O papel das ruas comerciais: Critérios e estratégias para sua gestão

O negócio é um dos ingredientes essenciais para o desenvolvimento urbano. Representa um elemento estruturador da cidade, o que dá vitalidade tanto aos centros como aos bairros, e gera dinâmicas de consumo com enormes potenciais para a criação e atração de novos negócios. A partir desta perspectiva, vamos refletir sobre os processos de gestão de uma rua comercial, os agentes envolvidos e os efeitos gerados.

Via Plataforma Urbana

Por Arq. Guillermo Tella, Doutor em Urbanismo e Alejandra Potocko, Licenciada em Urbanismo.

O comércio não é distribuído a esmo no território, ao contrário, está organizado em torno de certas lógicas da cidade tradicional que oscilam entre: individuais ou coletivas, harmoniosas ou conflitantes, fragmentárias ou inclusivas. De qualquer forma, elas representam uma forma de construção do espaço urbano e, como tal, são determinantes da estrutura urbana.

Quanto à representação espacial, o comércio sempre se aproximou da aglomeração de estabelecimentos que dão origem ao surgimento dos “shoppings”. Juntos para aumentar a oferta e melhorar a escolha dos consumidores beneficiam assim a atração conjunta podem exercer em relação àquela que exerceriam individualmente.

Dentro desse agrupamento, as atividades comerciais podem responder a um item, constituindo centros comerciais temáticos, explorando economias de aglomeração. E assim, em vez de competir, melhorar a sua oferta. Esta experiência tem se provado bem-sucedida, tais casos como centros de peças automotivas; roupas; aparelhos de áudio; vestuário; doméstico. Além disso, em outros casos, procuram-se serviços complementares, constituindo, então, centros comerciais com uma variedade de itens, tais como: refeições, banca de jornal, farmácias, etc.

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Modelos Concorrentes

Os centros comerciais podem, por sua vez, ser de diferentes formatos. Centros tradicionais encontrados nos centros históricos, centros de transferência, como “áreas comerciais” ao longo das ruas ou avenidas, galerias, passeios, grandes superfícies fechadas, etc.

Dentro desta classificação, é possível distinguir dois modelos: o primeiro é o “tradicional”, ou seja, o modo como, historicamente, tem se expressado o comércio no território, com locais sobre as ruas, fortemente vinculados com o uso do espaço público e alimentados pelo transporte público de passageiros (e, por isso, localizados em torno de estações de trens, ruas movimentadas ou avenidas).

O segundo modelo corresponde a uma lógica dos anos 80 e 90 que ainda está viva, em um contexto de profundo individualismo, é caracterizado pela construção de centros comerciais fechados (shoppings, hipermercados), e cuja localização é baseada no uso de carros particulares: próximos de rotas importantes e vias expressas, e que fornecem grandes áreas de estacionamento.

Trata-se, então, de dois modelos de ocupação territorial conflitantes: centros tradicionais que são inseridos no tecido urbano, enquanto os shoppings ocupam grandes edifícios que desarticulam a trama, e que, eventualmente, transformam-se em barreiras urbanas. Ao mesmo tempo em que os centros comerciais tradicionais usam o espaço público, interagindo constantemente com ele, gerando um sentimento de pertencimento, identidade, e favorecendo o encontro entre os cidadãos.

Em contraponto, os shoppings se auto segregam da via pública sobre edifícios de propriedade privada, banalizam o espaço e, até, simulam recreá-lo com a montagem de cenografias temáticas que não fazem mais do que representar “não lugares”, ou seja, lugares que não pertencem a lugar nenhum: um shopping é igual em Buenos Aires, em São Paulo, em Nova York ou em Londres; ao contrário de uma rua comercial tradicional que representa um lugar, que tem elementos que a distingue e a fazem única, que geram identidade.

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Lógicas Subjacentes

Por trás dessa lógica de ocupação encontra-se a lógica de consumo característica dos anos 80 e 90: os shoppings desembarcaram em todas as grandes cidades do país com uma oferta totalmente inovadora no ambiente local, que combinava lazer e a atividade comprar, deixando de ser vista como uma atividade funcional que o consumidor realiza todos os dias. O shopping mudou o conceito e, em linha com os hipermercados pré-existentes, tornou-se uma atividade na qual o usuário dedica-se exclusivamente: percorrendo distâncias relativamente longas, diverte-se e faz suas compras.

O surgimento dos shoppings tem sido influente no desenvolvimento urbano não só devido à sua localização e formato, mas também devido à concorrência que gerou sobre os centros comerciais tradicionais. No principio, a aparição dos supermercados dos anos 70 alterou significativamente os hábitos de consumo de escala do bairro e influenciou na quase extinção de comércios tradicionais nos bairros das grandes cidades. Mais tarde, os shoppings começaram a competir fortemente com os centros tradicionais, levando muitos deles ao declínio total. E uma vez que o comércio é a essência da cidade, os shoppings acabaram alterando a dinâmica urbana de uma forma ainda não resolvida.

Além disso, a ausência de controle das autoridades locais e o individualismo absoluto imperam, permitindo que os comerciantes compitam pela maior placa. Ao somar à falta de investimento público, encontramos ainda mais centros comerciais tradicionais em declínio: espaço público degradado, menos atraente para os clientes, menos comercial, com uma maior insegurança …Tudo isso então torna-se um ciclo vicioso de decadência e, quando isso acontece, a cidade perde vitalidade e se esvazia.

Exceto a climatização e o refúgio contra as condições climáticas –que além do mais podem ser atenuadas-, todas as “desvantagens” dos centros comerciais tradicionais em relação aos shoppings, não são mais que  consequências da inatividade, ou seja, são fatores que podem ser resolvidos. Há muitas maneiras de fazer isso: construir novas calçadas, diminuindo a velocidade dos automóveis, criar mais áreas para pedestres, limpando o espaço público, etc, mas, basicamente, o que se deve fazer é um processo de colaboração entre os comerciantes e as autoridades locais, e melhor ainda, em conjunto com o apoio de uma instituição que apoie as ações que se pretende levar adiante a fim de revalorizar os centros comerciais tradicionais.

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Rumo a um Desenvolvimento Comercial

Em geral, as atividades comerciais têm sofrido tradicionalmente um certo rebaixamento no processo de planejamento das cidades. Com base nas alterações recentes, as cidades devem enfrentar novos desafios: a degradação dos centros históricos, a periferização das residências, a especialização das áreas de serviço.

O comércio transformou-se em uma atividade urbana que ganhou nova importância no processo de planejamento, dado o seu potencial para regenerar os centros urbanos. Estamos falando de um “urbanismo comercial”, entendido como um campo disciplinar que avança- tanto teórica como praticamente- nas relações estabelecidas entre o comércio e as diferentes formas de habitar a cidade.

Concentra-se, especificamente, no processo de integração entre o ambiente urbano e as atividades comerciais, promovendo a mistura de usos e desencorajando a monofuncionalidade do espaço.

Então, com a aplicação de estratégias para a revalorização dos tradicionais centros comerciais, sem dúvida, melhoram-se as condições urbanas, mais consumidores são atraídos e, logo, mais comerciantes são beneficiados. E deste modo, pode-se criar um espaço público que ofereça serviços semelhantes aos encontrados nos shoppings.

Os shoppings centers são, em essência, uma empresa privada que gerencia um número de estabelecimentos comerciais a fim de obter o máximo benefício. E para isso, aplica “estratégias de vendas” -algumas perversas, como uma circulação tão labiríntica que dificulta a saída; a localização fixa  de locais segundo seus horários de abertura e de fechamento, de carga e descarga, tipos e qualidades de publicidade, estética geral, etc. existe uma gestão de negócios global que garante uma boa qualidade do espaço comercial e ainda tem importante componente de marketing, que vende a marca do shopping mais do que os produtos que ali são comercializados.

Utilizando os conceitos da “cidade vitrine”, o marketing se instala -nesses processos de revitalização de centros comerciais- como uma ferramenta fundamental. Criar uma “marca” de centro comercial e programas de fidelização de clientes são, sem dúvida, estratégias que atraem mais público, ao gerar uma identidade e ao dar um perfil mais profissional ao conjunto comercial.

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Um dos elementos de marketing de melhor impacto para o comércio local está relacionado com o sentimento de pertencimento; e não existe nada mais enraizado no sentido de identidade dos bairros que a cultura local e o esporte. É por esta razão que é necessário que se estabeleçam acordos de cooperação mútua, acrescentando agentes governamentais locais envolvidos nestas áreas, afim de se estabelecer ações recorrentes, fazendo-as em benefício do centro comercial.

Observando-se um retorno incipiente ao cotidiano, aparece a oportunidade para o comércio varejista local. Para capitalizá-la, então, deve-se utilizar estratégias de associatividade e gestão de negócios, ou seja, trata-se de encontrar soluções conjuntas para problemas comuns. É cada vez maior o número de cidades que encaram os esforços para a revitalização de seus centros comerciais, impulsionando o comércio, e potencializando o desenvolvimento urbano mediante estratégias em favor da cidade.

Texto original por Guillermo Tella via Plataforma Urbana – tradução ArchDaily Brasil.

Sobre este autor
Cita: Marina de Holanda. "O papel das ruas comerciais: Critérios e estratégias para sua gestão" 27 Nov 2012. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-82931/o-papel-das-ruas-comerciais-criterios-e-estrategias-para-sua-gestao> ISSN 0719-8906

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