz e efeitos colaterais financeiros, muitas das outras controvérsias sobre a construção não foram merecidas. Uma estimativa inicial, frequentemente citada, de £ 40 milhões, usada principalmente por opositores do projeto para depreciar a cifra final de £ 414 milhões, era apenas a estimativa de um consultor para uma torre de escritórios monótona com aproximadamente a mesma área solicitada. [2] A primeira estimativa do edifício de Miralles começou em £ 109 milhões, e muitos dos aumentos de custos resultaram das crescentes exigências espaciais e programáticas dos clientes. A demanda por escritórios mais que duplicou durante a fase de concepção do projeto, e as comodidades extravagantes, tais como caríssimos espaços de mídia, foram adicionados mais tarde também. Infelizmente, pouco disso importava no clamor público que envolveu o edifício em desdém e fez o Parlamento um símbolo dos excessos do governo, má gestão e irresponsabilidades.

Cortesia de EMBT/RMJM

Para alguns membros da mídia e do público, o projeto não convencional e irreverente só piorou as coisas. Após sua abertura, foi ridicularizado por alguns como uma farsa arquitetônica, chegando a ser classificado em quarto lugar em uma pesquisa de edifícios do Reino Unido que o público mais queria ver demolidos. [3] Curiosamente, embora talvez não tão surpreendentemente, a recepção do edifício na comunidade arquitetônica foi marcadamente diferente. A maioria dos críticos instantaneamente reconheceu o brilho do projeto e tentou defender o projeto inovador em relação aos custos extremos e atrasos que ameaçavam fazer-lhe sombra. Essa recepção profissional foi claramente evidenciada na série de importantes premiações de arquitetura que rapidamente conquistou o edifício, talvez mais notavelmente, o Prêmio RIBA Stirling de 2005.

Edifício de Escritórios

Charles Jencks, como um jurado do Prêmio, analisou os pontos sensíveis do projeto elogiosamente: "Na era de edifícios icônicos, [o Edifício do Parlamento Escocês] cria uma iconologia de referências à natureza e ao local, utilizando mensagens complexas como um substituto para uma única linha. Em vez de ser um edifício monumental, como é o marco usual, aninha-se o seu caminho para o entorno, um ícone da resolução orgânica, costurando a natureza e a cultura em uma união complexa." [4]

Edifício de Escritórios MSP. © Scottish Parliamentary Corporate Body - 2012

A brecha na percepção entre a elite arquitetônica e o público tem diminuído um pouco ao longo dos anos, e tornou-se mais fácil apreciar os êxitos da construção, fora a história desastrosa que dominou seus primórdios. Para Miralles, que tragicamente morreu de um tumor no cérebro em 2000 sem ver sua conclusão, o Parlamento é sua grande obra. O projeto caprichoso e impulsivo permanece excepcionalmente sem paralelo atualmente, e o edifício continua a exercer uma enorme influência no campo arquitetônico.

© Dave Morris Photography

[1] The Scottish Parliament. “About the Parliament Building.” Acessado em 12 de Set. 2014 de http://www.scottish.parliament.uk/visitandlearn/9983.aspx.

[2] "The Holyrood Inquiry: A Report by the Rt. Hon. Lord Fraser of Carmyllie QC." Sept. 2004. Acessado em 17 Set. 2014 de http://www.scottish.parliament.uk/SPICeResources/HolyroodInquiry.pdf.

[3] Mills, Rod. “No Horray for Holyrood ‘ugly’ partliament parliament building should be razed, says poll.” 14 de Outubro de 2008. Acessado em 12 Set. 2014 de http://www.express.co.uk/news/uk/65983/No-Hooray-for-Holyrood-ugly-parliament-building-should-be-razed-says-poll.

[4] "RIBA Stirling Prize Winners: The Scottish Parliament (2005)." Architecture.com. Acessado em 17 Set. 2014 de http://www.architecture.com/StirlingPrize/RIBAStirlingPrizeWinners/TheScottishParliament(2005).aspx.

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Localização do Projeto

Endereço:EH99 1SP, Reino Unido

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Sobre este escritório
Cita: Langdon, David. "Clássicos da Arquitetura: Parlamento Escocês / Enric Miralles " [AD Classics: Scottish Parliament Building / Enric Miralles] 25 Jul 2016. ArchDaily Brasil. (Trad. Souza, Eduardo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/791969/classicos-da-arquitetura-parlamento-escoces-enric-miralles> ISSN 0719-8906

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