Neuroarquitetura residencial: projetando ambientes para o Ciclo de Setênios de Rudolf Steiner

A arquitetura residencial desempenha um papel vital na vida das pessoas, influenciando sua qualidade de vida e bem-estar. Para criar ambientes que sejam verdadeiramente adaptados às necessidades biopsicossociais de cada usuário, é essencial incorporar os princípios da neurociência aplicada à arquitetura. Nesse sentido, a Teoria dos Setênios de Rudolf Steiner oferece um quadro conceitual valioso para entender as diferentes fases da vida e suas implicações na concepção de espaços habitacionais. Este texto abordará as etapas do projeto arquitetônico, desde o briefing até a execução, destacando a relevância de conceitos da neurociência cognitiva e comportamental, como priming, framing, nudging, wayfinding, design salutogênico e design biofílico, à luz da Teoria dos Setênios.

Rudolf Steiner, no início do século XX, desenvolveu a antroposofia como uma filosofia que transcende as dimensões convencionais da existência humana. Essa perspectiva holística considera não apenas a natureza física, mas também os aspectos emocionais e espirituais do ser humano. Central para a antroposofia é a Teoria dos Setênios, um modelo que articula os ciclos de sete anos ao longo da vida, delineando as fases distintas de desenvolvimento biopsicossocial. Essa teoria fornece uma base conceitual para compreender as mudanças nas necessidades e características dos indivíduos ao longo do tempo.

A neuroarquitetura residencial, por sua vez, é um campo interdisciplinar que integra os princípios da arquitetura, da psicologia e da neurociência, visando projetar ambientes que influenciam positivamente o comportamento humano e contribuem para o bem-estar. Conceitos como priming, framing, nudging, wayfinding, design salutogênico e design biofílico são aplicados para criar espaços que não apenas atendam às necessidades funcionais, mas também promovam estados emocionais e cognitivos desejáveis.

A integração entre a antroposofia e a neuroarquitetura residencial ocorre em diversos níveis. A visão holística da antroposofia, que considera a espiritualidade e a individualidade, pode orientar a seleção de materiais, formas e cores na concepção de espaços habitacionais. Elementos biofílicos, baseados na conexão com a natureza e a espiritualidade, encontram eco nas premissas da antroposofia, que reconhece a importância da harmonia entre o ser humano e o entorno.

A Teoria dos Setênios de Rudolf Steiner, ao descrever as diferentes fases da vida, influencia diretamente o processo de concepção arquitetônica. Cada setênio apresenta necessidades e características específicas, desde a infância até a velhice. A neuroarquitetura residencial, consciente dessas variações, adapta-se aos diferentes estágios da vida, aplicando princípios neurocientíficos de acordo com as demandas de cada fase.

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Envelhecimento humano conforme as etapas pré-determinadas pela teoria de Steiner (2000). Fonte: elissakhourydaher.com (2022)

Briefing: compreendendo as necessidades de cada setênio

O briefing é a etapa inicial de qualquer projeto arquitetônico, e é aqui que a compreensão das necessidades de cada setênio se torna crucial. A Teoria dos Setênios divide a vida em sete fases de sete anos, cada uma com características e desafios específicos. É fundamental considerar essas fases ao definir os objetivos do projeto residencial.

Infância (0-7 anos): explorando o mundo

Neste estágio, as crianças estão explorando o mundo e desenvolvendo habilidades motoras e sensoriais. Os espaços residenciais para famílias com crianças pequenas devem ser projetados com ênfase na segurança e estimulação sensorial. Tapetes macios, móveis arredondados, cores suaves e materiais não tóxicos são essenciais. A neurociência cognitiva destaca a importância da estimulação sensorial nessa fase, que contribui para o desenvolvimento do cérebro.

Infância tardia e pré-adolescência (7-14 anos): aprendizado e socialização

Nesse período, as crianças começam a desenvolver habilidades sociais e cognitivas mais complexas. O briefing deve considerar espaços para estudo, lazer e interação social. As cores e a disposição dos móveis podem influenciar o comportamento das crianças. Além disso, o design deve incorporar áreas para atividades físicas e recreação, de acordo com a neurociência comportamental, que destaca a relação entre o ambiente e o comportamento.

Adolescência (14-21 anos): identidade e autonomia

Na adolescência, os jovens estão em busca de identidade e autonomia. Os espaços devem permitir privacidade e expressão pessoal. O design deve ser flexível e adaptável, refletindo a constante evolução das relações pessoais e profissionais. A neurociência cognitiva enfatiza a importância do ambiente na formação da identidade.

Juventude (21-28 anos): desenvolvimento profissional e relacionamentos

Nessa fase da vida, muitas pessoas estão focadas em suas carreiras e no desenvolvimento de relacionamentos significativos. O projeto arquitetônico para jovens adultos deve levar em consideração a necessidade de flexibilidade e adaptabilidade, uma vez que as carreiras e as relações pessoais estão em constante evolução.

Idade adulta (28-35 anos): estabilidade e família

Na idade adulta, muitas pessoas estão estabelecendo famílias e buscando estabilidade. O design residencial deve atender às necessidades de famílias jovens, com espaços para crianças, áreas para convívio em família e quartos bem planejados, conformando espaços de interações afetivas, momentos de trabalho - home office - e de descanso pessoal.

Meia-idade (35-42 anos): reflexão e avaliação

Nessa fase, as pessoas frequentemente passam por reflexões sobre suas vidas e buscam um ambiente que promova o equilíbrio e a serenidade. Espaços residenciais devem considerar a necessidade de áreas de relaxamento, como jardins zen ou espaços de meditação. A trabalhabilidade de sistemas de ventilação que propiciem o controle da intensidade lumínica e a renovação do ar no interior da residência qualificam a salubridade espacial do ambiente construído.

Maturidade (42-49 anos) e Velhice (a partir dos 49 anos): conforto e cuidados

Nas fases de maturidade e velhice, as necessidades de conforto e cuidados de saúde se tornam cada vez mais importantes. A acessibilidade e a segurança dos espaços são fundamentais. Ressalta-se que para o filósofo Rudolf Steiner, que viveu entre 1861 e 1925, a idade de 49 anos era atribuída à fase idosa da população, tendo em vista a expectativa de vida do período.

Atualmente, a expectativa de vida ultrapassa os 73,3 anos, conforme dados da Organização das Nações Unidas de 2023. Tal evolução dos padrões biopsicossociais possibilitam aos projetistas novas possibilidades a partir das contribuições da neurociência e da gerontologia ambiental aplicadas à arquitetura residencial em prol dos atuais e dos futuros idosos.

Conceituação: integrando neurociência cognitiva e comportamental

A fase de conceituação é o momento de integrar a neurociência cognitiva e comportamental na criação do projeto. A ativação de conceitos como priming, framing e nudging pode influenciar sutilmente as escolhas dos habitantes, promovendo comportamentos desejados.

I) Priming: influenciando o comportamento pela exposição

O priming envolve a exposição prévia a estímulos que afetam o comportamento futuro. No contexto residencial, é possível utilizar o priming para incentivar hábitos saudáveis. Por exemplo, a disposição de frutas frescas em uma cozinha pode incentivar escolhas alimentares mais saudáveis. Isso é especialmente relevante na infância, quando as crianças estão desenvolvendo seus hábitos alimentares.

II) Framing: moldando a percepção do ambiente

O framing refere-se à maneira como as informações são apresentadas para influenciar a percepção. No projeto residencial, o framing pode ser aplicado ao design de interiores. Por exemplo, a escolha de cores, materiais e iluminação pode moldar a percepção do espaço. Em um quarto de adolescente, o framing pode ser utilizado para criar um ambiente que promova a concentração ou relaxamento, dependendo das necessidades.

III) Nudging: promovendo escolhas conscientes

O nudging envolve a criação de ambientes que promovam escolhas conscientes e saudáveis. Em uma residência, isso pode ser alcançado por meio do design de espaços que incentivem a atividade física, como escadas bem iluminadas e acessíveis em vez de elevadores. A neurociência comportamental demonstra que pequenas alterações no ambiente podem influenciar as decisões das pessoas.

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Projeto de Richard Morgan da Resi. Imagem © Matt Gamble

Projeto arquitetônico: integrando wayfinding, design salutogênico e design biofílico

A etapa de projeto arquitetônico é o cerne da criação de ambientes residenciais que promovem o bem-estar ao longo do ciclo de setênios. A integração dos princípios do wayfinding, design salutogênico e design biofílico é essencial para a criação de espaços que atendam às necessidades biopsicossociais de cada fase da vida.

I) Wayfinding e proxêmica: orientação espacial, acessibilidade e integração social

O wayfinding é o processo de orientação espacial e navegação em um ambiente. Em um projeto residencial, a acessibilidade e a clareza da circulação são fundamentais, especialmente nas fases de maturidade e velhice. A neurociência aplicada à arquitetura destaca a importância de criar espaços que sejam facilmente compreendidos e acessíveis para pessoas de todas as idades.

A construção da identidade dos lugares e a sua memorização serve também para a orientação para o relaxamento fisiológico, bem como a percepção de pertencimento ao espaço construído. Neste sentido, a proxêmica e contato visual são conhecimentos fundamentais para a melhor adequação do espaço. Edgar T. Hall, no livro Dimensão Oculta (2005), tais relações espaciais entre a sociabilidade humana são explicadas pela proxêmica e pelo contato visual dos usuários.

A proxêmica é uma disciplina que trata do estudo da relação espacial dos indivíduos consigo mesmos e com outras pessoas. A partir da disposição dos mobiliários residências, por exemplo, atmosferas de aproximação ou de afastamento/ privacidade podem ser incorporadas no projeto. Tal necessidade de socialização ou de introspecção irão variar conforme o usuário. Por outro lado, além da conformação espacial dos móveis, a altura deles também necessita ser cuidadosamente aferida, tendo em vista que o contato visual é a base das conexões humanas, tanto biológica quanto culturalmente (Hall, 2005). Olhar um para o outro auxilia os usuários a interpretar melhor as mensagens; assim, a localização dos equipamentos e o planejamento dos espaços no interior do design residencial podem contribuir para maximizar (ou minimizar) as oportunidades de socialização.

II) Design salutogênico: promovendo a saúde e o bem-estar

O design salutogênico se concentra na promoção da saúde e do bem-estar por meio do ambiente construído. Em todas as fases da vida, é importante considerar a qualidade do ar, a iluminação natural e a ventilação adequada. Em fases de desenvolvimento, como a infância, o design salutogênico pode incluir espaços para atividades físicas e áreas ao ar livre que incentivem o contato com a natureza. A neurociência cognitiva e comportamental destaca a relação entre o ambiente e o bem-estar mental e físico. Além disso, fornecer ventilação e iluminação natural propiciam aos residentes múltiplos benefícios, como: produtividade aprimorada; melhor qualidade do sono; sintomas reduzidos de depressão; melhor saúde mental; produção de serotonina; síntese de Vitamina D; e redução dos hormônios do estresse.

III) Design biofílico: conexão com a natureza e bem-estar

O design biofílico envolve a criação de ambientes que promovam a conexão com a natureza. Esse conceito é especialmente relevante nas fases da infância e adolescência, quando a exposição à natureza pode ter impactos positivos no desenvolvimento cognitivo e emocional. Além disso, em todas as fases da vida, o design biofílico pode ser incorporado por meio de elementos como jardins internos, paredes verdes e a utilização de materiais naturais. A neurociência comportamental demonstra que a presença de elementos naturais nos ambientes pode reduzir o estresse e melhorar o bem-estar.

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House in a Flat / nitton architects. Imagem © Sweng Lee

Ademais, projetar residências que ofereçam um enriquecimento ambiental ao longo da vida, de acordo com os princípios da neurociência, é fundamental para promover a neuroplasticidade e construir a reserva cognitiva. Ao proporcionar estímulos sensoriais, cognitivos e motores variados, esse tipo de ambiente desafia o cérebro a se adaptar continuamente, fortalecendo as conexões neurais e mitigando os efeitos do envelhecimento. A diversidade de experiências multissensoriais, a integração de atividade física e a promoção de interação social e desafios cognitivos contribuem não apenas para a saúde mental e emocional, mas também para a preservação da função cerebral ao longo do tempo. Em suma, o design residencial voltado para o enriquecimento ambiental emerge como uma estratégia valiosa para otimizar o bem-estar cognitivo e promover uma qualidade de vida sustentável.

Execução: transformando conceitos em realidade

A etapa de execução é onde os conceitos se tornam realidade. Durante a construção, é importante garantir que as especificações do projeto, como cores, materiais e iluminação, sejam fielmente seguidas para criar o ambiente desejado. Além disso, a fase de execução deve incorporar aspectos de acessibilidade e segurança, especialmente nas fases de maturidade e velhice.

I) Garantindo a qualidade do ambiente construído

A execução do projeto residencial requer atenção aos detalhes, desde a seleção de materiais de alta qualidade até a coordenação eficaz entre os diferentes profissionais envolvidos. O design salutogênico e o design biofílico devem ser incorporados ao ambiente de forma a promover o bem-estar, com a seleção de materiais que não emitam substâncias tóxicas e a consideração de aspectos de eficiência energética para reduzir o impacto ambiental.

II) Acessibilidade e segurança

Em fases posteriores da vida, como a maturidade e a velhice, a acessibilidade e a segurança são fatores críticos. Rampas, corrimãos, banheiros adaptados e sistemas de alerta podem ser incorporados ao projeto para atender às necessidades de idosos e pessoas com mobilidade reduzida. A neurociência aplicada à arquitetura destaca a importância de criar ambientes seguros para prevenir quedas e acidentes.

Pós-ocupação: avaliação contínua e adaptação

Após a conclusão da construção, a avaliação contínua é essencial para garantir que o ambiente atenda às necessidades dos habitantes ao longo das diferentes fases do ciclo de setênios. Mudanças nas circunstâncias de vida, como o envelhecimento ou a chegada de novos membros da família, podem exigir adaptações no ambiente construído.

A neurociência aplicada à arquitetura também pode ser incorporada a esta fase por meio de pesquisas e estudos de pós-ocupação. A coleta de dados sobre o impacto do ambiente na qualidade de vida das pessoas pode fornecer informações valiosas para futuros projetos.

Um enfoque integrado para ambientes residenciais

A integração da Teoria dos Setênios de Rudolf Steiner com os princípios da neurociência aplicada à arquitetura oferece uma abordagem interdisciplinar poderosa para projetar ambientes residenciais que atendam às necessidades biopsicossociais de cada fase da vida. Desde o briefing até a execução e pós-ocupação, a consideração cuidadosa das características de cada setênio, juntamente com os conceitos de priming, framing, nudging, wayfinding, design salutogênico e design biofílico, pode resultar em espaços que promovam o bem-estar e a qualidade de vida.

A arquitetura residencial não é apenas sobre a construção de estruturas físicas; é sobre a criação de ambientes que se adaptem e melhorem a vida das pessoas ao longo do tempo. Essa abordagem holística, baseada em princípios sólidos de neurociência cognitiva e comportamental, juntamente com o entendimento das fases do ciclo de setênios, pode transformar a maneira como concebemos e projetamos nossas casas. Ao fazê-lo, podemos contribuir para um estilo de vida mais equilibrado e saudável para todas as gerações.

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Sobre este autor
Cita: Ciro Férrer Herbster Albuquerque. "Neuroarquitetura residencial: projetando ambientes para o Ciclo de Setênios de Rudolf Steiner" 22 Dez 2023. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1011261/neuroarquitetura-residencial-projetando-ambientes-para-o-ciclo-de-setenios-de-rudolf-steiner> ISSN 0719-8906

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