Prisões e violação dos direitos humanos: O que podem fazer os arquitetos?

Originalmente publicado em Architectural Review como "Discipline and Punish: the Architecture of Human Rights", este artigo do fundador de Architects Designers and Planners for Social Responsibility, Raphael Sperry, demonstra como o projeto de prisões nos EUA e em outros locais está violando direitos humanos fundamentais, e como alguns arquitetos passaram a ser cúmplices disso.

Pensamos que normas de arquitetura existem para garantir que edifícios sejam seguros para o público. Mas e se o mal de um edifício não é causado por falhas estruturais inesperadas, mas por funcionar exatamente conforme o previsto? É possível que um edifício projetado para facilitar violações de direitos humanos constitua uma violação em si? E qual é a responsabilidade dos arquitetos envolvidos? Estas são questões centrais do atual debate nos EUA sobre o envolvimento da profissão de arquitetura no projeto de prisões.

Continue lendo para saber mais sobre a ética dos projetos de prisões.

Os 2,3 milhões de presidiários nos EUA representam a maior proporção de uma sociedade atrás das grades em qualquer lugar do mundo, tornando a operação e construção de prisões uma grande indústria. A execução e o uso de confinamento prolongado em solitárias são generalizados - e amplamente criticados. A Anistia Internacional e a ONU condenam práticas dos EUA, como isolamento, que podem, em questão de semanas, prejudicar a saúde mental e a visão de um indivíduo em longo prazo.

Enquanto isso o Reino Unido, seguido pela União Européia, recentemente baniu as exportações de tiopental - droga da injeção letal - para os EUA na esperança de pressionar os Estados a repensar sua posição sobre a pena de morte. Enquanto o mundo endurece sua postura em relação às condições penais nos EUA, arquitetos licenciados estão envolvidos na construção de novas prisões, incluindo câmaras de execução e celas de isolamento especificamente projetadas para a violação de direitos humanos.

O American Institute of Architects (AIA) deve ser elogiado por já exigir em seu código de ética que membros "defendam os direitos humanos em todos os seus empreendimentos profissionais". Apesar dos danos causados aos direitos humanos pelos projetos de detenção norte-americanos em Guantanamo, na Polônia, Romênia e em outros países de língua inglesa, nem o RIBA ou o Australian Institute of Architects tomam uma posição clara. Da mesma forma não o fazem o código arquitetônico Canadense ou a Union Internationales des Architectes com seu modelo de código de ética.

No entanto, apesar da posição aparentemente forte do AIA, isso não tem sido o suficiente para guiar arquitetos licenciados que se deparam com clientes exigindo assistência em projetos que cruzam a linha da violação dos direitos humanos.

O conceito de direitos humanos surgiu em 536 a.C. quando Ciro, o Grande, conquistou a Babilônia libertando em seguida os escravos, declarando que todas as pessoas tinham o direito de escolher sua própria religião e estabelecendo igualdade racial nas leis da Pérsia Antiga. Tratados modernos de direitos humanos surgiram depois da Segunda Guerra Mundial e foram recursos para proteger populações dos perigos de regimes opressores. Embora hoje governos ocidentais pareçam inclinados a resistir a supervisão e prestação de contas internacionais, em sua percepção, direitos humanos eram uma fonte de patriotismo e requinte diplomático. 

A sociedade civil tem sido o reduto de sua força e os arquitetos, como profissionais dentro dessa sociedade, vêem nossas liberdades e bem estar ascender e decair com todos os outros. Direitos humanos não só se aplicam em momentos de crise constitucional, mas na vida cotidiana, onde o trabalho de arquitetura é geralmente conduzido. Arquitetos devem estar cientes das dimensões éticas de seus projetos para evitar o que Hannah Arendt notoriamente chamou de "banalidade do mal" - a trajetória sutil de aceitar um projeto moralmente questionável até se tornar familiarizado com um cliente problemático a ponto de parar de questionar seus programas por completo.

Governos estrangeiros, especialmente de países em desenvolvimento, procuram arquitetos norte americanos na busca por projetos "modernos"

Como a profissão de arquitetura deveria responder a isso? Atualmente o grupo Architects Designers and Planners for Social Responsibility − do qual sou presidente − está realizando uma petição ao AIA para alterar seu código de ética para especificamente proibir membros arquitetos de projetar espaços destinados a violações dos direitos humanos. Médicos e outros profissionais da área já possuem um código similar incorporado em seus estatutos profissionais. Uma emenda do AIA teria consequências internacionais profundas.

Arquitetos de prisões dos EUA são cortejados por governos estrangeiros, especificamente do mundo em desenvolvimento, procurando adotar projetos "modernos" de prisões. A prisão de Abu Ghraib do Iraque, local de inúmeras execuções em massa de Saddam Hussein e casos infames de tortura pelo exército dos EUA, foi projetada pelo arquiteto americano Edmund Whiting e construída por empreiteiros britânicos no final da década de 1960. Desde então, empresas norte-americanas trabalharam no México, Colômbia, Emirados Árabes − lugares onde uma "sala de interrogatório" listada em uma apresentação arquitetônica hoje pode ser listada pelo Human Rights Watch amanhã.

As agora notórias prisões "secretas" da CIA fora da América foram construídas em 2003 com celas prefabricadas da empresa SteelCell de Baldwin, Georgia, que também forneceu celas para a construção do centro de detenção amplamente condenado em Guantanamo, usando projetos fornecidos por arquitetos e engenheiros americanos. Arquitetos americanos liderados pelo AIA estão em uma posição de assumir uma postura, forçando o consenso moral da sociedade avançar.

Pessoas em prisões são um grupo difícil de defender. Com exceção dos presos injustamente (uma porcentagem surpreendentemente alta nos EUA, mesmo do corredor da morte, onde os casos recebem uma análise minuciosa), pessoas presas infringiram a lei, geralmente prejudicando outras, às vezes de forma terrível. Mas direitos humano de detentos não se referem a seus crimes, mas a proteger nossa sociedade de chegar abaixo de um nível mínimo de decência e assegurar que continuemos a buscar nossas aspirações mais altas.

Barack Obama disse sobre Nelson Mandela, "ele lutava pela liberdade dos presos, mas também pela liberdade dos carcereiros". Quando arquitetos projetam prisões, nos responsabilizamos não só pelas condições de presos e guardas no interior, mas pelo status de liberdade de todos fora de lá.

Legisladores, governadores e funcionários das prisões obviamente têm a maior parte da responsabilidade pelas condições nas prisões - afinal, qualquer sala pode ser usada para torturar alguém, não só aquela projetada como uma solitária. O fardo ético sobre os designers é muito grande para arquitetos ou empresas enfrentarem individualmente, e é por isso que o AIA deve defender clara e vigorosamente os direitos humanos. Rejeitar projetos que violariam os direitos humanos é um passo essencial para a concretização de uma visão de um mundo igualitário e próspero - o mundo que arquitetos se esforçam para construir todos os dias.

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Sobre este autor
Cita: Stott, Rory. "Prisões e violação dos direitos humanos: O que podem fazer os arquitetos?" [Prisons and Human Rights Violations: What Can Architects Do?] 05 Mai 2014. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/601399/prisoes-e-violacao-dos-direitos-humanos-o-que-podem-fazer-os-arquitetos> ISSN 0719-8906

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