Imagens irreais: prós e contras de utilizar ferramentas de vídeo games nas renderizações arquitetônicas

Nos últimos anos, atingimos um ponto onde as visualizações se tornaram de grande importância para a profissão da arquitetura. Quer gostemos ou não, imagens estilizadas são vistas como produtos e, nos últimos tempos, renderizações vêm ganhando concursos e comissões. Arquitetos passaram a encantar-se por belos renders já que clientes compreendem imagens melhor do que plantas, e, ainda sim, as ferramentas usadas para produzir estas imagens cativantes estão evoluindo mais rápido do que nossa indústria pode acompanhar. Apesar disso, como a tecnologia está em constante desenvolvimento, nós talvez enfrentemos uma nova onda de técnicas para produção de visualizações, com as mesmas ferramentas de renderização usados para produzir imagens tentadoramente realistas em filmes e vídeo games.

As fronteiras entre indústrias estão se dissolvendo e as companhias por trás das ferramentas de renderização dos mais populares vídeo games, agora estão comercializando seus softwares diretamente com arquitetos. Este ano, os criadores originais do jogo Gears of War tornaram seu software de renderização Uneral Engine 4 gratuito para arquitetos, e muitas outras ferramentas de renderização de vídeo games estão disponíveis por preços abaixo dos usados pelos arquitetos. O criador Tim Sweeney acredita que o mundo das visualizações está mudando "Estamos nos dando conta que o Unreal Engine 4 é uma linguagem comum entre todos esses campos", disse ele à The Verge. Criando uma linguagem comum entre os campos atualmente díspares de arquitetura, filmes e vídeo games, por exemplo, sugere que as próprias indústrias devem começar a se tornar mais híbridas e colaborativas. Por exemplo, desenvolvedores de vídeo games devem olhar para os arquitetos para compreender como construir edifícios tridimensionais, ao passo que arquitetos podem aprender do ambiente navegável virtual de vídeo games para descobrir novas formas de representação. Considerando, além de tudo isso, que estes pacotes de softwares são capazes de produzir animações realistas dos projetos, nos resta a dúvida: por que isso não é um padrão na indústria? Leia a seguir para entender os prós e os contras de ser um dos primeiros na adoção desses sistemas.

Prós:

1. Ferramentas de vídeo game oferecem possibilidades completamente novas de representação

Até pouco tempo atrás, produzir percursos animados com programas para arquitetura era uma tarefa que consumia muito tempo e, no final, o resultado ainda parecia cru e sem vida, e os profissionais raramente utilizavam essa forma de representação devido a essas dificuldades. produzir renderizações estáticas é, muitas vezes, insuficiente para capturar as qualidades experimentais e espaciais do edifício, mas imagine a possibilidade de andar pelo projeto para explicar as circulações, por exemplo. Ou, se o cliente está indeciso em relação a acabamentos no interior, ele poderia ver, instantaneamente, múltiplas opções em tempo real e em várias condições diferentes de luz para tomar sua decisão. É nesse momento que as ferramentas de vídeo game revelam seu enorme potencial. 

2. Seus concorrentes estão se adaptando lentamente

Comparados aos colegas mais jovens do setor de tecnologia, os arquitetos tem sempre se mostrado mais resistentes a mudanças. Muitos escritórios foram inicialmente lentos na adaptação a modelos computaorizados e o processo análogo da produção de modelos e desenhos continua sendo uma ferramenta importante na maioria dos locais de trabalho e universidades. Os arquitetos são forçados a trabalhar no mundo físico da estrutura e dos materiais, assim como no reino teórico dos desenhos e ideias, e no intermédio dessas zonas estão os modelos digitais. O sistema BIM, em particular, teve efeitos de longo alcance permitindo-nos catalogar, analisar e orçar cada componente dos edifícios muito antes da construção começar. Mas, apesar da disponibilidade dessas incríveis ferramentas, muitas companhias foram lentas à adaptação e continuam dependendo principalmente dos desenhos bidimensionais. Assim, escritórios que se aproveitarem das ferramentas de vídeo game podem ter uma vantagem em relação a seus concorrentes no que diz respeito à produção de visualizações. Como foi comprovado por trabalhos produzidos por artistas que trabalham com 3D no Unreal Engine 4, ferramentas de vídeo game são capazes de revelar detalhes incríveis de nuances de luz e movimento que elevam a experiência de um percurso arquitetônico.

3. Arquitetos agora podem usar ferramentas de vídeo game gratuitamente

Talvez a razão mais convincente para dar chance às ferramentas de vídeo game seja que o Unreal Engine 4 é absolutamente gratuito para arquitetos. Com uma taxa mensal anteriormente de US$19,99, os preços do Unreal Engine 4 já eram mais acessíveis do que muitos outros pacotes de softwares usados por arquitetos, e já que arquitetos não produzem um produto comercial propriamente dito, isso também significa que a taxa de 5% dos royalties destinados aos desenvolvedores do software não é aplicada. O Unreal Engine 4 facilita ainda mais sua adoção por arquitetos ao oferecer tutoriais e um catálogo de visualizações arquitetônicas em sua página. Quanto mais arquitetos passarem a usar ferramentas de vídeo game em seus trabalhos, é provável que recursos adicionais e novas dicas de uso sejam disponibilizadas. O Unreal Engine 4 deixou claro que o custo não é mais um empecilho na obtenção de ferramentas para produzir visualizações de alta qualidade; mas entender como esses softwares podem se tornar parte integral do trabalho do arquiteto é ainda um entrave.

Contras:

1. Uma curva de aprendizagem íngrime

Como alguns profissionais tiveram dificuldades na adoção até mesmo das ferramentas mais básicas de desenho tridimensional, é fácil perceber por que poucos se lançaram na oportunidade de inovar as fronteiras da indústria. Porém, talvez, não devêssemos ser tão críticos com os escritórios por sua defasagem tecnológica, já que se ajustar a uma nova forma de trabalho requer um grande investimento de tempo e dinheiro. Alguns softwares de renderização 3D têm uma linha de aprendizagem muito íngreme para aqueles acostumados ao trabalho em meios bidimensionais, e nem sempre é viável sacrificar horas rentáveis para aprender uma nova ferramenta.

2. Ferramentas de vídeo game complicam a dinâmica de trabalho

Criar visualizações de arquitetura continua sendo um processo de muitos passos que, muitas vezes, requer o uso de mais de um software, exportando e importando vários elementos. Este também é o caso do Unreal Engine 4 e outros sistemas operacionais, que requerem a importação do modelo 3D final de outro programa, como o 3DS Max. Como os arquitetos já conseguem criar visualizações impressionantes usando plug-ins do 3DS Max, como V-Ray, alguns podem se mostrar hesitosos em dedicar mais tempo ao processo de renderização, complicando-o ao acrescentar um software de vídeo game.

3. Ferramentas de vídeo game não foram criadas para a arquitetura

Alguns questionam as reais utilidades de usar softwares originalmente direcionados para video games já que ao apresentar uma falta de recursos específicos, eles poderiam produzir diferenças estilísticas evidentes nas visualizações arquitetônicas. Não surpreendentemente, alguns exemplos de percursos arquitetônicos produzidos com esses sistemas nos remetem a jogos de vídeo game. Determinar se isso significa um problema ou não, é uma questão relativa à preferências estilísticas e às razões pelas quais se pretende criar a imagem. Essas ferramentas são potencialmente prejudiciais aos arquitetos pois elas nos permitem produzir renders surreais que não contém nenhum traço de realidade em termos de arquitetura, espaço ou funções programáticas. Nesse sentido, os objetivos dos arquitetos são inerentemente diferentes dos interesses dos designers de vídeo games, os quais importam-se primordialmente com a criação de uma experiência convincente na virtual.

Na melhor hipótese, as renderizações nos oferecem uma oportunidade para comunicarmos as principais ideias fenomenológicas por trás de um edifício e apresentar as qualidades ideais que pretendemos evocar. Contudo, enquanto a tecnologia nos permite produzir incríveis cenas realistas, existe também o perigo de nos perdermos na imagem de um projeto ao invés de focar em sua realidade. Por mais belas que possam ser essas imagens, devemos nos questionar o que nos instiga em algumas delas e avaliar se elas são adequadas para as narrativas arquitetônicas e para a tomada de decisões de projeto.

Conclusão

A representação é apenas uma pequena fração do esforço que deve ser depositado ao se projetar um edifício e, algumas vezes, renderizações são apenas uma ferramenta de desenho interativo que permite que os arquitetos avaliem as qualidades espaciais e seus impactos. Escritórios maiores possuem os meios para terceirizar a produção de renderizações com profissionais, resultando em uma qualidade mais alta de produto e liberando tempo para dedicar-se ao projeto ao invés da mera representação. Por conta disso, alguns escritórios podem não querer gastar tempo e dinheiro adicionais na criação de visuais bem acabadas internamente e a dúvida de qual software utilizar torna-se irrelevante. Contudo, quando é lembrado que percursos arquitetônicos podem ser usados como forma de auxiliar a compreensão do projeto pelos clientes, que podem, então, tomar decisões sobre espaços internos, a dúvida sobre utilizar ou não os recursos disponíveis torna-se mais complicada.

Conforme esses softwares continuam avançando, os usuários podem esperar que a interface seja cada vez mais intuitiva, com o tempo de configuração reduzida e a criação cada vez mais viável de percursos arquitetônicos. Apesar disso, para que os arquitetos tirem vantagem dos avanços tecnológicos das visualizações e da eventual quebra de barreira entre as indústrias nessa área, devemos, em primeiro lugar, aprender a lidar com a renderização como ferramenta e não como um objetivo em si. A decisão de explorar ou não essa ferramenta dependerá das necessidades e objetivos específicos de cada um. Com um sacrifício inicial de tempo para aprender a navegar nessas novas formas de produzir imagens foto-realistas, a qualidade das imagens finais pode ser substancialmente elevada e alguns podem descobrir novos benefícios no uso de meios tridimensionais durante o processo de projeto. Em última análise, é provável que no futuro os softwares arquitetônicos nos permitam tirar vantagem das ferramentas de vídeo game em um meio desenvolvido especificamente para a representação dos espaços arquitetônicos. A pergunta é, que arquitetos darão os primeiros passos?

Todos os vídeos são uma cortesia do usuário do YouTube koooolalala, exceto pelo vídeo "Architecture Real-TIme", cortesia de UE4 Architecture.

Sobre este autor
Cita: Rawn, Evan. "Imagens irreais: prós e contras de utilizar ferramentas de vídeo games nas renderizações arquitetônicas" [Unreal Visualizations: 3 Pros and 3 Cons of Rendering with a Video Game Engine] 16 Mar 2015. ArchDaily Brasil. (Trad. Daudén, Julia) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/763665/visualizacoes-irreais-3-pros-e-3-contras-de-renderizar-com-um-sistema-operacional-de-video-game> ISSN 0719-8906

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