Os hutongs são estruturas urbanas que atravessam séculos, preciosos exemplos da arquitetura vernacular chinesa e uma das principais testemunhas da transformação cultural e histórica do país. O nome ‘hutong’, na verdade, deriva de uma palavra em mongol que significa ‘poço d'água’. Era assim que se chamavam as pequenas vielas construídas ao longo da dinastia Yuan (1271–1368) na tentativa de traçar um tecido urbano mais regular que tanto facilitasse a gestão da propriedade da terra quando a eficiência dos fluxos.
Apropriando-se desta nova estrutura urbana, os aristocratas e altos oficiais do exército Yuan—a quem lhes era permitida a posse de terra na cidade real de Pequim—passaram a construir uma série de pátios em meio a esse emaranhado de vias e vielas. Com o tempo, esses pátios passaram a ser conhecidos como “Siheyuan”. Mais tarde, a medida que a população da cidade aumentava exponencialmente, o número de hutongs cresceu em igual medida, passando as mãos de diferentes proprietários que então, subdividiam estes pátios de forma completamente aleatória.
Já no século XX, sob influência ideológica do nacionalismo e do comunismo, a moradia na china passou a ser vista como um bem coletivo e portanto, comunitária. Somado a isso, o país passou por profundas transformações e assistiu a uma êxodo rural sem precedentes. Milhões e milhões de pessoas se deslocaram para as cidades em busca de trabalho e melhores condições de vida, especialmente Pequim. A estrutura compacta dos Hutongs proporcionava uma sensação de conforto e intimidade, principalmente em se tratando de um ambiente urbano cada vez mais denso e gentrificado. Em média, 4 a 5 famílias compartilhavam um mesmo teto enquanto que o pátio, operava como uma espécie de espaço público familiar.
Atualmente, os hutongs estão desaparecendo e já são considerados uma tipologia arquitetônica ameaçada de extinção na China. Como testemunhos históricos dos processos de transformação econômica, social e política do país, é um pecado que tais estruturas desapareçam sem deixar rastros. Pensando nisso, muitos arquitetos chineses—e também de outras partes do mundo—estão batalhando para preservar o pouco que sobrou desta história para que a mesma não se perca para sempre.
Transformar e Repensar
O Hu Yue Studio é um dos escritórios que se dedica a resgatar e ressignificar os antigos Hutongs da cidade de Pequim. Com o principal objetivo de melhor atender as necessidades diárias dos moradores, adaptando e modernizando a histórica estrutura destes edifícios, os arquitetos desenvolveram dois projetos de reforma de hutongs em 2015.
A intenção era preservar ao máximo as características originais dos pátios, demolindo parcialmente e expandindo a estrutura construída existente. Desta maneira, eles foram capazes de resgatar a harmonia do conjunto arquitetônico e também a dignidade e privacidade de cada um de seus moradores.
Para o projeto de reforma do pátio nº 19, no distrito leste de Pequim, eles dividiram este espaço coletivo em dois, deixando um pátio menor para o uso privativo dos moradores e um maior, aberto ao público e conectado com o espaço da rua. Aparte disso, um novo volume foi incorporado de forma a conectar as duas estruturas existentes.
Pequim em Miniatura
O projeto de reforma do Hutong No. 28, intitulado de ‘Pequim em Miniatura’, foi desenvolvido pelos arquitetos do Atelier Li Xinggang e inaugurado em 2017. Localizado no centro histórico de Pequim, a reestruturação deste hutong foi realizada com base em um conceito de hierarquização dos espaços públicos coletivos em três diferentes níveis, do mais íntimo ou “Quintal em Miniatura”, passando pelo intermediário, ou “Comunidade em Miniatura”, até o mais público, chamado de “Pequim em Miniatura”.
Este conceito também foi transladado aos espaços de vida da casa, abarcando desde o espaço individual e familiar, passando por um pátio de uso coletivo que faz a mediação entre os âmbitos público e privado, até o espaço público propriamente dito. Como resultado destas operações, o antigo pátio foi ressignificado dando lugar à cinco pátios menores conectados as cinco residências que compõe o conjunto, além de um amplo espaço público onde encontra-se um café e uma casa de chá.
Ambas estruturas que animam o pátio público se conectam diretamente com um pequeno jardim na parte posterior do terreno, onde encontra-se um pavilhão elevado sobre uma plataforma de concreto.
Conectando Hutongs através do espaço público
Micro-Hutong é um experimento desenvolvido pela equipe do standardarchitecture em Dashilar, região sul de Pequim. Como um projeto de pesquisa e exploração de novas soluções habitacionais em pequena escala, os arquitetos se propuseram a testar e analisar diferentes abordagens para os compactos hutongs do sul de Pequim.
Para a equipe do standardarchitecture, o maior problema dos hutongs são a infraestrutura precária e a ausência de espaços de convívio de qualidade, o que levou a muitos dos antigos moradores a abandonar suas propriedades em busca de melhores condições de vida fora do centro da cidade.
Buscando resolver estes problemas, os arquitetos desenvolveram uma abordagem na qual o pátio é ressignificado como um espaço de organização e distribuição do programa da casa. Desta forma o pátio volta a ser um elemento vital na operação do edifício, estabelecendo relações diretas entre o espaço público e privado.
Os hutongs estão entre as estruturas arquitetônicas mais simbólicas e representativas da cultura chinesa. Proteger e revitalizar estes edifícios é essencial para a preservação de parte fundamental da história do país. Um esforço que deve ser empreendido pensando no futuro, mas que infelizmente, tem sido subestimados por seus governantes.
Zhang Ke, arquiteto responsável pelo estúdio standardarchitecture, argumenta que, “para explorar novas possibilidades dentro da estrutura tradicional dos hutongs, devemos reinventar a nossa própria forma de fazer arquitetura”.
Este artigo faz parte do Tópico do Mês do ArchDaily: Pequena Escala. Cada mês exploramos um tópico em profundidade por meio de artigos, entrevistas, notícias e obras. Conheça mais sobre nossos tópicos aqui. E como sempre, nós do ArchDaily, valorizamos as contribuições de nossos leitores. Se você deseja enviar um artigo ou trabalho, entre em contato conosco.
Traduzido por Vinicius Libardoni.