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Arquitetos: Tapera Arquitetura e Patrimônio Cultural
- Ano: 2025
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Fotografias:Peter Hertel, Karime Xavier

Descrição enviada pela equipe de projeto. Conhecida como Casa do Sol, a residência de Hilda Hilst foi construída nos anos de 1960 para abrigar sua vida de escrita e criação artística. Entre 2023 e 2025 o imóvel passou pela primeira vez por um processo completo de restauro. A intervenção atualizou a infraestrutura da casa, conservou características originais e ampliou sua capacidade de acolher residências artísticas e ações culturais promovidas pelo Instituto Hilda Hilst. Viabilizado por meio da Transferência do Direito de Construir (TDC) —política pública de preservação que permite a venda do potencial construtivo de imóveis tombados— o restauro da Casa do Sol foi um dos primeiros casos em Campinas de aplicação dessa legislação.

Aos 34 anos, Hilda Hilst começou a construir um espaço onde pudesse se dedicar integralmente a sua obra literária. Em 1964, ergueu a Casa do Sol, em uma parte da antiga fazenda de sua mãe, Bedecilda, às margens da estrada Mogi Mirim-Campinas. Tombado como patrimônio histórico municipal em 2014, o local se tornou, logo após a morte da escritora em 2004, também sede do Instituto Hilda Hilst, responsável por preservar o acervo bibliográfico da autora, organizar residências artísticas e promover atividades culturais. A instituição é comandada por Daniel Fuentes, filho de Olga Bilenky, grande amiga de Hilda e moradora da casa desde 1975.


O projeto de restauro teve como foco um diálogo com os múltiplos valores presentes na casa: histórico, paisagístico, arquitetônico, de ruína e de uso atual como centro cultural, mas também como moradia de Olga Bilenky. Toda a infraestrutura elétrica e hidráulica foi refeita, assim como forros e telhados. O jardim ganhou caminhos acessíveis conectando as edificações dentro do lote. As espécies arbóreas que compõem a área verde passaram por catalogação e receberam poda e tratamento.

Aumentar a conexão entre os espaços da casa foi uma das ideias centrais da intervenção. O projeto criou uma passagem pela edícula, o que permitiu completar o eixo de circulação central. Agora ele percorre todo o terreno: a partir do jardim para onde dá a sala de estar, esse eixo atravessa a casa, seu pátio central e cruza a edícula, para terminar no novo jardim com ruínas do canil, em direção ao acesso original, encerrado por um antigo e ornamentado portão de metal.


A edícula, que era uma construção relativamente segregada da casa, com portas e janelas que se voltavam para os canis, recebeu intervenções maiores. Foi reconfigurada para se abrir para o jardim e para a casa, em vez de se voltar para os fundos, e recebeu outras melhorias: cozinha nova, suíte com acessibilidade, bar para eventos e varandas.

A casa principal foi restaurada com foco mais conservativo, respeitando estrutura e materiais originais. Portas, volumetria original, elementos de convivência no pátio interno e as janelas abertas para o jardim foram conservadas e valorizadas no projeto. O restauro removeu muros que existiam dentro do terreno, como o do fechamento da lavanderia e os de divisão dos antigos canis, para reforçar os eixos de circulação e ampliar as visuais. A demolição do muro da lavanderia recuperou as vistas das janelas de dois quartos, que dão para o pôr do sol. Com isso também foi possível criar um novo espaço de fruição em frente aos quartos, a partir do prolongamento de uma varanda existente, uma das poucas estruturas construídas durante o restauro.

O quarto de Hilda, espaço de evidente carga simbólica e onde hoje fica seu acervo bibliográfico, foi integrado ao quarto ao lado, espaço que primeiro abrigou a biblioteca da escritora. Essa intervenção prepara a casa para uma etapa futura do projeto: mover a biblioteca para o cômodo contíguo, o que possibilitará transformar o quarto da escritora em um ambiente de leitura conectado à coleção de livros.

Mudanças importantes de partido nasceram de uma escuta sensível do lugar e da obra de Hilda durante o período de projeto e restauro. Inicialmente, havia a ideia de construir um anexo novo, de vidro, para exposições e encontros, partido de restauro bastante comum. No desenvolvimento do projeto, a partir do convívio com Olga e da imersão na obra de Hilda Hilst, ficou claro que, em vez de demolir para construir o anexo, seria mais coerente tratar os remanescentes dos canis como ruínas. Esses remanescentes foram conservados e valorizados com uma possibilidade de ocupação cultural.


Residência de Hilda Hilst desde 1966, a casa também foi lar do escultor Dante Casarini, de sua companheira Iara Sheidt, do escritor e artista plástico José Luís Mora Fuentes, da artista Olga Bilenky e do filho dos dois, Daniel Fuentes (gestor do Instituto Hilda Hilst), além do amigo Jurandir Valença. Ao longo dos anos, abrigou temporariamente nomes como o escritor Caio Fernando Abreu e recebeu com frequência artistas e intelectuais como Lygia Fagundes Telles, Nelly Novaes Coelho, Maria Bonomi, e os físicos Cesar Lattes e Mário Schenberg. O restauro, ao criar mais quartos, ambientes de estudo e convivência, varandas e outros espaços abertos de fruição, amplia a capacidade de acolher artistas e pesquisadores, e reafirma o papel da casa como polo cultural e criativo.































